O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5905, proposta em 2018 pelo estado de Roraima, sob relatoria do ministro Luiz Fux. A ação questiona a validade dos artigos 6º, 13, 14 e 15 da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), internalizada no ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto Legislativo nº 143/2002 e pelo Decreto nº 5.051/2004, argumentando que esses dispositivos restringem de forma indevida a autonomia dos entes federados, sobretudo no que se refere à execução de obras públicas e à implementação de políticas de desenvolvimento em territórios sob jurisdição estadual.
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A ADI 5905 questiona a obrigatoriedade da consulta livre, prévia e informada a povos indígenas antes da instalação de empreendimentos públicos, sob o argumento de que tal exigência criaria entraves administrativos e interferiria na autonomia federativa, tendo como exemplo o caso do Linhão de Tucuruí e a consulta ao povo Waimiri Atroari.
O julgamento ocorre em um momento em que o governo federal retoma grandes empreendimentos na Amazônia, com investimentos bilionários em infraestrutura e energia, como o próprio Linhão de Tucuruí, o asfaltamento da BR-319, a liberação de exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas e outras obras previstas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que destina R$ 23 bilhões à ampliação e manutenção de rodovias na região, além das discussões sobre minerais críticos e terras raras em nosso país. Nesse cenário, o STF se vê novamente diante do desafio de arbitrar entre um modelo de crescimento baseado na exploração de recursos naturais e o dever constitucional e internacional de proteger as florestas e as comunidades que há séculos preservam o equilíbrio climático e reduzem o desmatamento na região.
A pauta indígena sempre esteve presente no STF, desde julgamentos históricos como o caso Raposa Serra do Sol (PET 3388), que consolidou importantes marcos sobre a demarcação de terras. No entanto, a partir de 2020, com o reconhecimento da legitimidade da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709, o primeiro litígio estrutural protagonizado por uma organização indígena. O Tribunal inaugurou um novo momento. Desde então, os povos indígenas passaram a ocupar o STF não apenas como tema de julgamento, mas como agentes ativos da relação jurídico processual, representados por seus advogados indígenas e assumindo um papel importante no plenário na construção da jurisprudência sobre o tema.
Nesse contexto, o debate sobre a consulta livre, prévia e informada assume papel central. As decisões mais recentes do STF revelam uma tendência da Corte, ao deliberar em casos concretos, de avançar na discussão sobre a exploração econômica em terras indígenas. O Recurso Extraordinário (RE) 1017365, que tratou do marco temporal, e a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 87, nas mesas de conciliação sobre a constitucionalidade da Lei nº 14.701, trouxeram à tona, inclusive, a possibilidade de regulamentação da mineração e de outras atividades econômicas em terras indígenas. No mesmo sentido, o Mandado de Injunção (MI) 7490 estabeleceu importante precedente ao reconhecer o dever de reparação a povos afetados e ao determinar que o Congresso Nacional legisle sobre a lavra mineral em terras indígenas. Já a ADI 6553, referente à Ferrogrão e recentemente iniciada em plenário, possui potencial de gerar impactos diretos na preservação climática e ambiental do país, além de afetar diversos povos indígenas da Amazônia.
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Diante desse cenário, a ADI 5905 surge como mais um capítulo crucial na definição de como o Estado brasileiro deve equacionar o dever de consulta com a expansão de suas fronteiras econômicas e poderá, de forma inédita, definir o caráter vinculativo da consulta prévia, livre e informada, consolidando ou restringindo sua força normativa no ordenamento constitucional, caso decida se atentando para a jurisprudência internacional.
A jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos consolidou parâmetros fundamentais sobre o direito à consulta livre, prévia e informada, reconhecendo-a como instrumento de proteção e de autodeterminação dos povos indígenas. Em sua decisão no caso Saramaka vs. Suriname, a Corte deu um passo decisivo ao afirmar que, diante de empreendimentos de grande escala ou de impactos profundos sobre os territórios tradicionais, o Estado não deve apenas consultar, mas obter o consentimento livre, prévio e informado das comunidades afetadas, conferindo aos povos indígenas a última palavra sobre a implementação desses projetos. Esse entendimento confere caráter vinculante às decisões das comunidades, sobretudo quando estão em risco a sobrevivência física, cultural e espiritual dos povos indígenas.
O julgamento da ADI 5905 insere-se em um momento decisivo da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, em que as decisões sobre os direitos indígenas passam a dialogar diretamente com a agenda climática e com os limites da exploração econômica em territórios tradicionais.
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Ao definir o alcance do direito à consulta livre, prévia e informada, o Tribunal não apenas interpretará um dispositivo constitucional, mas também influenciará os rumos da política ambiental e climática do país. A forma como o Supremo equilibrar essas dimensões: proteção dos povos indígenas, desenvolvimento econômico e responsabilidade climática, oferecerá um indicativo de como a pauta dos direitos fundamentais será conduzida em um Tribunal que passa por mudanças em sua composição, com a saída do ministro Barroso e a possível indicação de Jorge Messias.