Quem nunca ouviu a famosa frase “Isso é comercial e não jurídico”? Os times jurídicos ainda enfrentam resistência dos clientes internos, que muitas vezes veem o jurídico como um obstáculo em vez de um aliado. É comum que sejamos percebidos como aqueles que estragam a festa, convidados apenas para criticar o que foi feito.
Mas como podemos mudar essa percepção e atuar como verdadeiros catalisadores de negócios, ao mesmo tempo em que mitigamos riscos? Antes de explorar isso, é importante esclarecer que chamar o jurídico de parceiro do negócio pode ser problemático. Não adianta usar o termo “business partner” para suavizar a situação; o jurídico é essencial para qualquer empresa, mas isso não significa que devemos nos considerar sócios ou parceiros.
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É fundamental lembrar das prerrogativas do sigilo advogado-cliente. Se nos tornarmos parceiros do negócio, como protegeremos as comunicações com nossos clientes (internos)? Devemos manter uma separação clara entre o jurídico e o restante da empresa. Isso não significa que não podemos ser estratégicos e essenciais para o sucesso do negócio; na verdade, podemos até ser catalisadores.
Ser estratégico significa entender o negócio, indo além das páginas contratuais. É compreender a proposta negociada, o produto ou serviço oferecido e, principalmente, identificar as dores da sua empresa (seu cliente) e do outro lado da mesa. O advogado é treinado para ser avesso ao risco, mas isso pode ser uma vantagem. Se do outro lado temos também um advogado avesso ao risco, podemos usar isso a nosso favor. O risco, às vezes, está na própria linguagem; mas, não quero entrar nesse detalhe aqui.
Vamos focar no papel de conselheiro jurídico, não de sócio do negócio. Participar de reuniões, opinar sobre o negócio, orientar com base na sua expertise jurídica e mostrar diferentes caminhos – com mais ou menos riscos – não significa que precisamos assumir a posição de sócio do negócio. Pelo contrário, isso demonstra o quão relevante e preparado é o jurídico.
Seja multidisciplinar. Aprenda sobre todos os aspectos do negócio, até mesmo sobre o que é do comercial e não do jurídico. Isso só fortalecerá sua atuação e permite que você se posicione de forma ainda mais eficaz nas discussões. Quanto mais você entender o negócio como um todo, melhor poderá aconselhar as decisões da empresa.
Afinal, além de falar sobre riscos – muitas vezes óbvios – o jurídico também tem a capacidade quase que singular de criar soluções para viabilizar negócios, sem assumir o papel de tomador de decisão. Isso ajuda a evitar a percepção de que somos sócios do risco. E sejamos francos: muitos executivos buscam compartilhar o fardo da tomada de decisão com o jurídico, pois isso lhes traz uma sensação de segurança. Mas é preciso ter cuidado. Como já dizia um filósofo: “uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”.
Lembre-se de que estamos aqui para apoiar, aconselhar e mostrar diversos caminhos, alguns com mais pedras e buracos, outros com menos, mas não somos sócios ou parceiros. E, se e quando surgirem complicações – especialmente considerando o contexto em que vivemos – estarei ao lado do cliente, garantindo que os direitos sejam respeitados.
Ao estabelecer essa separação de responsabilidades, eu, advogado, e você, que me lê, seja advogado ou advogada, poderemos atuar livremente em defesa dos interesses do nosso cliente.
É natural que você se pergunte: o jurídico interno não defende o cliente no judiciário, certo? Sou apenas uma função interna. Isso é um engano. Você é quem ditará a estratégia jurídica e será parte essencial da defesa. E para os advogados externos, que não me levem a mal, o jurídico interno, quando verdadeiramente estratégico, é quem controla as peças do tabuleiro. E por isso você irá se lembrar de como foi importante não ser parceiro do negócio, pois a tal da inviolabilidade do advogado entrará em jogo.
A questão não é se o jurídico pode ser um catalisador de negócios e um mitigador de riscos, mas sim como isso acontece. Pense comigo: de que adianta ter mais um sócio no negócio se não houver ninguém para protegê-lo? A realidade é que, cedo ou tarde, isso se tornará uma necessidade. A pergunta não é “se”, mas “quando”. E quando esse momento chegar, seu cliente ligará pedindo ajuda, e aposto que nem se lembrará de que, em algum momento, tentou rotular o jurídico interno como parceiro do negócio.
Estamos aqui para apoiar, viabilizar, catalisar, orientar e garantir que os interesses e negócios sejam sempre protegidos. O jurídico pode ser um grande aliado, mas não devemos confundir nosso papel com o de sócios do negócio. Nosso foco deve permanecer na estratégia e na proteção dos negócios, viabilizando-os sem perder de vista nossas responsabilidades.