Novo licenciamento ambiental e riscos de judicialização

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O licenciamento ambiental, instrumento previsto na Lei 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente), consiste em um procedimento dinâmico e contínuo que tem como objetivo garantir o mapeamento dos impactos socioambientais decorrentes de uma determinada atividade ou empreendimento. Caso sejam identificados possíveis impactos negativos, deve-se estabelecer medidas para evitar sua efetiva ocorrência, mitigar e/ou compensar os efeitos de tais impactos ao meio ambiente e à coletividade.

Se bem operacionalizado, o licenciamento ambiental traz benefícios a todos. Sob a perspectiva do empreendedor, referido procedimento pode, ao mesmo tempo, antecipar riscos e desafios que influenciam sua tomada de decisão e, principalmente, garantir segurança jurídica para o desenvolvimento de sua atividade. 

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Nas últimas semanas, muito se tem debatido a respeito do PL 2159/2021, que visa estabelecer normas gerais para o licenciamento ambiental no país. O projeto de lei propõe uma alteração significativa na lógica de licenciamento ambiental no território nacional com grande simplificação de procedimentos.

Uma possível consequência da alteração normativa é o agravamento da judicialização de questões afetas ao licenciamento ambiental – principalmente considerando a amplitude dos princípios de proteção ambiental dispostos na Constituição e os diferentes instrumentos jurídicos disponíveis a órgãos de controle (como o Ministério Público) e à sociedade em geral. 

A judicialização traz um elemento de insegurança jurídica aos projetos de infraestrutura, incrementando o risco de paralisação de obras e atividades, determinação de pagamento de indenizações em montantes expressivos e danos reputacionais graves aos empreendedores. A transferência desse poder decisório ao Judiciário não é isenta de riscos, em especial, levando-se em consideração a possibilidade de decisões atécnicas e a (infelizmente, usual) demora na tramitação de processos judiciais no país. 

Diante desse contexto, avaliando especificamente o setor de saneamento, propomos abaixo caminhos que poderiam ampliar a segurança jurídica e a efetividade dos processos de licenciamento ambiental oferecendo segurança jurídica e celeridade sem perder de vista o elemento central do licenciamento ambiental – o mapeamento de impactos socioambientais e direcionamento de providências para tratá-los:

  • Definição de roteiros de licenciamento, a nível nacional, com base em critérios técnicos robustos, considerando a significância dos impactos socioambientais de estruturas/atividades do setor.

A nosso ver, a edição desses roteiros pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) contribuiria para a definição de regras mais claras e objetivas, conferindo maior agilidade nas análises dos órgãos licenciadores – que, com isso, podem passar a concentrar esforços em aspectos mais centrais e relevantes da atividade sob a perspectiva socioambiental – e isonomia aos processos de licenciamento ambiental conduzidos por diversos entes federativos. Ademais, esses roteiros podem conferir aos agentes técnicos que operacionalizam os processos de licenciamento a nível estadual/municipal maior segurança com relação a seus atos – especialmente considerando as preocupações usuais desses agentes de responsabilização na pessoa física por decisões que tomam no curso desses processos;

  • Determinação de que estruturas que fazem parte de sistemas regionalizados de serviços públicos de saneamento básico devem ser objeto de licenciamento a nível estadual (e não a nível municipal, por serem consideradas de impacto local)

Essa providência é relevante, pois, com o aumento da prestação regionalizada de serviços públicos de saneamento básico, tem crescido o número de empreendedores assumindo a execução desses serviços via concessão.

Usualmente, a regularização do licenciamento de estruturas pré-existentes é uma responsabilidade alocada às concessionárias – que passam a buscar a assinatura de termos de compromisso com os órgãos ambientais estaduais associados para definição de tempos e movimentos para a regularização do licenciamento ambiental dos ativos assumidos, com o consequente afastamento do risco de responsabilização administrativa pela operação de atividade sem licença no curso da regularização.

A manutenção da competência municipal para o licenciamento de estruturas que compõem esses sistemas amplia a complexidade desse processo negocial, trazendo consigo insegurança jurídica às concessionárias.

Considerando que o volume de investimentos necessários e o (já curto) prazo até a meta legal de universalização dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário tornam os projetos no setor de saneamento bastante desafiadores, um cenário de segurança jurídica é indispensável aos projetos em implantação e aos que ainda serão licitados. O licenciamento ambiental utilizado de forma técnica, íntegra e robusta pode ser um grande aliado desse processo.