O administrador judicial (AJ) é figura fundamental nos processos de recuperação judicial e falência. Está para o juiz como a bússola está para o marinheiro. A reforma da LREF pela Lei nº 14.112/2020 destacou seu papel de catalisador da eficácia e da celeridade do processo. É neste contexto que o brevíssimo ensaio analisa a importância do estabelecimento de calendário processual na RJ e a ação do AJ na sua construção.
O uso do calendário processual em processos de recuperação judicial (RJ) está longe de ser novidade, porque sempre encontrou amparo na aplicação subsidiária do CPC à LREF. Ganhou força com a redação do § 2º do art. 189 da LREF, incluído pela Lei 14.112 de 2020, afastando-se a insegurança sobre a forma de manifestação de vontade das partes.
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Isto é, deu as balizas para aplicação do art. 190 do CPC, que estabelece o critério para alteração dos direitos processuais. Com a mudança, foi estabelecido que “a manifestação de vontade do devedor será expressa e a dos credores será obtida por maioria, na forma prevista no art. 42 desta Lei”.
Em outras palavras, para aprovar o calendário processual na RJ parece necessário, do lado dos credores, a comprovação da concordância de maioria simples dos créditos, vinculando mesmo os credores discordantes ou ausentes (incidência do princípio majoritário), ao passo que, do lado do devedor, a expressa anuência de seu interesse.
Embora o calendário processual possa ser elaborado por iniciativa do devedor ou de seus credores, na prática, é importante que o AJ tome essa iniciativa, conduzindo o processo às suas melhores soluções.
O momento mais favorável à adoção do calendário é logo no início da RJ para que todos os atos processuais futuros sejam incluídos em seu conteúdo. Podem ser fixadas as datas referentes aos seguintes prazos, contados em dias corridos: (i) 15 dias para habilitações e divergências + 45 dias para análise pelo administrador judicial (art. 7º); (ii) 60 dias para apresentação do plano pelo devedor (art. 53, caput); (iii) 10 dias para impugnações de crédito (art. 8º) e 30 dias para objeções ao plano (art. 55, caput, todos da LREF), ambos a contar da entrega nos autos da lista de credores elaborada pelo AJ. Por fim, fixadas as datas acima, podem ser escolhidos os dias também para a primeira e a segunda convocação da assembleia de credores (AGC), caso haja objeção ao plano de recuperação.
Em síntese, com o deferimento do processamento da RJ, o ideal é que o AJ identifique as datas acima, observando os prazos da Lei 11.101/2005. Estruturado o calendário, de forma proativa ele deve buscar a aprovação do devedor, de forma expressa, e dos credores, por maioria (quórum simples estabelecido no art. 42 da LREF).
Para acelerar esse procedimento, melhor que a realização de AGC (art. 35, I, “f”, da LREF), os credores podem emitir os votos por termo de adesão ou via procedimentos alternativos (art. 39, §4º e seus incisos, da LREF). Atingido o número mínimo de créditos e homologado o calendário processual, recomenda-se sua publicação na imprensa oficial junto ao edital do art. 52, §1º, da LREF. Essa forma é indispensável para levar as datas combinadas entre as partes a conhecimento dos eventuais credores que não constarem da listagem inicial apresentada pela devedora.
Seja qual for a modalidade de votação escolhida, valerão as datas fixadas no calendário homologado. Dispensa-se, então, a publicação dos editais previstos na Lei nº 11.101/2005, em especial os referidos nos arts. 7º, §2º, 53, parágrafo único, e 36.
Isso permite o (des)encadeamento dos prazos processuais, de maneira que o encerramento de um prazo resultará no imediato início de outro, sem que seja necessário movimentar servidores ou o juízo. A iniciativa, além de acabar com um gargalo do processo, é útil à administração da justiça em si. Reduz o número de atividades cartorárias a serem realizadas no curso da RJ – até porque é sabido que a serventia muitas vezes está sobrecarregada de trabalho, tentando contemplar prioridades de inúmeros outros casos ativos com a força de serviço limitada em quadro de pessoal.
Outra importante consequência é o estímulo à participação dos credores desde o início do processo, vez que muitas vezes ficam restritos até quase que a votação do plano. Isso sem falar dos benefícios relacionados à previsibilidade dos atos processuais, como a organização do processo em si e a redução de custos envolvidos no seu acompanhamento., A chamada “roteirização do procedimento” evita também atos protelatórios pelas partes, alinhando-se aos deveres do AJ (alíneas “e” e “f”, do inciso II, do art. 22, incluídas pela Lei nº 14.112/2020).
Exemplo prático ocorreu na Recuperação Judicial nº 5051315-51.2022.8.21.0001, de importante rede de lojas de roupa feminina do Rio Grande do Sul, que tramita na Vara de Direito Empresarial, Recuperação de Empresas e Falências da Comarca de Porto Alegre/RS. Conforme a magistrada titular do caso, Dra. Giovana Farenzena, a iniciativa “traz mais transparência e previsibilidade, e também economia de material com publicação de editais. O processo tende a ficar menos moroso e mais previsível”. No caso, o sucesso do calendário se deveu tanto à iniciativa do AJ – que, em seguida do deferimento do processamento, reuniu os termos de adesão necessários para aprovação pelos credores e a declaração expressa de concordância da devedora – quanto pela pronta homologação das datas pela magistrada.
Como resultado, pouco tempo depois da decisão de deferimento, os credores e a recuperanda já sabiam das datas previstas para realização de todos os atos processuais, inclusive os dias designados para a AGC, caso houvesse objeção ao plano de recuperação judicial.
Impossível não comentar que, designada a 1ª AGC para 06/10/2022, 169 dias após o deferimento do processamento (decisão de 20/04/2022), a calendarização processual reduziu pela metade (46,68%) o tempo médio para realização do mesmo ato nas varas especializadas gaúchas, que é de 317 dias. Se comparado aos dados das recuperações judiciais que tramitaram varas comuns do Rio Grande do Sul (604 dias), a diferença é ainda maior, resultando em uma diminuição de 72% no tempo transcorrido até a 1ª convocação da AGC.
Diante disso, a elaboração do calendário processual cada vez mais se mostra uma ferramenta fundamental para harmonizar o processo ao seu tempo ideal de tramitação, previsto na Lei nº 11.101/2005. Dá força à eficácia do princípio da celeridade processual. Noutras palavras, contribui para a finalização da RJ, garantidos os direitos fundamentais, no menor tempo possível.
Ferramenta alinhada e conectada com as atribuições do administrador judicial, o calendário permite a abertura dos prazos principais do processo em efeito dominó. Parece não restar dúvida de que, se usado da maneira adequada, é um aliado importante no combate à morosidade/demora dos processos recuperatórios.