Novo Cade, novos desafios para o antitruste

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No último dia 5, a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal realizou a leitura dos relatórios dos quatro nomes recém indicados para compor o Tribunal do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). As sabatinas de Camila Alves (substituindo Sérgio Ravagnani), Carlos Jacques (substituindo Lenisa Prado), Diogo Thomson (substituindo Luís Henrique Braido) e José Levi (substituindo Luiz Augusto Hoffmann) estão previstas para ocorrer na próxima semana, no dia 12 de dezembro.

As indicações, esperadas desde setembro, vieram com atraso. O Tribunal do Cade está sem quórum desde a saída do Conselheiro Luís Henrique Braido, no dia 4 de novembro, de modo que foram suspensas as sessões de julgamento de 2023. E não é a primeira vez que isso ocorre. Em 2019 também houve uma paralisação do Tribunal, que levou três meses para retomar as atividades. Ao menos a retomada ocorreu rapidamente após as aprovações dos nomes dos então candidatos Lenisa Prado (11/10), Luiz Hoffman (02/10) e Sérgio Ravagnani (01/10), uma vez que todos já participaram da Sessão Ordinária de Julgamento do dia 16 de outubro de 2019.

Como o recesso do da autoridade antitruste brasileira tem início dia 20 deste mês, os novos conselheiros, se aprovados, só devem iniciar efetivamente seu trabalho no próximo ano. E o ano novo, de Cade novo, também promete novos desafios para o antitruste.

De acordo com o Cade em Números, acessado dia 6 de dezembro de 2023, em 2024 a turma aprovada terá um estoque de 32 casos a deliberar. Dentre eles, duas fusões de empresas que estão suspensas aguardando quórum, 23 Processos Administrativos e quatro casos enquadrados como “outros procedimentos”.

Além do estoque de casos herdado, o novo colegiado terá alguns desafios. Há ao menos sete pontos de atenção no cenário antitruste internacional e que foram objeto de muita discussão na 22ª Conferência Anual da International Competition Network (ICN), que ocorreu em outubro deste ano, em Barcelona, na Espanha:

Mercados digitais e suas dinâmicas peculiares, que redefinem os espaços da concorrência e exigem muito mais rapidez por parte das autoridades antitruste;
Fica cada vez mais clara a urgência do tema da sustentabilidade e sua conexão com a defesa da concorrência. Além disso, é fundamental prover o setor privado de orientação segura para quando é possível cooperar em prol da inovação para a descarbonização;
A advocacia da concorrência continua a ser peça fundamental na defesa dos mercados. Isso é tanto mais verdadeiro em um mundo com maior intervencionismo e populismo;
O mercado de trabalho entrou na agenda antitruste na repressão a acordos das empresas para não recrutar colaboradores de seus concorrentes;
A interação entre a defesa da concorrência e a proteção dos dados e da privacidade tem se tornado crucial;
Continua fundamental estimular uma interação entre as autoridades de defesa da concorrência e os reguladores setoriais; e
As ferramentas de inteligência artificial e digitalização aumentaram enormemente a capacidade de investigação e diminuíram a dependência do combate aos cartéis aos acordos de leniência.

Quanto aos dois últimos tópicos, há exemplos práticos de como esses desafios presentes no contexto brasileiro.

O primeiro é sobre acordos de leniência, tema que também tem sido debatido pela comunidade antitruste brasileira nos últimos meses. No último dia 6 de outubro, o Cade organizou evento para discutir as duas décadas do primeiro acordo de leniência firmado pela autoridade. Alexandre Barreto, atual Superintendente-Geral do Cade, relembrou que o Programa de Leniência do colegiado é independente do Tribunal e que em 20 anos houve 109 acordos assinados. Na época do debate, havia 10 negociações de leniência em curso, os quais, segundo Diogo Thomson, à época ainda não indicado para o Conselho, eram em grande parte internacionais.

Atualmente, há no órgão um grupo de trabalho para aperfeiçoar o programa de leniência existente. Mas é importante que ações proativas de combate a cartéis, como métodos de cartel screening desenvolvidos no âmbito do Projeto Cérebro no Cade, também sejam incentivadas de modo a, via aumento da percepção de risco de ser pego por parte do cartelista, beneficiar as próprias ferramentas reativas como os acordos.

O segundo, e talvez mais imediato, envolve a interface entre autoridades antitruste e mercados regulados. Nesse sentido, chama atenção o caso envolvendo o Termo de Compromisso de Cessação (TCC) entre Petrobras e Cade. O acordo foi firmado em meados de 2019 e foi fruto de investigações preliminares derivadas de análise técnica desenvolvida por grupo de trabalho entre o Conselho e a ANP.

Na época, a Petrobras apresentou proposta de desinvestimento de cerca de metade da sua capacidade de refino, o que envolvia um total de oito refinarias. Mais do que isso, de modo a propiciar melhores condições concorrenciais e incentivar a entrada de novos agentes econômicos no mercado de refino, comprometeu-se a publicar os preços vigentes a fim de demonstrar a isonomia competitiva aos demais participantes do mercado. Em contrapartida, foram suspensas investigações envolvendo potencial abuso de posição dominante contra a empresa.

Ocorre que os compromissos pactuados no âmbito do TCC não só foram descumpridos – até hoje ainda restam quatro refinarias a serem vendidas, as quais representam cerca de 30% do processamento total da companhia – como a estratégia atual da Petrobras, refletida em seu recém-divulgado plano estratégico, é recomprar a Refinaria de Mataripe, na Bahia, a antiga Refinaria Landulpho Alves (RLAM). Em 24 de novembro a empresa pediu ao Cade para renegociar o TCC.

A solução para o impasse no setor de refino não é trivial, mas deve necessariamente estar voltada à garantia de um ambiente de livre concorrência capaz de estimular novos investimentos, com importantes efeitos multiplicadores no restante da economia. Para tanto, o diálogo com a ANP e demais órgãos de governo associados ao setor de óleo e gás é de fundamental importância.

O ano de 2024 começará com um Cade novo e diversos desafios para a autoridade antitruste. Felizmente, a nova composição da autoridade antitruste brasileira está à altura desses desafios.