Antes de avançarmos no nosso terceiro artigo sobre tributação e sustentabilidade, desejamos a todos um excelente 2024, principalmente quando no apagar das luzes de 2023 tivemos tantas alterações tributárias que tornarão este ano tão movimentado. Dentre as modificações mais relevantes, a reforma tributária, mediante a Emenda Constitucional 132/2023, trouxe a mudança mais significativa nos últimos 50 anos, cuja estrutura remonta à Emenda Constitucional 1/1969 e que fora bastante adotada pela Constituição Federal.
Nesta relação entre tributação e sustentabilidade, o constituinte derivado foi particularmente cuidadoso nestas discussões que estão na agenda atual e impactarão às próximas gerações. Muito embora neste artigo abordaremos o aspecto social com a tributação, não podemos deixar de abordar que a EC 132 trouxe dois artigos interessantes: o primeiro trata da inclusão do § 4º do art. 43 da Constituição Federal em cujo dispositivo traz a expressão “sempre que possível” – assim como existe na redação do princípio da capacidade contribuitiva (art. 145, § 1º) –, a concessão dos incentivos regionais considerará critérios de sustentabilidade ambiental e redução das emissões de carbono.
A expressão “sempre que possível” não representa um agrado do legislador, porém o seu sentido vai em direção de que a concessão de incentivos fiscais deverá (num modal obrigatório) observar a defesa do meio ambiente e a sustentabilidade em seu aspecto ambiental, seguindo a mesma interpretação da redação art. 145, § 1º e nos termos do racional de Roque Antonio Carrazza[1].
Ainda, o legislador manifestou que o efeito regulatório da tributação considerará o critério da sustentabilidade ambiental. Embora a redação seja inaugural e explícita, a tributação como medida para salvaguardar questões ambientais já consta no art. 170, inc. VI. Ou seja, a ordem econômica também observará a defesa do meio ambiente, e se a tributação é parte integrante, então o instrumento tributário se prestará à consecução desta tutela, denotando que o Estado brasileiro quis imprimir uma feição social e intervencionista[2] e tentando induzir, mediante incentivos e desincentivos, a tomada de decisão do agente econômico[3].
E este dispositivo deságua no segundo que abordaremos: o § 3º do art. 145 introduziu um amparo de que o Sistema Tributário Nacional (STN) deverá observar os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação e da defesa do meio ambiente. A par das discussões filosófico normativas em relação às suas naturezas e conceituações, quis o constituinte novamente expressar que a tributação é ferramenta necessária para a defesa do meio ambiente.
A dúvida que se insurge é se, de fato, o STN também deveria observar a defesa do meio ambiente. Não se quer minimizar o comando legal, contudo, numa leitura atual, quis constituinte derivado ser redundante, porque, conforme já mencionamos, a ordem econômica, da qual o STN faz parte, já havia manifestado esta tutela especificamente. Essa redundância talvez tenha o sentido de que o legislador, preocupado com temas atuais, consagrou a defesa do sistema ambiental num contexto macro (referente a ordem econômica) e outro microeconômico (a tributação), não deixando brechas para corrigir as externalidades ambientais.
As relações econômicas que decorrem do sistema microeconômico se utilizam da tributação como importante instrumento a ser utilizado pelo Estado, como gestor ambiental, para alcançar a proteção do meio ambiente e promover a sustentabilidade. A extrafiscalidade promove condutas alinhadas às práticas sugeridas pela comunidade internacional com vistas à defesa do meio ambiente.
Ademais, não podemos deixar de ressaltar que a expressão “sustentabilidade ambiental”, poderia ter mantido apenas a sustentabilidade sem adjetivá-la. A presença da palavra ambiental manifesta a leitura de que o constituinte derivado estava influenciado às noções de que somente é sustentável aquilo que é ambiental, desconsiderando aspectos sociais e econômicos que são tão atuais. Somente o futuro dirá se a interpretação da palavra sustentável ganhará contornos semânticos que estão em direção ao seu significado mais abrangente e pluridimensional[4].
Se é notório o efeito regulatório da tributação para com a defesa do meio ambiente, queremos correlacionar o aspecto social com todo este cenário trazido pela Reforma Tributária. Nesse passo, nosso interesse está em avaliar o impacto que existe em torno do crescimento das cidades, imaginando cidades inteligentes (Smart Cities), em direção à sustentabilidade.
Além de protegerem o meio-ambiente, as Smart Cities otimizariam a eficiência dos recursos, melhorariam a infraestrutura e promoveriam o desenvolvimento socioeconômico, contribuindo para a inclusão, segurança, resiliência, eficiência, equidade e qualidade de vida[5].
Diante disto, poderíamos pensar em como o Imposto Predial Territorial e Urbano (IPTU) poderia ser uma ferramenta interessante para trazer melhores condições sociais à população das grandes cidades. Digno de nota é que a reforma tributária, embora tenha peso sobre a tributação de consumo, determinou que caberá aos municípios atualizarem, por decreto, a base de cálculo do IPTU.
Neste efeito conturbativo, entre sustentabilidade e tributação, similar ao que ocorre quando duas cidades se encontram em zonas limítrofes, a redução do IPTU para a construção de edificações e prédios sustentáveis permitiria a consecução da sustentabilidade social à qual combinaria o design do ambiente físico com o design do mundo social, promovendo a infraestrutura para apoiar as necessidades e preocupações sociais.
Muito embora a sustentabilidade ainda seja frequentemente concebida por meio de uma lente ambiental, nossa opinião é de que qualquer mudança no ambiente construído também terá implicações ao ambiente social.[6].
Assim, o ODS 11, cujo objetivo é tornar cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis, mostra-se importante no contexto de que soluções inovadoras devem abordar o desenvolvimento sustentável[7].
A tributação influencia nesta questão quando a forma do ambiente construído exerce influência significativa na capacidade de a sociedade lidar com questões climática, consumo de energia ou emissões e tratamentos de resíduos da construção[8].
Os tributos de competência municipal (ISS, ITBI, IPTU, Contribuições de melhoria e taxas) são aptos, em maior ou menor grau, à inserção de critérios ambientais em um ou mais dos elementos que compõem a regra de incidência tributária, fato que autoriza os legisladores e os administradores de municípios brasileiros a fazerem uso dos tributos como ferramentas de garantia do direito à cidade sustentável no Brasil.
A importância do IPTU seria fazer com que houvesse benefícios fiscais que fomentariam a construção de edificações sustentáveis, bem como, diretamente, houvesse impactos positivos ao tratamento de resíduo, a carbonização do ar e a própria economia circular.
Além disto, porém indo ao campo orçamentário, enquanto o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) não é implementado totalmente e estando vinculado aos estados, Distrito Federal e municípios, a arrecadação pelo ISS poderia ser destinada ao fomento de construções sustentáveis.
Ademais, seria interessante avaliar o modelo da regra tributária conferido às taxas, a fim de considerar a possibilidade de repasse de parte do valor aos municípios exploradores, na hipótese de extração ambiental promovidas por determinadas atividades econômicas. Tais valores seriam implementados no desenvolvimento de políticas voltadas à modernização das edificações, calcada na política ambiental sustentável.
Neste artigo, embora queiramos evidenciar a importância de construções sustentáveis que se dirijam às cidades inteligentes, não podemos desconsiderar que, para a esmagadora maioria das cidades brasileiras, o maior problema é a falta de moradia, sendo um direito fundamental a todos (art. 6º da CF) e nem precisaria da ODS 11. Não só isto, estas construções sustentáveis deveriam existir para todas as camadas sociais, de forma que a execução de projetos sustentáveis estarem ainda vinculados a altos custos, a tributação desonerativa contribuiria para que os preços fossem mais acessíveis na construção e edificação.
Desta forma, construir políticas públicas em torno de edificações estabelecidas, metas exequíveis, com a sustentabilidade e definidas em todos os entes federativos, permite que se alcance os três objetivos da tributação estabelecidos por Reuven Avi-Yonah[9]: a utilização efetiva da arrecadação em vistas da construção de casas e prédios para os mais necessitados, a assertividade na concessão de benefícios fiscais em direção à construção de edificações sustentáveis e a busca por um melhor bem-estar social nas cidades brasileiras mediante o acesso à moradia e a uma cidade que ofereça maior qualidade de vida.
Nosso texto pode parecer utópico neste momento diante da desigualdade social e estrutural do acesso à moradia. De toda forma, o que queremos é fomentar o debate em torno da tributação e sustentabilidade para que surjam novas ideias considerando a eficácia ambiental e a eficiência econômica do tributo, sem esquecer de fomentar um modelo calcado em instrumentos financeiros para financiamento do novo modelo.
Se há alguns anos a reforma tributária era vista como uma quimera, pode ser que de tijolo a tijolo esta ideia possa ser concretizada.
[1] Cf. Curso de direito constitucional tributário. 23ª edição. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 102.
[2] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 23ª edição. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 677.
[3] SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 44.
[4] FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro. 4ª edição. Belo Horizonte, Fórum, p. 61.
[5] SHARIFI, Ayyoob et al. Smart cities and sustainable development goals (SDGs): A systematic literature review of co-benefits and trade-offs. Cities, v. 146, p. 104659, 2024.
[6] FREESTONE, Robert et al. The social sustainability of smart cities: A conceptual framework. City, Culture and Society, v. 29, p. 100460, 2022.
[7] SHAMSUZZOHA, Ahm et al. Smart city for sustainable environment: A comparison of participatory strategies from Helsinki, Singapore and London. Cities, v. 114, p. 103194, 2021.
[8] YIN, Belle Chua Lee et al. An evaluation of sustainable construction perceptions and practices in Singapore. Sustainable cities and society, v. 39, p. 613-620, 2018.
[9] AVI-YONAH, Reuven S. The three goals of taxation. Tax L. Rev., v. 60, p. 1, 2006.