A antiga controvérsia “trata-se de um bem ou um serviço?” “Devo pagar ISS ou ICMS?” permanece sendo motivo de alerta para os indivíduos que atuam com produtos digitais.
Embora a reforma tributária tenha unificado o ISS, de competência municipal, e o ICMS, de competência estadual, para formar o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), a transição para este novo imposto será gradual, razão pela qual, a questão ainda demanda atenção. Vejamos.
Os produtos digitais tratam de uma classe, a qual é criada e distribuída por meios eletrônicos. Assim, podem ser acessados e utilizados em dispositivos, como computadores, smartphones e tablets.
Há diversos exemplos de produtos digitais que fazem parte do cotidiano das pessoas, tais como, os e-books e videoaulas. Em vista disso, a tributação destes produtos é um tema importante na realidade atual, uma vez que o comércio eletrônico e o consumo de conteúdo digital têm crescido cada vez mais.
Deste modo, ao compreender as regras tributárias aplicáveis a esses produtos, os indivíduos que operam nesse mercado podem garantir o cumprimento das obrigações tributárias e, ao mesmo tempo, reduzir os custos fiscais envolvidos.
Por isso, é importante se atentar a qual modelo de produto está sendo comercializado, como forma de auxiliar que todas as responsabilidades tributárias sejam realizadas da melhor forma possível ao contribuinte.
Como exemplo, enquanto os e-books (vide – Súmula Vinculante nº 57 do STF) possuem imunidade tributária (art. 150, VI, d, da CF/88), ainda há muita controvérsia quanto a tributação das videoaulas.
As videoaulas estão sujeitas a uma forma diferente de tributação devido à sua transmissão pela internet. Será que esta atividade deve ser considerada uma simples prestação de serviços?
Um dos pontos de atenção é em relação à natureza intangível dos produtos digitais, que não são bens corpóreos, mas sim utilidades intangíveis, o que torna essa distinção ainda mais importante.
Por isso, há situações em que há dificuldade em definir se a utilidade fornecida ao cliente consiste em um serviço ou uma mercadoria. Em outros casos, é comum que o infoproduto englobe tanto bens quanto serviços.
Assim, enquanto a aquisição de um e-book pela internet pode ser considerada a compra de um bem, o acesso remunerado online a esse mesmo e-book pode ser considerado um serviço ou a cessão de um direito de uso, sendo um aspecto relevante para identificação do tributo a incidir na operação comercial: ICMS, de competência estadual ou ISS, de competência municipal.
O ICMS, imposto de competência estadual, incide sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação[1]. Já o ISS, imposto de competência municipal, incide sobre a prestação de serviços constantes da lista anexa à Lei Complementar 116/2003, em seu art. 1º.
A confusão surge quando em uma mesma operação são fornecidos bens e serviços.
Para dirimir a questão, o constituinte dispôs no art. 155, § 2º, IX, alínea b da Constituição Federal, que o ICMS incidirá também “sobre o valor total da operação, quando mercadorias forem fornecidas com serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios”.
Por sua vez, o artigo 1º, §2º da LC 116/2003 (lei do ISS), dispôs que, ressalvadas as exceções expressas na lista anexa, os serviços nela mencionados não ficam sujeitos ao Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), ainda que sua prestação envolva fornecimento de mercadorias.
Assim, de acordo com os dispositivos supramencionados, a solução de conflito de competências entre ISS e ICMS no caso de utilidades que envolvam, concomitantemente, prestação de serviços e fornecimento de mercadorias se resolve pela lógica da exclusão.
Em suma, serão tributáveis pelo ISS os serviços fornecidos com mercadorias sempre que essas prestações estiverem previstas na lista anexa estabelecida pela LC 116/2003. Por outro lado, serão tributáveis pelo ICMS as mercadorias fornecidas com serviços que não estejam previstos na legislação do ISS.
No que concerne à videoaula, importa ressaltar o conceito, que consiste em uma aula produzida no formato de vídeo e distribuída para alunos por meio digital. Como se extrai de sua própria definição, tem como principal finalidade transmitir um conteúdo para ensinar algo a alguém por meio de um vídeo.
As videoaulas ou cursos on-line, quando disponibilizadas em troca de remuneração, se tornam um tipo de produto digital sujeito a tributação.
Nesse contexto, a lei nº 116/2003, prevê como serviço tributável pelo ISS, a “disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdo de áudio, vídeo, imagem e texto por meio da internet, respeitada a imunidade de livros, jornais e periódicos”[2].
Por outro lado, algumas unidades federativas tributam as videoaulas com ICMS quando disponibilizadas de forma definitiva.
Nesse cenário, a Portaria CAT 24/2018, editada pela Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, no parágrafo único do seu artigo 1º, dispõe que:
“são considerados bens e mercadorias digitais todos aqueles não personificados, inseridos em uma cadeia massificada de comercialização, tais como os que antes eram postos à venda em meios físicos (ex. CD ou DVD). É o caso, como menciona o item 2 do parágrafo único da referida Portaria CAT, dos conteúdos de áudio, vídeo, imagem e texto, com cessão definitiva (download)”.
A posição da Sefaz/SP sobre a tributação de videoaulas foi confirmada na resposta à Consulta 22.266 de 16/12/2020, cuja ementa segue transcrita:
ICMS – Operações com bens ou mercadorias digitais realizadas por sites e plataformas eletrônicas, por meio de transferência eletrônica de dados – Videoaulas disponibilizadas para download – Aulas transmitidas ao vivo – Incidência. I. A comercialização de videoaula gravada está sujeita à incidência do ICMS independentemente da forma como se dê, seja por mídia física ou transferência eletrônica de dados, nas situações em que haja a cessão definitiva dos arquivos de vídeo. II. Não incide o ICMS na transmissão de videoaulas ao vivo, nas quais não haja cessão definitiva dos arquivos de vídeo aos consumidores.
Assim, alguns estados ainda se baseiam no posicionamento antigo do STF para cobrar ICMS de produtos digitais onde seja difícil distinguir se a utilidade oferecida consiste em um serviço ou em um bem.
A despeito do novo posicionamento do STF, que passou a considerar como o grau de relevância do trabalho humano desenvolvido, a portaria segue vigente e o fisco paulista ainda adota o grau de especialidade, o volume de comercialização e a definitividade da transferência como critérios para tributação dos produtos digitais pelo ICMS.
Todavia, apesar das discussões envolvendo a tributação dos produtos digitais pelo ICMS ou pelo ISS, ao menos um ponto parece ser certo: quando não houver cessão definitiva do produto, haverá tributação pelo ISS e não pelo ICMS.
Pelo exposto, constata-se a relevância de analisar e definir qual é o “modelo” de produto digital fornecido, bem como, a correta definição pode influenciar na tributação de cada caso concreto.
Por isso, a importância dos contribuintes realizarem um planejamento tributário adequado para otimizar custos e reduzir riscos.
[1] Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993).
II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) (Vide Emenda Constitucional nº 132, de 2023).
[2] Item 1.09 da Lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003