Nesta segunda-feira (8) entra em vigor o Decreto Federal 12.031/2024, que trata das novas regras, procedimentos e, principalmente, aumenta a severidade das sanções administrativas em relação às infrações sanitárias relacionadas aos produtos destinados à alimentação animal, comumente conhecidos como “rações”.
Sempre há expectativas e apreensões quando um novo regramento entra em vigor. Períodos de adaptação são necessários para que as operações incorporem de forma eficaz novos procedimentos, condutas e padrões de conformidade, especialmente em setores altamente regulados como é o de alimentos. Afinal, trata-se de garantir a saúde animal e cuidado com qualidade dos insumos dos nossos companheiros de estimação como também, indiretamente, da proteína animal que representa um importante componente alimentar da população.
Este artigo apresenta algumas das principias novidades trazidas pelo novo regulamento de rações.
Harmonização com o RIISPOA
De pronto, percebe-se que a redação da nova normativa traz muito mais proximidade com as regras do Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA). Isto faz todo o sentido, afinal é salutar que os procedimentos administrativos de controle da qualidade e segurança de alimentos de origem animal guardem harmonia com os aplicados ao segmento de rações, especialmente porque muitos dos negócios operam a partir de cadeias produtivas integradas e sinérgicas em relação à produção e controle de insumos, utilidades e equipamentos industriais, armazenagem, mão de obra, dentre outros.
Novas penalidades, aumento de multas e reincidências
O novo regulamento incorporou penalidades como a de suspensão de registro, cadastro ou credenciamento que pode se dar no modo formal/documental, sanitário/tecnológico ou por embaraço (Arts. 107, IV; 125, 126, 127 e 128). Além da pena de multa com novo teto de R$ 150 mil que já vinha sendo praticada pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), a fiscalização não mais se pautará pela referência de valor do salário-mínimo tal como era feito pelo Decreto 6.296/2007.
O novo teto poderá ser superado em razão da reincidência específica (Art. 116, § único), sendo que as atualizações de valores serão feitas com base no INPC, dos valores do todo dia 1º de março por ato do ministro da Agricultura. Ainda sobre a reincidência específica; serão considerados como precedentes os autos de infração lavrados e decididos definitivamente anteriormente à vigência do novo regulamento.
Novos procedimentos de fiscalização
Análise pericial em exames de contraprova
No caso de análises microbiológicas, serão apenas coletadas amostras físicas únicas, dado que a o novo regramento considera como impertinente a contraprova nestas hipóteses. Assim, recomenda-se que a empresa realize por si só essa contraprova para se resguardar no caso de discussões judiciais futuras, pois se trata de restrição questionável semelhante àquela que já era trazida pelo RIISPOA (art. 470, § 3º).
Quando couber contraprova, na hipótese de discordância em relação ao resultado da primeira análise, existe a possibilidade da realização de análise pericial. Especial atenção deve ser dada aos experts indicados pelo interessado, pois estes devem comprovar que possuem formação e competência técnica para acompanhar a análise pericial, conforme os critérios estabelecidos pelo MAPA. Caso haja falha nesta comprovação, o pedido de realização de análise pericial da amostra de contraprova será julgado protelatório e indeferido e será considerado o resultado da análise fiscal.
Responsabilidade abrangente por toda a cadeia produtiva de rações
Na linha do RIISPOA (art. 494), o novo Decreto prevê que serão responsabilizados pelas infrações sanitárias os diversos elos da cadeia produtiva, incluindo as ações ou as omissões de quaisquer pessoas empregadas, prepostas, mandatárias, procuradoras, contratadas ou vinculadas de quaisquer outras formas aos agentes.
Assim, fornecedores e produtores de matéria-prima; proprietários, locatários, arrendatários de estabelecimentos registrados; empresas de expedição e transporte de matéria-prima ou de produtos acabados; importadoras e exportadoras devem estar atentas às novas regras. Sugere-se o fortalecimento do compliance em toda a cadeia, especialmente reforçados por documentos, evidências, contratos e checklists para resguardar as operações.
Aplicação de medidas cautelares
Não havia previsão anterior específica para medidas cautelares, apesar de existirem regras esparsas sobre apreensão, suspensão temporária e termo de inutilização de produtos ao longo do seu texto legal. Agora, o regulamento é expresso (art. 92) para permitir a fiscalização e aplicar medidas de apreensão de produtos e suspensão temporária parcial ou total de atividade, de etapa ou de processo de fabricação de produto; e destruição ou devolução à origem de animais, vegetais, de seus produtos, resíduos e insumos agropecuários, quando constatada a importação irregular ou a introdução irregular no País.
Um ponto interessante é a possibilidade de a medida cautelar não ser aplicada quando a não conformidade puder ser sanada durante a ação de fiscalização, fato que reforça a necessidade de ações preventivas, de resposta adequada e consistente de acordo com os procedimentos operacionais padrão indicados (POPs).
Classificação/graduação/natureza das infrações:
A normativa anterior não classificava as infrações de acordo com a gravidade, razão pela qual o Ofício-Circular 40/2023/DIPOA/SDA/MAPA, norma infralegal, elencou taxativamente as condutas infracionais de acordo com a sua natureza: leve, moderada, grave e gravíssima.
No novo regulamento de rações, as penalidades leves foram estabelecidas no artigo 101, podendo ser estabelecido prazo razoável para sanar as irregularidades. Neste caso, somente após o decurso do prazo conferido será permitido a lavratura de auto de infração.
São hipóteses de infrações leves: I – não fornecer relatório de produção na forma e nos prazos estabelecidos na legislação; II – desobedecer ou não observar as exigências sanitárias relativas ao funcionamento e à higiene das instalações, dos equipamentos, dos utensílios e dos trabalhos de manipulação e de preparo de produtos; III – utilizar rótulo que não atenda ao disposto na legislação específica; ou IV – fazer propaganda ou utilizar material de propaganda em desacordo com o estabelecido no Decreto e em normas complementares editadas pelo Ministério da Agricultura.
No setor de alimentos, sempre houve especial preocupação com a caracterização da conduta de embaraço da fiscalização com vistas a dificultar, retardar, impedir ou restringir o acesso ao local ou às informações oficiais e obrigatórias relacionadas à produção ou aos produtos de origem animal, ou, ainda, em casos de burla aos trabalhos. Esta conduta foi tipificada como gravíssima, merecendo especial cuidado do setor para estar preparado para receber a fiscalização de forma adequada, de posse de informações, documentos e dados corretos, ao mesmo que tempo que aspectos confidenciais e comerciais de interesse devem ser preservados ou disponibilizados na medida suficiente da fiscalização, com os devidos cuidados.
Princípio da especificidade do enquadramento legal
Não havia previsão no regulamento anterior. Na nova normativa de rações, quando uma infração for objeto de enquadramento em mais de um dispositivo, prevalecerá, para aplicação da penalidade, o enquadramento mais específico em relação ao mais genérico. Esta regra pode resultar em questionamentos relacionados à ampla defesa e contraditório, haja vista a necessidade de motivação fática e jurídica suficiente e adequada para a fiscalização.
Dolo e má-fé
Também não havia previsão na norma anterior. Agora, a referência a dolo ou a má-fé para determinação de penalidades deverá ser fundamentada em elementos de fato constantes nos autos, exceto se inerentes à infração atribuída ao autuado. Apesar da necessidade de que a fiscalização demonstre o dolo e má-fé, fica a dúvida e insegurança jurídica em relação aos casos nos quais ela será considerada como inerente à infração. Vale lembrar que a má-fé e o dolo nunca se presumem, e que se trata um dos pressupostos da conduta do particular de acordo com a Lei da Liberdade Econômica.
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Como qualquer nova regulação, a aplicação do Novo Regulamento de Rações ainda pode trazer muitas dúvidas e necessidade de períodos de adaptação. Enquanto a harmonização com o RIISPOA é bem-vinda, as particularidades do setor de rações também devem ser consideradas para evitar distorções e insegurança jurídica ao setor.
É necessário que a inspeção e fiscalização sanitária não atue com caráter estritamente punitivo e arrecadatório, mas de forma educativa e construtiva com o setor para que os alimentos animais sejam cada vez mais saudáveis, seguros e sustentáveis, contribuindo para desenvolvimento nacional, geração de empregos e da saúde humana e animal.