O aquecimento global pode levar o planeta a uma condição catastrófica. As mudanças climáticas provocadas pelo aquecimento global podem provocar uma série de eventos que, até então, conhecíamos como raros ou episódicos de determinadas localidades. Inundações, aumento drástico no nível dos oceanos, desertificação de regiões inteiras podem se tornar recorrentes. Algumas medições e análises sinalizam que o planeta já esteja experimentando tais fenômenos.
Estudo da Organização Meteorológica Mundial aponta que há 50% de chances de a temperatura do planeta ultrapassar 1,5ºC até 2026. O recorde mensal da temperatura global foi mais uma vez quebrado em 2023, dando continuidade a uma série prolongada de temperaturas extraordinárias da superfície terrestre e oceânica e de baixo gelo marinho[1]. Para atingir as metas de temperatura do Acordo de Paris de 2015, os países precisam reduzir rapidamente sua dependência de combustíveis fósseis e aumentar o uso de alternativas de fonte de energia e de transporte mais limpas.
Porém, como reduzir efetivamente as emissões de gases de efeito estufa e controlar o aquecimento global? Quais as políticas de Estado devem orientar a transição energética? Existe uma “bala de prata” climática?
O carbon tax certamente é uma possível resposta para a redução do nível de emissão de gases de efeito estufa, causadores do aquecimento global.
As mudanças climáticas são uma externalidade negativa causada pela produção e circulação de bens e serviços, a ser corrigida via tributação, possibilitando que o tributo seja equivalente ao custo social gerado[2]. A solução é defendida por economistas há décadas como uma forma de, via aumento de preços, desencorajar atividades poluidoras, ao tempo em que se estimula o surgimento e a procura por produtos e serviços mais verdes.
Juridicamente, a precificação do carbono é uma medida de intervenção sobre o domínio econômico que a Constituição Federal autoriza nos arts. 170, IV e VI. A reforma tributária, aprovada recentemente na Emenda Constitucional 132, de 2023, previu como norma de princípio a utilização de instrumentos tributários na defesa do meio ambiente, o que parece reforçar a possibilidade da taxação da emissão de gases de efeito estufa no Brasil.
No entanto, mesmo que juridicamente a tributação para proteção do meio ambiente seja um desejo constitucional, o carbon tax pode apresentar algumas limitações.
Pesquisas mais recentes questionam a eficácia do imposto sobre o carbono na redução de emissão de GEE. Na Colúmbia Britânica, província do leste do Canadá, não se verificou mudança significativa no nível agregado de emissões de CO2 após introdução do imposto sobre carbono[3]. A pouca disponibilidade de alternativas mais limpas pode explicar em parte o problema.
Para que a tributação tenha um efeito sobre a mudança de comportamentos ambientais, a relação entre oferta e demanda de um produto ou atividade emissora de poluentes deve ser suficientemente elástica, de modo a produzir uma redução no seu consumo com o encarecimento provocado pela taxação. De acordo com Schoueri, de nada adiantaria um imposto extrafiscal cujo aumento no preço do produto não interferisse na curva de demanda[4], não se justificando nesses casos a intervenção tributária como indutor de mudanças.
O valor do imposto associado a externalidade também pode ser determinante para que se verifique a eficácia da extrafiscalidade pretendida. No caso do carbon tax, os valores, a depender dos países que adotam a taxação, podem variar de US$ 1 a 127/t CO2. Assim, a maior intensidade fiscal na incidência poderia ser utilizada para acelerar a indução na escolha de fontes de energia e transportes menos poluentes. As experiências mais exitosas, apontam alguns especialistas, seriam de países em que o valor do carbono é supertaxado, como a Suécia e Suíça (em torno de US$ 120/tCO2).
O risco, por outro lado, é que, mal calibrado, o imposto poderia ter um impacto inflacionário nos preços em geral agravando seu efeito regressivo no consumo da população. Os protestos dos coletes amarelos na França, a greve dos caminhoneiros no Brasil em 2018 e os protestos mais recentes no Quênia contra altas de impostos sobre energia e combustíveis ilustram bem este desafio.
A supertaxação do carbono, impondo custos impactantes sobre a população, vulneraria especialmente as pessoas de menor renda de países em desenvolvimento, o que poderia representar um desvio da ideia de justiça climática, hoje prevalecente nas discussões envolvendo políticas de precificação e financiamento de ações de combate às mudanças climáticas.
Por fim, a Teoria da Economia Comportamental demonstra que as decisões não são tomadas apenas de acordo com os princípios da racionalidade econômica. Consumidores já acostumados ou habituados a determinadas preferências não são facilmente movidos apenas pela imposição de uma carga tributária maior[5]. Estímulos (nudges), que sensibilizem a “arquitetura de escolhas” de consumidores e emissores de GEE, podem ser uma ferramenta não onerosa eficaz para que opções mais limpas e sustentáveis sejam adotadas.
A transição energética é um processo complexo. Envolverá vários atores contrapondo diversos interesses, demandando por isso soluções duradouras. A fixação de preços do carbono em toda a economia será um elemento essencial de qualquer política que possa alcançar reduções significativas das emissões.
A instituição de um carbon tax, de maneira a gerar menos resistência na sociedade e nos setores produtivos, deverá levar em consideração mecanismos de revisão na taxação, relacionados, inclusive, à efetiva redução de emissão de GEE. O faseamento poderá proporcionar, com mais eficácia, a avaliação ex post dos efeitos da extrafiscalidade da política.
A previsão de devolução de carbon tax ou outros benefícios de cunho social, podem contribuir para mitigar os efeitos regressivos da taxação. A experiência canadense, de uma espécie de cashback para o setor mais vulnerável da população, é uma proposta que torna imposição tributária mais legítima perante a sociedade.
Não obstante, as políticas de transição não devem se limitar à precificação do carbono, por melhor desenhadas que sejam. Em razão da urgência climática, Estado, sociedade civil e empresas devem estar orientados para a multiplicidade de soluções climáticas, abarcando, tanto quanto possível, estímulos comportamentais, modelos regulatórios voltados à maior eficiência, energética, investimentos e linhas de financiamento voltados à neutralidade tecnológica e submetidas à uma governança ambiental.
Em conclusão, não há uma “bala de prata” no enfrentamento do aquecimento global. A solução virá da adoção de um conjunto de medidas que, integradas, contribuirão decisivamente para atingirmos as metas climáticas com uma transição energética mais célere e segura.
[1] COPERNICUS CLIMATE CHANGE SERVICE [2023]. Disponível em Climate Report 2023
[2] OLIVEIRA, Phelippe Toledo Pires de. Imposto seletivo: afinal, do que se trata? Disponível em: Imposto seletivo: afinal, do que se trata?
[3] PRETIS, Felix [2022]. “Does a Carbon Tax Reduce CO2 Emissions? Evidence from British Columbia,” Environmental & Resource Economics, Springer;European Association of Environmental and Resource Economists, vol. 83(1), pages 115-144.
[4] SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
[5] THALER, Richard H.; SUNSTEIN, Cass R. Nudge: Improving Decisions about Health, Wealth, and Happiness. New Haven: Yale University Press, 2008.