Os finais de ano no Brasil têm sido marcados por pacotes de medidas tributárias cujo foco principal é o aumento de receitas para equilíbrio das contas públicas. Em 2023, diante de um déficit primário de R$ 230,535 bilhões, o Governo Federal optou por uma medida arrojada para manter a meta de zerar esse déficit até 2024: a edição da Medida Provisória (MP) nº 1.202/23.
Essa MP pretende revogar dispositivos da Lei nº 14.784/23 que prorrogavam benefícios fiscais, em especial a desoneração da folha de pagamento, promulgados pelo Congresso Nacional, após a derrubada de veto presidencial. Com isso, instalou-se um mal-estar entre o Executivo e o Legislativo, criando um cenário de incertezas sobre a conversão da MP nº 1.202/23 em lei.
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Contudo, em contrapartida, a MP nº 1.202/23 extinguiu o adicional de Cofins-Importação (art. 8º, §21 da Lei nº 10.865/04), instituído em 2011 para compensar a desoneração da folha.
À medida que a desoneração era prorrogada, esse acréscimo de 1% na alíquota da Cofins-Importação também era estendido, embora com modificações nos produtos onerados. Houve tentativas prévias de extinção, porém, o adicional perdurou ao longo dos anos, sendo declarado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mesmo sem a possibilidade de aproveitamento do seu valor como crédito pelo importador (Tema nº 1.047).
Com a Lei nº 14.784/23, esse acréscimo seria prorrogado até 2027, afetando os setores automotivo, de aviação, bebidas, construção civil, energia, metalúrgico, mineração, naval, papel e celulose, químico, transporte ferroviário, têxtil, entre outros, não fosse a revogação trazida pela MP nº 1.202/23.
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No entanto, diante das fortes reações do Congresso Nacional em razão da reoneração da folha de pagamentos e do consequente risco de a MP nº 1.202/23 não ser convertida em lei (ao menos, não nos seus moldes originais) reacende-se o debate sobre a volta da exigência do adicional da Cofins-Importação na hipótese de a referida MP perder a sua eficácia.
Aqui, nós vemos o futuro repetir o passado, como profetizava Cazuza na música “O tempo não para”. Basta recordar que há 7 anos houve uma situação similar, quando se editou a MP nº 774/17 com a pretensão de extinguir o adicional de Cofins-Importação, mas, em seguida, o próprio Presidente da República editou a MP nº 794/17, revogando a medida anterior sob o pretexto de destrancar a pauta de votações do Congresso (art. 62, §6º da Constituição).
Houve uma enxurrada de ações judiciais para discutir o momento de retomada da cobrança do adicional, com o agravante de que tanto a MP nº 774/17 como a MP nº 794/17 perderam a sua eficácia em momentos distintos (a primeira em 08/12/2017 e a segunda em 06/12/2017 e), em decorrência do término do prazo para sua votação no Congresso.
Daí se seguiram duas discussões quanto à aplicação da anterioridade nonagesimal (art. 195, §6º da Constituição): uma que defende a observância do prazo de espera de 90 dias para que a MP nº 794/17 produza seus efeitos; e outra que sustenta que a retomada da exigência do adicional só poderia ocorrer após 90 dias da perda de eficácia da MP nº 774/17.
A matéria ainda gera divergências nos Tribunais, mas, hoje, a jurisprudência do STF acolhe a primeira noventena e rejeita a segunda. De um lado, reconhece o direito de não recolher o adicional de Cofins-importação nos 90 dias da data de publicação da MP nº 794/17 por entender que a medida aumentou a carga tributária. Por outro lado, reconhece a possibilidade de cobrança imediata após a perda de eficácia da MP nº 774/17, em razão da ausência do elemento surpresa.
Enquanto não convertida em lei, a medida provisória não revoga lei anterior, apenas suspende seus efeitos no ordenamento jurídico em face de seu caráter transitório e precário. Sua não conversão em lei restaura a eficácia das normas afetadas, de sorte que se a MP nº 1.202/23 perder a sua eficácia, a Lei nº 14.784/23 retoma os seus efeitos e, consequentemente, o adicional de Cofins-Importação voltará a ser cobrado até 31/12/2027.
No entanto, na linha do que já definiu o STF, o retorno dessa cobrança não poderá ser imediato, devendo observar o prazo de 90 dias após a eventual perda da eficácia da MP nº 1.202/23, em razão do que dispõe o art. 195, §6º da Constituição.
Neste momento, resta aguardar o desfecho do processo de conversão da MP nº 1.202/23 (que pode se encerrar até o final de abril deste ano) e manter a esperança de que a exigência do adicional de Cofins-Importação não seja restaurada e que, caso isso aconteça, não se inicie um novo contencioso em torno da reinstituição dessa cobrança, motivada por uma sanha arrecadatória imediatista por parte da União.