Fenômeno que tem ganhado espaço no âmbito corporativo, mas ainda é pouco explorado no Brasil, a prática conhecida como “sextorsão” é um neologismo formado pela aglutinação das palavras “sexo” e “extorsão”.
Trata-se da situação em que uma pessoa utiliza a posição de poder – não necessariamente hierárquica – como instrumento para constranger alguém a favorecê-lo sexualmente. Dessa forma, a “sextorsão” pressupõe, portanto, abuso de autoridade, vantagem sexual garantida ou solicitada pelo assediador extorsionário como moeda de troca e coação psicológica.
O assunto está em voga, na carona do combate aos assédios moral e sexual nas empresas, além da agenda de compliance e ESG (Environmental, Social and Governance) e o posicionamento de celebridades na mídia. A vigilância contra práticas de “sextorsão” também ganhou reforço de reformas legislativas, que colocaram as organizações em uma verdadeira sinuca de bico para se reinventarem.
Dentre as mais recentes, estão a Lei 14.457/22 do Programa Emprega+ Mulheres, a Lei 14.540/23 do Programa de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Sexual e demais crimes sexuais no âmbito da administração pública, e a Lei 17.635/23-SP, que institui que bares, restaurantes e boates atuem contra o assédio sexual e a cultura do estupro.
No entanto, para além das possíveis consequências trabalhistas decorrentes de atos de “sextorsão” no âmbito corporativo, há uma lacuna na legislação brasileira sob o ponto de vista punitivo.
Isso porque o crime de assédio sexual no Brasil, configurado no art. 216-A do Código Penal, pressupõe relação de hierarquia entre assediador e assediado, o que afasta as situações em que a “sextorsão” é praticada entre pares, ou por profissionais de fornecedores, clientes e parceiros no âmbito profissional.
Ainda, por não pressupor vantagem econômica e, sim, favor sexual e não envolver necessariamente violência ou grave ameaça, o termo também não é considerado puramente extorsão, conforme o art. 158 do Código Penal.
Nesse contexto, há o crime de violação sexual mediante fraude (art. 215 do Código Penal), consistente em ter esse tipo de atividade com alguém que teve reduzida a capacidade de decidir por ter sido induzido ao erro, situação que se distancia igualmente da “sextorsão”.
Com isso, o ambiente corporativo é sabidamente propício à incidência de práticas como essa, que não se limitam à relação entre superior hierárquico e subordinado. Isso dificulta a responsabilidade penal do agente e, por consequência, a incidência dos efeitos de retribuição e prevenção que a pena causaria na contensão de novas práticas.
Nesse cenário, a insuficiência de debates sobre o tema e o deserto normativo são possíveis estímulos a práticas reiteradas de “sextorsão” e impõem-se como verdadeiros desafios aos profissionais de compliance e ao corpo diretivo das empresas.
Um exemplo hipotético dessa situação é uma vendedora que atende um único grande cliente, e o comprador dessa organização condiciona o fechamento do negócio (que garantiria a manutenção do emprego e o bônus dela) a receber sexo em troca. Nesse cenário, há sérias dúvidas se a situação configuraria crime, apesar de ser moral e profissionalmente reprováveis.
Na mesma linha, outra situação pode ser a de uma funcionária receber ligação telefônica em seu número corporativo e a pessoa do outro lado, que não é o seu chefe nem alguém com ascendência hierárquica, falar palavras de baixo calão e simular um ato sexual com a vítima. Tal conduta vil não se encaixaria na tipificação de crime sexual, mas poderia acontecer em qualquer organização, com reflexos negativos à vítima e sua condição psicológica, por prejudicar suas condições de trabalho.
A depender do caso, até seria possível discutir a incidência do artigo 147-B do Código Penal, trazido pela Lei 14.188/21, que prevê o crime de dano emocional contra a mulher. Ainda assim, não estaríamos falando em crime de cunho sexual e só se aplicaria às hipóteses de violência contra pessoa que se identifique com o gênero feminino.
Uma vez não atendidos os critérios para que os comportamentos inadequados sejam tipificados como crime, os programas de compliance, ao preverem e aplicarem medidas sancionatórias contra os agentes de “sextorsão’, acabam atuando como importantes elementos agregadores ao sistema repressivo estatal, contribuindo de alguma forma para a contenção dessa prática espúria no ambiente de trabalho.
Porém, a pauta que se coloca como necessária para futuras discussões é se a penalização da “sextorsão” no âmbito criminal seria um recurso válido e necessário para tornar mais efetivas as ações dos profissionais de compliance e RH dentro das organizações. Em uma época em que o tema da saúde mental está em evidência, atos que agridem psicologicamente o indivíduo precisam ser cobertos pela legislação.
É evidente que a vítima de “sextorsão” teria meios de obter o ressarcimento por danos morais. Contudo, não se pode esquecer a função subsidiária da esfera penal, que só se justifica quando todos os outros meios de coerção não se mostram suficientes.
Sendo assim, a possível incidência da responsabilidade civil ou de medidas disciplinares por violação a políticas de compliance seriam suficientes para coibir tais práticas no âmbito corporativo? É salutar instigar os legisladores e os profissionais da área a discutirem a eventual necessidade de elevação da “sextorsão” ao patamar de crime.