O uso da inteligência artificial tem crescido exponencialmente. Ela está sendo incorporada em uma variedade enorme de produtos e serviços nos mais diversos setores, assim como no relacionamento dos fornecedores com o mercado e os clientes. Iniciativas de publicidade, comunicação e atendimento ao consumidor têm se utilizado da inteligência artificial para obter resultados melhores.
Produtos e serviços têm se mostrado mais funcionais, úteis, dinâmicos, eficientes e qualificados com o uso de sistemas de inteligência artificial. Os consumidores, portanto, têm acesso a diferenciados produtos de consumo e soluções inovadoras, tanto públicas quanto privadas, inclusive relacionadas à saúde e à segurança.
Diante desse incremento do uso da inteligência artificial, muitos países, incluindo o Brasil, têm debatido a criação de leis específicas para regulá-la, contemplando princípios, direitos, obrigações, regime de responsabilidade civil, sanções administrativas, dentre outros pontos. O PL 2338/2023, em tramitação no Senado, inspirado na regulamentação europeia, propõe um regime de responsabilidade baseado na gradação de risco, mas mantém a aplicabilidade e o regime do Código de Defesa do Consumidor (CDC) nas relações de consumo.
Além disso, é importante destacar que, enquanto ausente uma lei específica que regule com profundidade o uso da inteligência artificial, as normas do CDC e demais leis esparsas aplicam-se para resolver as relações de consumo. Na mesma linha, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) também se aplica a situações de tratamento de dados pessoais, por exemplo.
Em sendo aplicável o regime de responsabilidade objetiva do CDC no caso das relações de consumo, com a habitual inversão do ônus da prova em favor do consumidor, esperam-se desafios importantes e novos aos fornecedores na produção das provas necessárias, no âmbito judicial, para o afastamento de sua responsabilidade, quando for o caso.
A própria definição de defeito do produto será discutida nos casos concretos sob novas perspectivas, assim como o serão o dever de informação e os deveres de uso de acordo com as orientações do fornecedor. Conceitos como risco razoavelmente esperado e risco inerente certamente também estarão no centro de debates sobre a responsabilidade. Não bastasse isso, a produção probatória demandará desafios novos diante da necessidade de capacitação técnica específica em sistemas de inteligência artificial pelos peritos judiciais, e preparação pelas partes.
Além disso, importa enfatizar que, considerando que o CDC é uma lei bastante principiológica – o que é visto como uma virtude do sistema – e que ele contém um rol de práticas infrativas meramente exemplificativo, certamente desafios serão enfrentados pelo mercado nesta aplicação, na medida em que diferentes interpretações e entendimentos podem surgir sobre os problemas surgidos neste ambiente tão novo que envolve a inteligência artificial.
Portanto, apesar do amparo legislativo já existente e da futura legislação ainda em debate sobre a inteligência artificial nas relações de consumo, muitos espaços precisarão ser preenchidos nas esferas administrativa e judicial para que a sociedade conquiste um ambiente em que a regulação e a aplicação prática da inteligência artificial preservem os direitos dos consumidores à qualidade e à segurança dos produtos e serviços, algo de que não se pode abrir mão, assim como o direito de defesa dos fornecedores, os direitos à inovação e ao desenvolvimento tecnológico.