A transação tributária tem sido uma importante ferramenta na regularização dos créditos tributários e promete ganhar ainda mais força em 2024, especialmente entre estados e municípios, que almejam alcançar a exitosa experiência da União.
Após quase quatro anos da regulamentação da transação federal, o instituto vem demonstrando ser um eficaz instrumento de cobrança do crédito tributário, que promove redução da litigiosidade e incentivo a regularidade fiscal dos contribuintes.
Conforme dados da Procuradoria da Fazenda Nacional (PGFN), no primeiro semestre de 2023, foram recuperados R$ 21,9 bilhões de débitos inscritos em dívida ativa, sendo que, desse total, R$ 10 bilhões (45%) são resultados de acordos de transação tributária[1].
O êxito da transação federal tem incentivado estados e municípios a avaliarem a implementação e o aperfeiçoamento dos programas de transação tributária, em especial para negociação dos créditos classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação.
Conforme apurado no 4º relatório do Observatório de Transações Tributárias do Núcleo de Pesquisa em Tributação do Insper[2], até 2022, das 27 Unidades Federativas (estados e Distrito Federal), apenas 15[3] continham previsões legislativas a respeito da transação tributária. Nos municípios, o número era ainda menor, apenas 10[4] das 26 capitais tinham previsão legislativa sobre a transação tributária. Em relação aos programas efetivamente em funcionamento, esses números caem drasticamente.
No entanto, a tendencia é que este cenário mude a partir deste ano. Em dezembro de 2023, o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) publicou o Convênio ICMS 210, que autoriza 13 estados a instituírem a transação tributária do ICMS, com oferecimento de diversos incentivos à regularização.
Os entes abarcados pelo Convênio são: Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Ceará, Maranhão, Mato Grosso, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e São Paulo.
Conforme autorizado pelo Confaz, as multas, juros e demais encargos legais poderão ser reduzidos em até 65% e parcelados em até 120 meses. Quando a transação envolver pessoa natural, microempresa, empresa de pequeno porte ou, ainda, empresas em processo de recuperação judicial, liquidação judicial ou extrajudicial ou falência, os descontos podem chegar a 70% e o parcelamento em até 145 meses.
Outro benefício inédito autorizado pelo Convênio é a possibilidade de utilização de créditos acumulados de ICMS e precatórios, próprios ou de terceiros, para compensação de até 75% do valor da dívida estadual. O incentivo pode ser uma oportunidade relevante, especialmente para aqueles contribuintes que não tinham alternativas para escoar os seus créditos com o estado. A medida se espelha nas modalidades de transação federal que permitem a utilização de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa de CSLL para quitação de até 70% da dívida negociada.
Com a autorização do Confaz, que atende a exigência do art. 1º da Lei Complementar 24/1975, os estados passam a ter sinal verde para instituir e regulamentar os seus próprios programas de transação.
O estado de São Paulo, por exemplo, já havia editado, em novembro de 2023, a Lei Estadual 17.843, com o intuito de aperfeiçoar o seu antigo modelo de transação, cuja adesão havia sido abaixo do esperado. A nova transação entrará em vigor a partir de fevereiro de 2024 e incorpora diversos dispositivos da bem-sucedida transação federal.
No âmbito municipal, a expectativa de ampliação dos programas de transação para este ano não é diferente. O município de São Paulo, por exemplo, publicou em dezembro de 2023, dois editais de transação de 2/23, para débitos de IPTU/ISS e de n. 6/23, para débitos do Simples Nacional. Os descontos podem chegar a até 95% sobre multa, juros de mora e honorários advocatícios da Procuradoria e as parcelas podem chegar a até 120 vezes. No entanto, é necessário observar o prazo para adesão que encerrará em 30 de abril de 2024.
O cenário, portanto, não deixa dúvidas de que os programas de transação vieram para ficar e estão sendo gradativamente ampliados e aperfeiçoados pelos entes federativos. Nesse contexto, destaca-se a realização pelo CNJ da I Semana Nacional da Regularização Tributária, onde foram debatidas parcerias interinstitucionais e o futuro das transações tributárias junto aos entes federados.
Isso porque, ao contrário dos programas de parcelamento convencionais (e.g. Refis), que concediam descontos e prazos de maneira indiscriminada, incentivando o mau pagador de tributos, os programas de transação tributária mensuram o grau de recuperabilidade da dívida e a capacidade de pagamento do contribuinte, o que confere mais assertividade e justiça fiscal na cobrança do crédito tributário.
Além disso, representam uma alternativa aos métodos convencionais de cobrança judicial do crédito tributário, mediante o ajuizamento de execuções fiscais, que historicamente demonstraram ser ineficientes, excessivamente onerosas ao Poder Público e que estrangulam o contribuinte em crise financeira.
O cenário, portanto, demanda um acompanhamento atento dos contribuintes aos novos programas de transação que vêm sendo desenhados e implementados em 2024, para que viabilizem a sua regularização fiscal e observando condições que respeitem a capacidade financeira de cada contribuinte.
[1] Disponível em: https://www.gov.br/pgfn/pt-br/assuntos/noticias/2023/pgfn-alcanca-r-21-9-bilhoes-em-valor-recuperado-no-primeiro-semestre. Acesso em 29.01.2024.
[2] CANADO, Vanessa Rahal (Coord.); ZUGMAN, Daniel; BASTOS, Frederico, NOVO, Carla, ALVIM, Leonardo de Andrade Rezende. Observatório de Transações Tributárias 4º Relatório, data-base 01.07.2022. Disponível em: https://www.insper.edu.br/wp-content/uploads/2023/02/Insper_Nucleo-Tributacao_Observatorio-transacao-Tributaria_Relatorio.pdf
[3] BA, CE, ES, GO, MA, MG, PA, PB, PE, RJ, RS, RR, SC, SP e SE.
[4] Belém/PA, Belo Horizonte/MG, Campo Grande/MS, Cuiabá/MT, Curitiba/PR, Florianópolis/SC, Fortaleza/CE, Recife/PE, Rio de Janeiro/RJ e São Paulo/SP.