O vigente Código de Processo Civil (CPC) acaba de completar uma década de vigência, substituindo o antigo CPC de 1973, que norteou o sistema processual civil brasileiro por 42 anos desde sua promulgação.
Para alguns processualistas, o atual modelo processual representou avanços consideráveis na prática forense, perceptíveis em mudanças significativas, como a contagem dos prazos processuais em dias úteis, a implementação do período de recesso forense, a adoção de um critério objetivo para a fixação dos honorários sucumbenciais, além da uniformidade dos prazos processuais, que se limitam a cinco ou quinze dias, a depender da peça processual a ser apresentada.
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Destaca-se, ainda, o dever de observância à uniformidade da jurisprudência dos Tribunais Superiores, como o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ), entre diversas outras alterações significativas.
Em âmbito tributário, a possibilidade de celebração de negócio jurídico processual, nos termos do disposto no artigo 190 do Código de Processo Civil, vem se revelando um importante instrumento, uma vez que, embora não seja possível a concessão de descontos mediante NJP, é possível que haja a reunião de processos, de forma que a gestão destes seja mais racional e estratégica, possibilitando oferecimento de garantias e a facilitação para obtenção das certidões de regularidade fiscal.
Além disso, em um cenário de transação tributária, o Estado e o contribuinte vêm optando por celebrar negócios jurídicos processuais até que haja a finalização da transação tributária, o que demonstra uma redução da postura autoritária vertical da Administração Pública.
Neste passo, não há dúvidas de que tais avanços contribuíram para um sistema processual mais efetivo, justo e equilibrado, o qual necessariamente deve ser norteado pelos valores previstos na Constituição Federal de 1988. Esse preceito está consagrado na própria norma introdutória do CPC, que expressamente dispõe que:
“O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código” (art. 1°).
Entretanto, se, por um lado, houve progressos que trouxeram maior previsibilidade e conforto aos operadores do direito, por outro, ainda se identificam incongruências no próprio texto legal, cujas inconsistências continuam sendo objeto de análise crítica por parte da doutrina e pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, especialmente em razão de lacunas e dificuldades que permanecem sendo identificadas, como, por exemplo, a contagem do prazo para oposição de Embargos à Execução Fiscal em dias corridos ou úteis.
Em outros termos, ainda há causa de insegurança jurídica.
Dentre tantas inconsistências que ainda se fazem presentes no atual Código de Processo Civil, em recente julgamento (REsp n. 1.909.271/PR, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 11/2/2025, DJEN de 14/2/2025), a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) dedicou-se a apresentar esclarecimentos objetivos acerca da incidência do § 1° do artigo 239 do CPC.
Na oportunidade, o ponto controvertido discutido no julgamento consistiu em definir se a manifestação do réu, realizada no início da fase postulatória e antes da decisão judicial sobre o recebimento da inicial e a designação de audiência de conciliação ou mediação, deflagra, automaticamente, o prazo para apresentação da contestação, nos termos da última parte do § 1º do art. 239 do CPC/2015.
O caso em si
De modo sucinto, o réu havia se habilitado espontaneamente nos autos ainda na fase postulatória, apresentando procuração específica para o recebimento da citação.
No entanto, ao analisar a própria petição inicial, o Juízo de origem entendeu ser caso de indeferimento da audiência de tentativa de conciliação, bem como da tutela pretendida pela parte autora, consignando que a conciliação poderia ser agendada a qualquer momento no curso do processo, quando justificada a sua pertinência.
Em ato contínuo, determinou que fosse realizada a citação do réu para apresentar defesa escrita no prazo de 15 dias, embora este já se encontrasse habilitado nos autos.
Entretanto, e é daí que surge o ponto de controvérsia, a carta de citação retornou sem o devido cumprimento. E, somente após o retorno da correspondência, o Juízo de origem verificou que o réu já havia se habilitado espontaneamente nos autos.
Diante disso, entendeu que o comparecimento espontâneo do réu supriu a ausência de citação, fixando a data da habilitação como o marco inicial para a fluência do prazo para apresentação da contestação.
Como o réu não apresentou contestação no prazo de 15 dias, contados a partir da data de sua habilitação espontânea nos autos, o Juízo registrou a ocorrência da revelia, dado o não cumprimento do prazo legal.
O imbróglio foi levado para apreciação do STJ, que, ao observar judiciosamente a matéria controvertida, entendeu que há necessidade de verificar as fases em que ocorre a apresentação espontânea do réu no processo, pois daí advêm as suas consequências.
Assim, fixou-se que se o comparecimento espontâneo do réu ocorre ainda na etapa postulatória, ou seja, antes da análise acerca da viabilidade formal e material da ação, não há que se falar em indevida falta, tampouco em invalidade da citação, que ainda não foi determinada pelo juiz, haja vista que, nessa etapa, o processo se desenvolve em uma relação linear (autor e magistrado).
Dessa feita, o STJ entendeu que, se o réu se apresenta no processo no início da fase postulatória, tem a justa expectativa de que o juiz o convocará a manifestar seu interesse na audiência de conciliação ou mediação na forma que dispõe o artigo 334 do CPC.
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Apresentando uma tese bastante convincente e coerente com a própria semântica do atual Código de Processo, que tem como espírito a tríade da efetividade-adequação-tempestividade, como o ato de citação não mais tem relação necessária com o oferecimento da peça contestatória – mas, sim, em regra, com a manifestação no interesse em participar da audiência de conciliação e mediação –, em respeito ao princípio do devido processo legal, deve-se honrar a expectativa do réu de que o prazo para a apresentação da contestação não terá como termo inicial o seu comparecimento ao processo e de que o ônus de deduzir a sua defesa somente lhe será imposto no momento adequado.
Conclui-se que, por esse motivo, se a apresentação do réu ocorre neste momento inicial (fase postulatória), nem sequer se cogita na aplicação do instituto do comparecimento espontâneo.
Assim, o STJ concluiu que, por uma interpretação lógico sistemática da disciplina do novo Código de Processo, somente a apresentação do réu que ocorre em fase adiantada do procedimento é que foi efetivamente disciplinada pelo artigo 239, parágrafo 1°, do CPC, e que, por essa orientação, pode ser assim propriamente denominada como comparecimento espontâneo, consagrando-se, por conseguinte, o princípio do acesso à justiça e do devido processo legal.