Novo regime especial de regularização: desafios e oportunidades

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Nas últimas semanas, muito se tem falado no meio jurídico sobre o novo Regime Especial de Regularização Geral de Bens Cambial e Tributária (RERCT-Geral), instituído pela Lei 14.973, de 16 de setembro de 2024, com o intuito de estimular a declaração voluntária de recursos, bens ou direitos não declarados ou declarados com incorreção pelos contribuintes brasileiros.

Apesar das muitas novidades, o RERCT não é um desconhecido dos brasileiros. Ainda em 2016, a então presidente Dilma Rousseff sancionou a primeira edição do programa[1], que, à época, limitava-se à repatriação de bens e recursos remetidos ou mantidos no exterior sem declaração (ou declarados com incorreção ou omissão de dados) à Receita Federal.

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A medida fazia parte do pacote de ajuste fiscal do governo para estancar o déficit nas contas públicas no auge da crise econômica e em meio a notícias de rebaixamento da classificação de risco do país.[2]

Segundo dados oficiais, a arrecadação efetiva do RERCT naquele ano foi de R$ 46,8 bilhões[3], resultado avaliado como bom pela equipe econômica[4], apesar de abaixo da estimativa original do governo – algo entre R$ 100 bilhões e R$ 150 bilhões[5]. Ao vetar o dispositivo que previa que os valores arrecadados a título de multa seguiriam a mesma destinação do imposto, a presidente buscava financiar o projeto de reforma do ICMS, uma das principais pautas governistas naquele momento – e, a despeito do sucesso arrecadatório, a tal reforma, como se sabe, só saiu agora, quase uma década depois.

Pouco depois, no início de 2017, a escalada da recessão econômica levou à reabertura do programa, dessa vez por iniciativa legislativa do Senado[6]. Contudo, a expectativa arrecadatória do governo não foi atingida – resultando em apenas R$ 1,615 bilhão[7]  aos cofres públicos.

Agora, passados mais de sete anos, estamos diante da versão 3.0 do RERCT, cuja esperança arrecadatória está especialmente voltada para tentar reduzir os impactos decorrentes do regime de transição para reoneração da folha de pagamento.

Na verdade, o PL 1847/2024, posteriormente convertido na Lei 14.973/24, previa originalmente apenas o regime de transição, sem tratar do RERCT – a reabertura do programa foi fruto de muitas discussões entre governo e Congresso para encontrar medidas de compensação da renúncia fiscal[8]. Coincidência ou não, a lei que implementou a versão 2.0 do regime também foi editada em um contexto no qual o governo, ainda em 2017, tentava extinguir a desoneração para vários setores produtivos[9].

As condições do atual regime são parecidas com as do original de 2016, com carga total de 30% – resultado da aplicação da alíquota de 15% de imposto de renda, a título de ganho de capital, acrescido de multa de 100% do valor do imposto –, e vedação de deduções ou descontos de custo de aquisição.

Na versão 2.0, de 2017, a alíquota de IR também era de 15%, mas a multa era de 135% do imposto. Em condições ordinárias, a alíquota do imposto pode chegar a 27,5%, e a multa pode ser de até 150%, se considerarmos a hipótese de reincidência.

Por seu turno, uma das novidades do novo RERCT, quando comparado a seus antecessores, é a possibilidade de que sejam regularizados também recursos, bens ou direitos mantidos no Brasil – e não apenas aqueles no exterior. Ademais, a nova lei também permite a declaração de ativos intangíveis como marcas, copyright, software, know-how, patentes e todo e qualquer direito submetido ao regime de royalties.

Tais alterações ampliam consideravelmente a gama de contribuintes e de ativos abarcados pelo programa, de um lado aumentando o potencial arrecadatório, e, de outro, gerando benefícios sociais por meio da oportunidade de regularização fiscal.

Ademais, a nova versão do programa também autoriza a adesão de agentes públicos, políticos e seus familiares, ponto muito controvertido nas edições anteriores, que acabaram vedando a adesão por parte desses contribuintes[10].

Nas versões de 2016 e de 2017, justificou-se a vedação, principalmente, pela aplicação do princípio da moralidade administrativa. As discussões revelaram receio de que o regime fosse utilizado para legalização de recursos eventualmente colocados em nome de parentes por políticos e para lavagem de dinheiro desviado dos cofres públicos.

Na versão 2.0, o Senado ainda tentou emplacar uma redação menos restritiva[11], possibilitando que parte desses agentes e seus familiares se beneficiassem do programa. A previsão, no entanto, foi barrada durante a votação na Câmara, após aprovação de destaque do PC do B[12].

E a discussão não ficou restrita ao Congresso. Muitos contribuintes buscaram o Judiciário e, já em 2016, havia notícia de decisões autorizando que agentes públicos e parentes de agentes políticos se beneficiassem da regularização, ao fundamento de que a restrição violaria o princípio da isonomia tributária[13].

Um dos casos judicializados chegou recentemente ao Supremo Tribunal Federal, após decisão do ministro Herman Benjamin que, ao analisar Agravo em Recurso Especial e verificar prejudicialidade decorrente da existência de matéria constitucional, remeteu os autos a julgamento do Recurso Extraordinário[14]. O ARE 1.437.972/SP foi distribuído ao ministro Luiz Fux e tramita em segredo de justiça.

De se ver como (e se) o Supremo resolverá a questão, em especial considerando que o julgamento se dará, muito provavelmente, após o encerramento do prazo para adesão ao programa hoje vigente – e, portanto, diante da perfectibilização da declaração por parte de muitos desses contribuintes.

Outra benesse digna de nota é a previsão de extinção da punibilidade, estendida a interposta pessoa em nome de quem são mantidos os ativos, desde que cumpridas as condições legais antes de decisão criminal. Apesar de não ser inédita – já constava das edições anteriores –, vale lembrar que o Supremo reconheceu a repercussão geral da matéria quanto ao termo “decisão criminal”[15] para fins de definição do marco temporal (Tema 1138).

Também louvável a regra de que o ônus da prova, em caso de suspeita de declaração falsa, é da Receita Federal – que não poderá intimar o declarante a apresentar documentação adicional sem, antes, demonstrar a presença de indícios suficientes à abertura de expediente investigatório ou procedimento criminal.

A regulamentação do regime já foi editada pela Receita Federal, por meio da IN RFB 2221/24, com destaque para a previsão expressa de que a declaração, acompanhada do pagamento integral do imposto e da multa, implicam a remissão dos demais créditos tributários decorrentes do descumprimento de obrigações tributárias e a redução de 100% das demais multas de mora, de ofício ou isoladas, e dos encargos legais diretamente relacionados a esses bens.

Enfim, o novo RERCT representa mais uma importante oportunidade para os contribuintes brasileiros que desejam alcançar a regularidade fiscal e evitar mais problemas com o fisco, inclusive de ordem criminal. Não obstante, é fundamental que, antes da adesão, o interessado busque se informar sobre o cumprimento dos requisitos legais e sobre eventuais riscos, aproveitando a janela de oportunidade que se estende até o dia 15 de dezembro de 2024.

[1] O RERCT “original” foi instituído pela Lei nº 13.254, de 13 de janeiro de 2016.

[2] https://g1.globo.com/economia/noticia/2015/12/fitch-tira-grau-de-investimento-do-brasil.html

[3] https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/relatorios/arrecadacao-federal/2016/analise-mensal-out16.pdf

[4] https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/noticias/2016/novembro/programa-de-regularizacao-de-ativos-brasileiro-atinge-objetivos

[5] A estimativa consta da justificativa do PL, de autoria do então Ministro da Fazenda Joaquim Levy.

[6] A segunda edição do programa foi instituída pela Lei nº 13.428, de 30 de março de 2017, decorrente da conversão do PLS nº 405/2016.

[7] https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/noticias/2017/agosto/segunda-etapa-do-rerct-permitiu-regularizacao-de-r-4-6-bilhoes-de-ativos-no-exterior

[8] https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/08/20/transicao-para-fim-da-desoneracao-da-folha-de-pagamento-segue-para-a-camara

[9] A MPV nº 774/2017, cujo objeto era a reoneração da folha para diversos setores da economia, foi publicada na edição extra do DOU de 30/03/2017. Já a Lei nº 13.428/17 foi publicada no DOU de 31/03/2017, apenas um dia depois.

[10] As duas primeiras edições vedavam a adesão por parte  dos detentores de cargos, empregos e funções públicas de direção ou eletivas, além do respectivo cônjuge e dos parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção.

[11] O texto original do PLS nº 405/2016 previa a vedação apenas para chefes dos poderes executivos federal, estadual e municipal (Presidentes e Vice-Presidentes, Governadores e Vice-Governadores, Prefeitos e Vice-Prefeitos) e para quaisquer agentes públicos da administração pública direta ou indireta nas três esferas de poder em exercício de mandato, cargo, emprego ou função.

[12] Vide notícia disponível em <https://www.camara.leg.br/noticias/507790-camara-exclui-parentes-de-politicos-do-projeto-de-regularizacao-de-ativos>

[13] Sobre o tema, veja-se artigo do Conjur disponível em <https://www.conjur.com.br/2017-mar-29/agentes-publicos-parentes-justica-repatriar-dinheiro/>

[14] A decisão, da lavra do Min. Herman Benjamin, foi proferida nos autos do AREsp nº 2.231.306/SP.

[15] A Lei nº 13.254/16 previa que o cumprimento das condições estipuladas antes de decisão criminal, em relação aos bens a serem regularizados, extinguirá a punibilidade dos crimes. A norma e aplicável também ao novo RERCT.