Nos últimos dois anos, o governo brasileiro dedicou tempo e energia para estruturar a Taxonomia Sustentável Brasileira (TSB), uma tarefa que envolveu diversos ministérios, associações civis e confederações dos mais diversos setores econômicos.
Após consultas públicas e quase 3.000 contribuições efetivas, foi publicado em 3 de novembro de 2025, o Decreto 12.705, que institui oficialmente a TSB, com a definição de princípios, objetivos ambientais e socioeconômicos.
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Vale lembrar que, no ano passado, na COP29, o Brasil já havia apresentado a proposta de estruturação da TSB. Um ano depois, às vésperas da COP30, o país anfitrião marca um gol ao trazer a TSB para o jogo.
Estrutura e funcionamento
Inspirada em taxonomias internacionais, a TSB cria um sistema de classificação de atividades, ativos e projetos que contribuem para seus objetivos.
O Comitê Interinstitucional da Taxonomia Sustentável Brasileira (CITSB) será o responsável por aprovar, revisar e atualizar a TSB, processo que deverá ocorrer, no máximo, a cada cinco anos.
As atividades foram organizadas conforme os setores do CNAE, abrangendo: (i) Agricultura, Pecuária, Produção Florestal, Pesca e Aquicultura (CNAE A); (ii) Indústrias Extrativas (CNAE B); (iii) Indústria de Transformação (CNAE C);
(iv) Eletricidade e Gás (CNAE D); (v) Água, Esgoto, Atividades de Gestão de Resíduos e Descontaminação (CNAE E); (vi) Construção (CNAE F); e (vii) Transporte, Armazenamento e Correio (CNAE H).
Os cadernos setoriais da TSB detalham os critérios técnicos e metodológicos aplicáveis a cada um dos setores elegíveis.
Aplicações e impactos esperados
A TSB será uma ferramenta para o governo federal, que poderá utilizá-la para, por exemplo:
- rotular produtos financeiros e operações de crédito, investimentos e títulos da dívida pública;
- enquadrar empresas emissoras de títulos e valores mobiliários;
- aperfeiçoar a regulação da indústria de seguros e de proteção patrimonial;
- redirecionar ou extinguir incentivos fiscais e creditícios;
- qualificar compras públicas e contratações governamentais.
No setor privado, o alinhamento à TSB tende a ser um diferencial. Empresas que estiverem alinhadas à TSB poderão ganhar credibilidade junto a investidores e vantagem competitiva em captações sustentáveis.
Objetivos da TSB
A TSB estabelece 11 objetivos, sendo sete ambientais e quatro socioeconômicos, dispostos da seguinte forma:
- Objetivo 1: promover a mitigação da mudança do clima;
- Objetivo 2: apoiar ações de adaptação à mudança do clima;
- Objetivo 3: contribuir para a conservação e o uso sustentável da biodiversidade;
- Objetivo 4: fomentar o uso sustentável da terra e a conservação, o manejo e o uso sustentável das florestas;
- Objetivo 5: promover o uso sustentável e a proteção de recursos hídricos e marinhos;
- Objetivo 6: incentivar a transição para a economia circular;
- Objetivo 7: contribuir para a prevenção e o controle da poluição;
- Objetivo 8: gerar trabalho decente e promover a elevação da renda;
- Objetivo 9: contribuir para a redução das desigualdades socioeconômicas, observados os aspectos raciais e de gênero;
- Objetivo 10: contribuir para a redução das desigualdades regionais;
- Objetivo 11: promover a qualidade de vida, com garantia de direitos e ampliação do acesso a serviços sociais básicos.
Caminho até o “sustentável”
Para que uma atividade seja considerada alinhada à TSB, é necessário seguir uma sequência de etapas:
- Elegibilidade: a atividade deve constar entre as classificadas nos cadernos setoriais da TSB;
- Salvaguardas mínimas (SM): atender a indicadores de conformidade setoriais e transversais, com apresentação de documentos, declarações e comprovação de aderência a normas;
- Contribuição substancial (CS) a pelo menos um dos objetivos;
- Não Prejudicar Significativamente (NPS) nenhum dos outros objetivos definidos.
O critério de NPS, tradução de Do No Significant Harm (DNSH), se torna relevante para garantir que o avanço em uma frente (por exemplo, clima) não gere retrocesso em outra (como biodiversidade ou direitos sociais).
As salvaguardas mínimas funcionam como um conjunto de parâmetros de integridade socioambiental que incluem Direitos Humanos, Direito do Trabalho, Direitos de Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais, igualdade racial e de gênero, integridade e conformidade ambiental e tributária.
Atividades que cumprirem todas essas etapas serão consideradas plenamente alinhadas à TSB.
Se atenderem às condições de elegibilidade e contribuição substancial, mas falharem no NPS, serão classificadas como parcialmente alinhadas.
Considerações finais
Nos últimos anos, o debate sobre ESG enfrentou um evidente retrocesso reputacional impulsionado tanto por tensões políticas internacionais quanto pela apropriação superficial e genérica do conceito em discursos corporativos.
A chegada oficial da Taxonomia Sustentável Brasileira pretende inaugurar um novo capítulo: um primeiro passo para critérios palpáveis e verificáveis para orientar políticas públicas, decisões empresariais e investimentos privados.
Mais do que cumprir uma lista de exigências, as companhias que se alinharem à TSB demonstrarão maturidade corporativa e compromisso com os aspectos sociais e ambientais, reafirmando a integridade como instrumento de gestão e ativo estratégico.
A interoperabilidade com os sistemas de taxonomia de outros países, estabelecida como um dos princípios da TSB, permitirá que investidores globais reconheçam os ativos e projetos brasileiros como sustentáveis sob critérios equivalentes, ampliando o acesso ao financiamento verde.
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Mesmo as atividades inelegíveis, ou seja, aquelas não contempladas nos cadernos setoriais, poderão se valer dos parâmetros e critérios da TSB como referência voluntária para elevar seus padrões de governança e transparência.
Ainda assim, o jogo não está ganho. A implementação efetiva da TSB dependerá de tempo, articulação interinstitucional e amadurecimento regulatório. A consolidação dos critérios setoriais, a integração com outras políticas públicas e o alinhamento dos agentes financeiros serão determinantes para que a TSB se converta em prática consolidada.
Por fim, há que se registrar, não sem uma certa estranheza, que o Decreto 12.705/2025 não traz a assinatura da Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima do Brasil.