Debate acirrado tem sido travado acerca da necessidade de intimação pessoal do devedor para que haja incidência de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer e não fazer, em razão da súmula 410/STJ, a qual sustenta que “a prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer”.
Muito embora o teor da súmula, o STJ divergia quanto ao ponto, na medida em que haviam julgados que afirmavam que “não é necessária a intimação pessoal do devedor para o cumprimento da obrigação de fazer para fins de aplicação de astreintes, bastando a comunicação na pessoa do advogado”.[1]
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Em sentido contrário, diversos acórdãos continuavam sustentando a necessidade de intimação do devedor para aplicação da multa pelo descumprimento da obrigação. A título de ilustração, o seguinte julgamento:
“A prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer. Entendimento compendiado na Súmula 410, editada em 25.11.2009, anos após a entrada em vigor da Lei 11.232/2005, o qual continua válido em face da referida lei”.[2]
Todavia, em 2019, a Corte Especial do tribunal parece ter pacificado a questão, aduzindo que “é necessária a prévia intimação pessoal do devedor para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer antes e após a edição das Leis 11.232/2005 e 11.382/2006, nos termos da Súmula 410 do STJ, cujo teor permanece hígido também após a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil”.[3]
Na doutrina, Fredie Didier Jr. e outros entendem que a obrigação de ser intimado na pessoa de seu advogado incide também para os casos de execução de multa, superando, assim, a súmula 410 do Superior Tribunal de Justiça, cujo enunciado foi acima transcrito.[4]
No mesmo sentido, Rafael Caselli Pereira, em extenso trabalho sobre o tema, afirma que entender pela intimação pessoal do devedor seria um retrocesso, contrariando a efetividade do processo, pois decorre muito tempo entre a decisão que fixa a multa e a intimação pessoal. Acrescenta o autor que autorizar a intimação pelo advogado, além de ser mais eficiente, prestigia os procuradores das partes, ao confiar a eles a destinação de todas as ordens judiciais e permitir que, uma vez intimados, possam dar a melhor orientação possível ao seu cliente. [5]
De nossa parte, destacamos que o art. 513, § 2º, do CPC/15, expressamente estabeleceu, na parte geral do cumprimento de sentença (válida para todo o tipo de procedimento), que o devedor será intimado para cumprir a sentença, em regra, pelo Diário da Justiça, na pessoa de seu advogado constituído nos autos, além de outras hipóteses, todas elas diversas da intimação pessoal (exceto no caso de réu patrocinado pela Defensoria Pública).
Ainda que a regra trate da intimação para o cumprimento de sentença, nas obrigações de fazer e não fazer, a multa faz parte da própria essência do cumprimento desses tipos de obrigações, de modo que a exigência de intimação pessoal para sua aplicação, a nosso ver, destoa das formas de intimação reguladas pelo artigo acima descrito.
Vê-se, assim, que o CPC/15 unificou as regras de cumprimento de sentença, aplicando o art. 513 a todas as obrigações. Por conta disso é que a manutenção da Súmula 410 criaria uma exceção não prevista em lei, contrariando a vontade do legislador.
A multa por descumprimento é um mecanismo de pressão, não de punição. Sua eficácia depende de agilidade, não de formalismos excessivos. Dito isso, não há diferença ontológica entre obrigações de pagar e fazer e não fazer. Ambas podem resultar em sanções pecuniárias, e a intimação via advogado já é aceita para pagamentos (art. 475-J do CPC/73), daí por que a distinção gera complexidade desnecessária e torna mais moroso o cumprimento da obrigação.
Em oposição, contudo, e na linha da Súmula 410 do STJ, parte da doutrina defende que, em razão da gravidade das consequências decorrentes da decisão que fixa a multa nas obrigações de fazer e não fazer, a intimação de tal decisão deve ser feita de forma pessoal.[6]
A questão parecia, então, consolidada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, no sentido da necessidade da intimação pessoal. Parecia. É que no final de 2024, o tribunal resolveu afetar a questão à sistemática dos recursos especiais repetitivos (tema 1.296[7]), para, de uma vez por todas, colocar uma pá de cal sobre o tema e decidir, em ambiente persuasivo, se é necessária ou não a referida intimação pessoal.
Em assim fazendo, delimitou a controvérsia no seguinte sentido: definir se a prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.[8]
A afetação do recurso especial ao rito dos arts. 1.036 e ss. do CPC traz uma embalagem importante para a questão, porque vai, a partir de seu julgamento, qualquer que seja o lado definido, autorizar que seja utilizada como precedente persuasivo[9], com todas as consequências processuais daí advindas, tais como: possibilidade de julgamento monocrático de apelação; autorização para negativa de seguimento de recurso especial; e possibilidade de concessão de tutela de evidência.
Certamente, o intuito do STJ, ao submeter o tema a um julgamento mais refinado, com nuances específicas, é facilitar que uma questão tão debatida nos tribunais por todo o Brasil tenha solução definitiva que auxilie na produção de decisões judiciais tanto em primeira quanto em segunda instância.
Isso porque a afetação de um tema ao rito dos recursos repetitivos é de extrema importância para a uniformização da jurisprudência e a eficiência do sistema judiciário. Esse mecanismo de formação de decisões permite que questões jurídicas recorrentes e de relevância nacional sejam analisadas de maneira padronizada, evitando decisões divergentes em casos semelhantes.
Enquanto o STJ não julga o tema, permanece confirmada a redação da súmula 410, e afastada, de certa forma, a aplicação do referido dispositivo legal (art. 513, § 2º, do CPC/15) aos casos de intimação para aplicação da multa nas obrigações de fazer e não fazer, a partir da decisão da Corte Especial do STJ acima mencionada.
[1] AgInt no REsp 1541626/MS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 21/05/2018. No mesmo sentido: AgInt no AREsp 62961/RJ, Rel. Ministro Gurgel de Faria, DJe 08/08/2018.
[2] AgInt no AREsp 1289188/DF, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, DJe 30/10/2018.
[3] EREsp 1360577/MG, Rel. p/ Acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, DJe 07/03/2019.
[4] DIDIER JR., Fredie [et.al.]. Curso de Direito Processual Civil: Execução (…). Ob. cit., p. 473. Na mesma linha: SHIMURA, Sergio. O processo de execução de obrigação de fazer, não fazer e entrega de coisa in Processo de execução e cumprimento de sentença: temas atuais e controvertidos. Volume 1, 2ª edição. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022, p. 644.
[5] PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015. 2ª edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2018, p. 183.
[6] VILANOVA, André Bragança Brant. As astreintes: uma análise democrática de sua aplicação no processo civil brasileiro. Belo Horizonte: Arraes, 2012, p. 117. No mesmo sentido: MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz e MITIDIERO, Daniel. Novo código de processo civil comentado, 3ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 686.
[7] Disponível em https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&tipo_pesquisa=T&cod_tema_inicial=1296&cod_tema_final=1296, acesso em 17 de fevereiro de 2025.
[8] ProAfR no REsp n. 2.096.505/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, DJe de 27/11/2024.
[9] Para muitos autores, os precedentes persuasivos do art. 927 do CPC funcionam como precedentes vinculantes, que teriam mais força do que se forem considerados apenas “persuasivos”. Essa é uma divergência que tem contornos processuais importantes, mas que, por ora, deixamos de lado, para não retirar o foco da controvérsia a ser definida pelo STJ.