Enquanto o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ainda tenta salvar sua proposta de reoneração da folha de pagamentos, mais um estudo acadêmico surge para questionar a eficácia da desoneração, reforçando a posição da área econômica.
Desta vez é o Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas e Desenvolvimento do Cedeplar (Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas) da UFMG. “Não existe evidência empírica de impactos positivos, consistentes e sustentados da política de desoneração da folha salarial sobre empregos e salários na literatura especializada”, diz a nota técnica.
O texto destaca que as atividades desoneradas foram responsáveis por 17% do emprego formal do setor privado em 2021, totalizando 6,7 milhões de empregos, sendo que em 2011 eram responsáveis por 19% de participação e por 7,1 milhões de empregos.
“A análise dos dados com agregação setorial correta mostra que as atividades efetivamente desoneradas, em conjunto, tiveram pior resultado em termos de empregos e massa salarial (queda) do que as atividades não desoneradas (estabilidade) entre 2010 e 2021”, afirmam os autores, apontando ainda que, a despeito de serem economicamente importantes, as atividades não são as que mais empregam no país. “Entre as 15 atividades (classes CNAE) que mais empregam no país estão apenas 3 atividades desoneradas”, diz o texto.
Entre outras críticas, o material questiona a lógica da lista de setores desonerados e aponta ainda que a política não segue as melhores práticas de políticas industriais. “Políticas de incentivo setoriais devem ser desenhadas com critérios claros sobre os setores a serem beneficiados, metas de desempenho e temporalidade bem estabelecidas por setor”, afirma o texto que é assinado por Gustavo Britto, Alexandre de Queiroz Stein, Diogo Santos, Arthur Queiroz e João Prates Romero.
A análise foi feita levando-se em conta não só estudos que avaliaram a experiência da política, mas também com base em teoria sobre desenho de políticas públicas. “Uma avaliação desse material revela que, seja em termos teóricos, seja em termos empíricos, não existe clareza sobre os efeitos econômicos positivos da desoneração, embora seus custos sejam claramente elevados”, apontam.
Segundo o material, os indícios são de que a “desoneração pode estar sendo convertida, em alguns casos, para o aumento do excedente de alguns setores, por um lado, ou para dirimir conflitos distributivos, em outros, o que definitivamente diverge dos objetivos originais da política”.
O estudo do Cedeplar foi finalizado recentemente e tem circulado nos corredores da equipe econômica como mais um elemento para se argumentar em favor da MP 1202. O texto enviado no apagar das luzes de 2023 propõe uma reoneração gradual, iniciando-se neste ano.
A MP, principalmente no tópico reoneração da folha, é largamente rejeitada no Congresso. Mesmo na Fazenda admite-se que o risco de a medida não ir adiante é alto. Ainda assim, Haddad seguirá brigando para emplacar algum desenho que coloque no horizonte o fim da política, nos termos atuais. Isso poderá vir por projeto de lei (mesmo que a MP siga tramitando para que o governo possa pelo menos no relatório bimestral de março usar os parâmetros de receita que ela gera).
A desoneração da folha de pagamentos foi uma política criada na era petista, mais precisamente no primeiro governo Dilma Rousseff. A justificativa à época foi reforçar a geração de empregos, por meio da redução do custo do trabalho. No segundo governo da petista, interrompido pelo impeachment, a política já começou a ser desfeita, criticada por ter um alto custo por unidade de emprego. Desde 2017, ela vem sendo mantida apenas para um grupo de setores, que seriam mais intensivos em mão de obra. Foi renovada no ano passado mesmo com comando constitucional para redução de benefícios fiscais e sem ter previsão orçamentária.
Goste-se ou não da política, o fato é que economistas de diferentes matizes ideológicos a têm criticado ao longo do tempo. A Fazenda se apega muito a esse argumento e propõe como alternativa que a desoneração seja uma política para apenas um salário mínimo, faixa na qual haveria maior informalidade.
As evidências apontam que tecnicamente a leitura da Fazenda está na direção correta. Porém, é preciso dizer que o ministro Haddad, ainda que tenha tido muitos temas para disputar no ano passado, errou na condução desse processo. Ele deixou o barco correr, tentou resolver com um veto que não havia sido negociado com os parlamentares e azedou ainda mais o clima com o envio da MP sem uma melhor costura política.
De outro lado, o Congresso erra no mérito por tratar como direito perpétuo uma política que é tão criticada por ser ineficaz. Os parlamentares deveriam ter maior zelo pelo gasto público e efetivamente sentar para negociar uma solução melhor com Haddad, a despeito de estarem, com razão, irritados com o chefe da economia.