A Receita Federal do Brasil (RFB) intensificou a fiscalização relativa às contribuições previdenciárias sobre a exposição dos trabalhadores ao ruído, um agente nocivo que pode influenciar o cálculo do adicional ao Seguro de Acidente do Trabalho (SAT).
De acordo com o artigo 57 da Lei 8.213/91 será exigido da empresa, que exponha o empregado de forma permanente a condições prejudiciais à saúde ou a integridade física, a contribuição adicional ao SAT, nas alíquotas de 12%, 9% e 6% sobre o total da remuneração mensal, que permitirá a concessão da aposentadoria especial após 15, 20 e 25 anos de contribuição, respectivamente.
O ruído confere a concessão da aposentadoria especial após 25 anos de tempo de contribuição e, consequentemente, implicam no recolhimento do adicional ao SAT em 6% sobre a remuneração dos empregados expostos.
Contudo, a legislação tributária em vigor reconhece que caso sejam adotadas as medidas de controle previstas na legislação trabalhista que eliminem a nocividade, será descaracterizada a efetiva exposição até mesmo para os agentes reconhecidamente cancerígenos para humanos.
Nesse sentido, o artigo 64 do Decreto nº 3.048/99 (Regulamento da Previdência Social) determina que a “efetiva exposição a agente prejudicial à saúde configura-se quando, mesmo após a adoção das medidas de controle previstas na legislação trabalhista, a nocividade não seja eliminada ou neutralizada”. Nesse contexto, uma vez reduzidos os danos aos limites legais, a empresa não é obrigada a recolher o adicional de SAT.
Na mesma linha, o § 2º do artigo 232 da IN/RFB nº 2.110/2022 determina que, como regra geral, não será devida a contribuição adicional para o financiamento da aposentadoria especial quando a adoção de medidas de proteção coletiva ou individual neutralizarem ou reduzirem o grau de exposição do trabalhador a níveis legais de tolerância, de forma que afaste a concessão da aposentadoria especial, conforme previsto na mesma Instrução Normativa ou em ato que estabeleça critérios a serem adotados pelo INSS, desde que a empresa comprove o gerenciamento dos riscos e a adoção das medidas de proteção recomendadas, nos documentos de saúde e segurança ocupacional que devem ser elaborados.
A despeito disso, a controvérsia atual gira em torno da eficácia dos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) na neutralização dos efeitos do ruído e, consequentemente, na isenção do recolhimento do adicional ao SAT. A posição da RFB, veiculada no Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 02/2019, é de que o adicional é devido mesmo que haja comprovação de que os EPIs são eficazes.
Referido Ato Declaratório Interpretativo é sustentado na decisão do Supremo Tribunal Federal proferida no Recurso Extraordinário nº 664.335 (Tema 555), julgado sob a sistemática de “repercussão geral” (cujo entendimento, em linhas gerais, deve ser aplicado aos demais casos semelhantes e pendentes de julgamento), no qual a Corte Suprema definiu uma regra e uma exceção, a saber:
Regra: o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial.
Exceção: na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual – EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria
Com base nesse Ato Declaratório Interpretativo, a Receita Federal tem conduzido fiscalizações muito específicas em diversos contribuintes, dos mais variados setores, solicitando pouquíssimos documentos de saúde e segurança do trabalho.
Ao cruzar as informações disponibilizadas pelas empresas com aquelas anteriormente enviadas pelo eSocial, a Receita Federal envia automaticamente um Aviso para Regularização, conferindo um prazo de 30 dias para a empresa realizar o pagamento supostamente devido de forma espontânea, sem multas.
Entretanto, como visto, a legislação e a jurisprudência oferecem fundamentos para contestação da aplicação automática desse entendimento nas relações tributárias.
Há elementos que sugerem que o investimento em segurança e saúde ocupacional, bem como a comprovação da eficácia dos EPIs, poderiam afastar a incidência da contribuição adicional. Além disso, a relação entre a decisão do STF, que se aplica entre o segurado e o INSS, e a relação tributária entre empresa e RFB é uma distinção relevante na defesa.
Com projetos de lei em tramitação e decisões judiciais variadas, o cenário é de incerteza. No entanto, é imperativo que as empresas analisem cuidadosamente os avisos para regularização emitidos pela Receita para evitar pagamentos desnecessários.
É fundamental ainda que as empresas conduzam uma revisão detalhada de seus casos, pois a fiscalização pode abranger um número de empregados maior do que o efetivamente exposto ao agente nocivo acima do limite de tolerância, abrindo margem para a nulidade de eventual autuação.
Por outro lado, uma atitude prudente para as empresas que não recolheram o adicional no passado – e que não tenham documentos de saúde e segurança do trabalho que comprovem a eficácia dos equipamentos de proteção – é considerar a denúncia espontânea para regularizar a situação fiscal com a possibilidade de evitar multas, desde que o pagamento seja feito antes de qualquer procedimento de ofício.
Em resumo, a atuação fiscal sobre o agente nocivo ruído requer atenção e uma defesa técnica bem estruturada. As empresas devem estar cientes de que há espaço para argumentação e, com as provas adequadas, podem afastar ou reduzir significativamente a exigência do adicional ao SAT.
Frente a esta realidade, aconselha-se que as companhias busquem orientação especializada para garantir que seus direitos sejam adequadamente defendidos diante dessa nova onda de fiscalizações.