Nova fase do marco legal dos criptoativos reflete em crescimento acelerado

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O “Marco Regulatório dos Criptoativos”, originalmente proposto no Projeto de Lei 4.401/2021 (PL 4.401), foi aprovado e sancionado no final de 2022, sem quaisquer vetos, originando a Lei nº 14.478/2022.  Em vigor desde junho de 2023, a legislação estabelece a regulamentação das criptomoedas no Brasil e dispoõe as diretrizes para as Prestadoras de Serviços de Ativos Virtuais (Pasv), também conhecidas como Virtual Assets Service Providers (Vasp).

Estimativas de um estudo global elaborado em 2022 pela CoinJournal, demonstram que o Brasil ocupa a 6ª colocação com relação ao número de proprietários de criptomoedas do mundo, com mais de 16 milhões de brasileiros detentores de ativos virtuais, o que representa mais de 7% da população e coloca o país como o principal mercado da América Latina.

Assim, a expectativa é que o novo normativo traga maior segurança jurídica para operações envolvendo ativos virtuais, além de atrair mais investimentos, fomentar o mercado nacional de exchanges e criar um ambiente fértil para surgimento de inovações tecnológicas ligadas à tecnologia blockchain e a ativos virtuais.

Regulamentação no mercado de ativos virtuais

Até então, inexistia, no ordenamento jurídico pátrio, uma legislação específica para regular as atividades no mercado de ativos virtuais. Nesse sentido, a Lei nº 14.478/2022 é um marco jurídico que inaugura um conjunto de mudanças regulatórias, principalmente relacionadas à compliance e direito penal. Além disso, o normativo reforça o otimismo no Brasil como um país em posição dianteira na regulamentação do setor de ativos virtuais.

Dentre as principais inovações, há a definição legal das pessoas jurídicas enquadradas como Pasv e a designação das diretrizes setoriais a serem implementadas. Destacamos as medidas de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo e da proliferação de armas de destruição em massa (PLD/FTP), ao incluir as Pasv no rol de entidades sujeitas às obrigações e mecanismos de controle da Lei de Prevenção à Lavagem de Dinheiro nº 9.613/1998.

Isto é, as Pasv’s se tornam obrigadas a assumir deveres relacionados às práticas de identificação e manutenção de registros dos clientes (know your client), manutenção de registros de operações e transações as quais envolvam ativos virtuais, bem como a comunicação de atividades suspeitas.

A norma também institui a criação do Cadastro Nacional de Pessoas Expostas Politicamente (CNPEP), a ser disponibilizado no Portal da Transparência da União a partir de dados atualizados oriundos de órgãos de União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Com base nas novas regras, a consulta ao CNPEP torna-se um procedimento necessário para o devido cumprimento dos mecanismos de controle, além das demais diligências exigíveis na forma da legislação.

Novas exigências para crimes de lavagem de dinheiro

Especificamente sobre as alterações promovidas pela Lei nº 14.478/2022 ao Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/1940), temos a criação do tipo penal de “fraude com a utilização de ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros”, previsto no art. 171-A.

Além disso, também altera a Lei dos Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional nº 7.492/1986, ao incorporar ao rol de sujeitos equiparados a instituições financeiras as pessoas jurídicas ou físicas que ofereçam serviços vinculados a operações com ativos virtuais, tais como a intermediação, negociação ou custódia. Por consequência, diversos dos crimes previstos neste dispositivo passam a alcançar operações com ativos virtuais.

Ademais, as penas aplicáveis ao crime de lavagem de dinheiro mediante a utilização de ativos virtuais, atualmente variáveis de três a dez anos de reclusão, foram substancialmente alteradas, podendo ser majoradas de um a dois terços.

É notável, portanto, o robustecimento do rigor aplicado aos crimes e delitos envolvendo ativos virtuais, haja vista o relevo das novas disposições. Isto é, pessoas físicas e jurídicas que atuam no setor em específico na realização de transações, devem se atentar às novas exigências com objetivo de adequar-se às mesmas e evitar possíveis sanções.

Todavia, apesar da recente entrada em vigor da Lei nº 14.478/2022, sua efetiva implementação ainda exigia a regulamentação infralegal para definir pontos até então não estabelecidos. Dentre estes, havia a atribuição de qual seria o órgão responsável pela regulação do setor de criptoativos, a forma como seriam realizados os registros de transações realizadas via ativos virtuais e a disponibilização do CNPEP.

Dessa forma, em 13 de junho de 2023, foi assinado o Decreto nº 11.563/2023, responsável por regulamentar a Lei nº 14.478/2021. Na prática, o normativo estabelece os papéis do Banco Central do Brasil (BCB) e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) na regulamentação e fiscalização do mercado brasileiro de criptoativos, e passou a vigorar em 20 de junho de 2023.

Desde então, foi atribuída ao BCB a função de órgão regulador. Agora, o BCB possui competência para, entre outros, regular, autorizar e supervisionar as Pasv’s e estabelecer regras de organização e funcionamento do mercado.

Expectativas do decreto regulamentador

Por outro lado, a CVM segue responsável pelos criptoativos classificados como ativos imobiliários e não teve nenhuma alteração em suas competências já definidas. A clareza advinda da publicação do Decreto nº 11.563/2023 agrada ao mercado como um todo, haja vista a falta desta ser uma incerteza e um risco indesejado.

Considerando a expectativa atrelada à entrada em vigor da Lei nº 14.478/2022, o decreto regulamentador era muito esperado por todos os entes visto que, sem a indicação formal da autoridade reguladora, a norma poderia se tornar inócua. Agora, a expectativa é que o BCB estabeleça regras para a obtenção da licença para operar com criptoativos e defina a forma para os registros de transações via ativos virtuais, por exemplo.

Na esfera administrativa, o BCB deverá estabelecer condições e prazos, não inferiores a seis meses, para adequação das Pasv’s que estiverem em atividade às disposições da Lei nº 14.478/2022 e às normas correlatas. Assim, o BCB deverá definir, de forma infralegal, as diretrizes para comunicação de operações suspeitas, com a respectiva definição de valores e critérios para operações suspeitas em espécie e através de criptoativos, tal qual é realizado por autoridades reguladoras em outros setores.

Adicionalmente, espera-se que, mesmo após a entrada em vigor da norma, inúmeras outras discussões relacionas a criptoativos sejam conduzidas pelas autoridades através de eventos e consultas públicas.

Nota-se ainda as crescentes discussões e propostas realizadas por entidades do setor, a exemplo da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Abima) e da Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABCripto), em demonstração do interesse de diversos atores para contribuir com a regulamentação e seu contínuo aprimoramento.

Avanço do marco legal dos criptoativos

Por fim, as perspectivas em médio e longo prazo são de exponencial aumento da atenção atribuída pelo Estado e pelo mercado aos ativos virtuais. Assim, aguarda-se o incremento dos instrumentos regulatórios recém-editados, além da implementação de novas normas para melhor regular e uniformizar a atuação dos agentes públicos e privados atuantes no mercado dos ativos virtuais.

De forma consoante, os atores privados demonstram interesse na celeridade das regulamentações do setor na medida em que a construção de regulações para o setor cria um ambiente mais desenvolvido em termos de segurança jurídica, transparência e previsibilidade.

Em suma, embora seja necessário o aprimoramento da estrutura regulatória do setor de ativos virtuais, o marco legal dos criptoativos é um inequívoco avanço e inaugura uma nova fase para um mercado que cresce em ritmo acelerado, além de posicionar o Brasil na dianteira dos países que já regulamentaram e sinalizaram abertura para o setor de criptoativos.