No final de 2023, o Brasil testemunhou a promulgação do chamado Marco Legal das Garantias (Lei 14.711/2023), uma legislação que trouxe inovações, e, entre outros pontos, possibilita que um mesmo bem seja usado como garantia em mais de um contrato de empréstimo. Mas qual seriam as implicações dessa norma – que tem tantos impactos na alienação fiduciária em garantia – para os consumidores?
Críticos, especialmente na área do Direito do Consumidor, expressaram preocupações em relação à recém aprovada legislação, alegando que, ao invés de promover a segurança jurídica para todos os cidadãos, a lei parece estar transferindo os riscos típicos de mercados robustos e prósperos para a parcela menos favorecida da população brasileira.
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Esses especialistas questionam as fundamentações da nova legislação, argumentando que a segurança jurídica não deve servir apenas aos interesses do mercado, mas também aos direitos fundamentais. Eles argumentam que a proteção do cumprimento de contratos não deve sobrepor-se à promoção da dignidade humana. Além disso, a redução de juros, frequentemente mencionada, parece ser mais retórica do que uma realidade diante das altas taxas praticadas no Brasil.
A aplicação de múltiplas garantias sobre propriedades imobiliárias durante a oferta e contratação de créditos ao consumidor é criticada por acarretar riscos significativos, incluindo a exclusão social dos mais vulneráveis, em desacordo com os princípios estabelecidos pela Lei do Superendividamento (Lei 14.181/2021). Além disso, tal prática confrontaria a efetividade do mínimo existencial e do patrimônio mínimo. O mínimo existencial, introduzido pela Lei do Superendividamento, compreende a garantia das condições básicas e urgentes para que cada consumidor possa viver de maneira digna, satisfazendo suas necessidades humanas. Já o patrimônio mínimo consiste na proteção de bens essenciais para a sobrevivência e bem-estar de determinado núcleo familiar. Ambos são conceitos jurídicos indeterminados fundamentais, derivados da hermenêutica constitucional, que devem ser considerados nas relações de crédito ao consumidor.
Outro ponto de destaque é a complexidade técnica da nova lei, que poderá resultar em interpretações intricadas, exigindo uma abordagem à luz dos princípios de proteção aos consumidores. Além disso, apontam-se omissões significativas no Marco Legal das Garantias, como a falta de disposições sobre o dever de esclarecer os consumidores sobre os efeitos das múltiplas garantias e a ausência de limites aos créditos financeiros, negligenciando a função social do crédito e o Código de Defesa do Consumidor.
Esses pontos, aliás, merecem atenção pelos fornecedores de créditos financeiros, já que podem ser deles exigidos a partir da leitura conjunta do Marco Legal das Garantias e do Código de Defesa do Consumidor.
No cenário imobiliário e financeiro, o Marco Legal das Garantias permitirá que um mesmo imóvel seja oferecido como garantia para múltiplos empréstimos ou contratos de crédito, sendo uma ferramenta estratégica para estimular o acesso ao capital, facilitando a realização de projetos e investimentos por parte dos consumidores, que representa um passo crucial para dinamizar o mercado de crédito e impulsionar o crescimento econômico no país.
Entretanto, ao mesmo tempo em que as novas práticas têm o potencial de reduzir os riscos para as instituições financeiras, poderão criar problemas para os consumidores, na medida em que permitirão uma maior disponibilidade do seu patrimônio, indo de encontro aos princípios que justificaram a promulgação da Lei do Superendividamento.
Portanto, diante das inquietações levantadas, é imperativo viabilizar um diálogo coeso e coerente para a aplicação do Marco Legal das Garantias, da Lei do Superendividamento e do Código de Defesa do Consumidor, especialmente de maneira responsável e transparente. Isso assegurará um ambiente jurídico que promova tanto uma política econômica mais dinâmica e favorável ao crescimento, quanto a proteção integral dos direitos dos cidadãos, sem comprometer seus direitos fundamentais, sobretudo no que diz respeito à dignidade humana e à proteção dos consumidores mais vulneráveis.
Com uma implementação mais cuidadosa, considerando os impactos econômicos e sociais da nova lei, poderão ser colhidos benefícios substanciais para a sociedade como um todo.