Novo Marco das Garantias: o governo ‘desgarantiu’

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No último dia 30 de outubro, o Poder Executivo enviou ao Senado a Mensagem 560, dispondo sobre os vetos ao PL 4188/2021, o Marco Geral das Garantias, para o qual tive a grande honra de ser o relator na Câmara dos Deputados.

Neste trabalho de relatoria, tivemos um longo percurso de ouvir a todos, especialmente o próprio governo (tanto o de 2022 como o de 2023) para construir uma solução que gere o maior benefício para a sociedade. Acolhemos várias emendas do Senado e fechamos uma versão que realmente implicaria um avanço gigantesco no marco geral das garantias no Brasil.

Qual não foi não apenas a minha surpresa, mas também de todo o parlamento, quando o Executivo veta um dos pontos mais fundamentais da reforma: a facilitação do processo de execução de garantias, que seria realizada por meio de “busca e apreensão extrajudicial”.

Nesse caso, havendo inadimplência do devedor na venda financiada, se o bem dado em garantia não for entregue voluntariamente ao credor, previa-se a possibilidade de o credor acionar oficial do cartório para a execução em lugar do congestionado Judiciário brasileiro.

Há visões equivocadas de que o consumidor perde com garantias que possam ser executadas de forma mais expedita. Nada mais ilusório. Quando se busca crédito para construir uma casa, comprar um carro ou montar um empreendimento, o emprestador avalia a capacidade futura de o devedor honrar os seus compromissos. Quanto mais dúvidas sobre isso, o emprestador ou simplesmente não empresta ou cobra uma taxa de juros mais alta que compense o risco maior. Pior, como os financiadores, a não ser por alguns instrumentos como o cadastro positivo ou o open finance, não têm uma bola de cristal para saber quem é bom pagador e quem não é, os tomadores ou ficam sem financiamento ou pagam juros muito altos.

Uma forma de corrigir o problema é o devedor oferecer garantias, como automóveis, imóveis, dentre outros, que serão entregues ao credor em caso de inadimplência. Ao reduzir a exposição do credor ao risco de não ser pago, um sistema de garantias robusto tanto permite que o financiamento aconteça ou diminui os juros para o devedor. Para os mais pobres e/ou micro e pequenos empreendedores, a força das garantias pode ser a única forma de acesso a financiamento.

O problema é que o credor “executar a garantia”, ou seja, se tornar proprietário ao mesmo tempo que toma posse do bem dado em garantia em função da inadimplência, pode não ser um processo simples. Nem todos os devedores entregam voluntariamente o bem dado em garantia. Atualmente, o caminho judicial é a opção do credor para conseguir a quitação da dívida por meio da entrega da garantia.    

Este é um processo, no entanto, longo e penoso em nosso país. No Brasil, conforme a Accenture, recupera-se apenas 14,6% do valor das garantias no Brasil para o caso de veículos contra 85,3% no Reino Unido, 81,8% nos EUA e 41,6% no Chile. O tempo médio de recuperação do crédito no Brasil é também substancial, atingindo 4 anos, contra apenas 1 ano no Reino Unido e EUA, 1,5 ano na Coréia do Sul e 2 anos no Chile. Ou seja, as garantias no Brasil pouco garantem dado o custo e o tempo para execução.

Isso é particularmente preocupante no setor automotivo. De um pico de vendas financiadas de veículos leves à prazo no total de vendas de 62,1% em 2013, houve um decréscimo contínuo deste percentual até 2022, quando atingiu apenas 36,2%. Este encolhimento das vendas financiadas de veículos leves está associado à falta de segurança jurídica na execução de garantias em um ambiente de política monetária funcionando com juros maiores.

O mecanismo de busca e apreensão extrajudicial construído no art. 6º do PL 4188 permitiria uma maior celeridade do processo de execução com o acionamento do oficial de registro em lugar do juiz, da possibilidade de o próprio credor realizar diligências para a (muitas vezes difícil) localização dos bens dados em garantia, da opção de contratar empresas especializadas na localização de bens (que terá requisitos mínimos definidos pelo Executivo), da possibilidade de venda logo após a apreensão do bem dado em garantia pelo credor e da limitação de pagamento de encargos tributários ou administrativos vinculados ao bem pelo credor apenas após a entrega voluntária ou apreensão do bem.

Segundo a Anfavea, este mecanismo pode reduzir os custos processuais da execução em 88%, parte do qual, naturalmente, será repassado ao tomador do empréstimo.

É totalmente inadequado arguir que este procedimento mais célere contraria direitos do devedor. Primeiro, após a eventual apreensão do bem dado em garantia, o devedor tem cinco dias úteis para pagar a dívida não paga e recuperar o bem. Segundo, o projeto é expresso em apontar que este procedimento extrajudicial não impede o uso do processo judicial pelo devedor.

Terceiro, o argumento do veto do governo de que a busca e apreensão extrajudicial representaria descumprimento do preceito constitucional de inviolabilidade do domicílio é risível. Nada no projeto afronta este dispositivo. A busca e apreensão extrajudicial não poderá ser feita no domicílio do devedor a menos que haja autorização judicial. Tal como na busca e apreensão judicial. Ou seja, a inviolabilidade do domicílio assegurada na Constituição permanece intocada e não poderia ser diferente.

Sendo assim, o veto do Executivo pode constituir mais uma oportunidade perdida do país na urgente agenda de reformas, em particular, aquela direcionada para o aumento do financiamento a juros mais baixos na economia brasileira. Urge que o Congresso derrube este surpreendente veto, o que contribuirá a facilitar o acesso dos mais pobres a financiamentos importantes para a sua vida.