O GIL/RAT majorado e a concessão de aposentadorias especiais

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A Constituição Federal de 1988 é também conhecida como “Constituição Social”, vez que em seus artigos traz um “plano” para a formação de uma sociedade que promove os direitos sociais e a dignidade da pessoa humana.

Nesse contexto, a Carta Magna em seu art. 6° disciplina que serão direitos sociais, dentre outros, a alimentação, o trabalho, o transporte, a segurança, a maternidade e a previdência social.

Ocorre que, para que referidos direitos sejam, de fato, implementados, é necessário haver um investimento público, o que demanda a utilização de finanças próprias. E, para que ocorra esse “custeio”, o Estado conta com os recursos obtidos por meio da tributação.

Especificamente quanto ao custeio da Seguridade Social, a Constituição Federal dispõe sobre as formas de financiamento, ou como essa será “patrocinada” em seu art. 195, sendo elas, dentre outras, a folha de salários e lucro das empresas.

No entanto, a Constituição do Brasil é uma norma programática, que apenas estabelece os objetivos fundamentais da República, os quais, posteriormente, são concretizados por legislações infraconstitucionais. Especificamente no caso das contribuições previdenciárias, sua incidência é regulada pela Lei 8.212/91, que dispõe sobre sua base de cálculo e alíquotas.[1]

A Lei 8.212/91 institui o plano de custeio da Previdência Social no Brasil, e dentre outras coisas, prevê a Contribuição para Grau de Incidência Laborativa decorrente dos Riscos Ambientais do Trabalho, também conhecido por GILRAT.

De acordo com a legislação, a alíquota do GILRAT deverá ser fixada de acordo com os graus de risco, tendo como base a atividade preponderante do contribuinte.

Dessa forma, as alíquotas para os graus de riscos previstos pelo art. 22, II, da Lei 8.212/91 são de 1% para o risco leve, de 2% para o risco médio e 3% para o risco grave, sendo que o parágrafo 3° desse mesmo artigo estabeleceu as diretrizes para que o Poder Executivo pudesse enquadrar as atividades desenvolvidas em relação às alíquotas de GILRAT.

Ocorre que, além das alíquotas básicas, o art. 57 da Lei 8.213/91 institui também a obrigação de recolhimento da Contribuição com base no acréscimo das alíquotas em 6%, 9% e 12%, nos casos em que o trabalhador estiver sujeito a condições de trabalho que lhe outorguem o direito à aposentadoria especial de 15, 20 ou 25 anos de contribuição, o que é conhecido por “GIL/RAT majorado”[2].

Sendo assim, em resumo, o GIL/RAT foi criado para financiar a aposentadoria especial e os benefícios concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrentes dos riscos ambientais ou acidentes de trabalho, e o que determina a sua alíquota será o grau de risco da atividade preponderante desenvolvida por aquela empresa.

Então, em relação ao enquadramento nos graus de risco o que irá determinar a alíquota de GIL/RAT a ser recolhida por certo estabelecimento empresarial será a atividade econômica preponderante da empresa. Isso significa que as indústrias ou empresas que concentre atividades industriais podem ter uma alíquota de contribuição ao GIL-RAT maior do que a de outros estabelecimentos que concentrem atividades administrativas.

Ocorre que o Decreto 3.048/99, que regulamenta normas da Previdência Social, em seu art. 64, dispõe que, para a concessão da aposentadoria especial, é necessária a comprovação do exercício de atividades em efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde de forma permanente.

No entanto, em julgamento do Tema 555 (ARE 664335), o Supremo Tribunal Federal firmou a seguinte tese:

I – O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial; II – Na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual – EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria.

Vale transcrever trecho do voto do ministro relator, Luiz Fux, quando do julgamento em questão:

(…) Porém, como foi fornecido ao trabalhador equipamento de proteção individual certificado, cuja eficácia na neutralização do agente nocivo à saúde foi atestada pelo empregador no perfil profissiográfico previdenciário, não deveria ser reconhecido o direito à aposentadoria especial. O motivo é simples: se a aposentadoria especial só é cabível quando estiverem presentes condições especiais que coloquem em risco a saúde do trabalhador, e se o EPI é eficaz na neutralização desses agentes nocivos, não há fundamento idôneo à aposentadoria especial. (…)

Nota-se que o Tema transcrito acima trata especificamente dos trabalhadores expostos a ruídos, sendo que, nos demais casos em que o EPI é capaz de neutralizar os efeitos nocivos, a Suprema Corte entendeu que não haverá direito a aposentadoria especial.

No âmbito da Previdência, a Instrução Normativa IN INSS 128/2022, em seu art. 290 parágrafo único, entende que os equipamentos de proteção coletiva que eliminem ou neutralizem a nocividade da atividade tiram o direito a aposentadoria especial, salvo em caso de ruídos. Vejamos:

Art. 290. Será considerada a adoção de Equipamento de Proteção Coletiva – EPC que elimine ou neutralize a nocividade, desde que asseguradas as condições de funcionamento do EPC ao longo do tempo, conforme especificação técnica do fabricante e respectivo plano de manutenção, estando essas devidamente registradas pela empresa.

Parágrafo único. Nos casos de exposição do segurado ao agente nocivo ruído, acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador o âmbito o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), sobre a eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o enquadramento como atividade especial para fins de aposentadoria.

Contudo, por meio do Ato Declaratório Interpretativo 2/2019, a Receita Federal entendeu que, ainda que haja adoção de medidas de proteção coletiva ou individual que neutralizem ou reduzam o grau de exposição do trabalhador a níveis legais de tolerância, a contribuição para custeio da aposentadoria especial será devida pela empresa em todos os casos. Vejamos:

Art. 1º Ainda que haja adoção de medidas de proteção coletiva ou individual que neutralizem ou reduzam o grau de exposição do trabalhador a níveis legais de tolerância, a contribuição social adicional para o custeio da aposentadoria especial de que trata o art. 292 da Instrução Normativa RFB nº 971, de 13 de novembro de 2009, é devida pela empresa, ou a ela equiparado, em relação à remuneração paga, devida ou creditada ao segurado empregado, trabalhador avulso ou cooperado de cooperativa de produção, sujeito a condições especiais, nos casos em que não puder ser afastada a concessão da aposentadoria especial, conforme dispõe o § 2º do art. 293 da referida Instrução Normativa.

Art. 2º Ficam modificadas as conclusões em contrário constantes em Soluções de Consulta ou em Soluções de Divergência, emitidas antes da publicação deste ato, independentemente de comunicação aos consulentes.

Assim, em que pese o Supremo Tribunal Federal por meio de Repercussão Geral ter entendido pela impossibilidade de concessão de aposentadoria especial em caso de utilização de EPI eficaz na neutralização dos agentes nocivos, entendimento esse que foi seguido inclusive pela Instrução Normativa da Previdência Social, o fisco, por meio da Receita Federal, vem incessantemente cobrando alíquotas majoradas de GIL/RAT nos termos da Lei 8.213/1991, art. 57, § 6º, em todos os casos, além de vir reiteradamente promovendo uma série de autuações em caso de recolhimento com base em alíquota inferior.

No entanto, a aposentadoria especial não é concedida aos beneficiários da Previdência Social em casos comprovados de utilização de EPI eficaz.

Dessa forma, evidencia-se um grande desequilibro entre o custeio – ou seja, a tributação aos contribuintes por meio do recolhimento do GIL/RAT – e a contrapartida aos beneficiários da Seguridade Social por meio da concessão de aposentadorias especiais.

[1] Disponível em < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8212cons.htm>. Acesso em 23/11/2023.

[2] Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei. (…) § 6º O benefício previsto neste artigo será financiado com os recursos provenientes da contribuição de que trata o inciso II do art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após 15, 20 ou 25 anos de contribuição, respectivamente.