Os advogados de militares e de membros das Forças Especiais do Exército, os chamados “kids pretos”, procuraram afastar seus clientes de eventos importantes da tentativa de golpe, como reuniões de planejamento e ações para monitorar autoridades. Os argumentos foram apresentados durante manifestação nesta quarta-feira (12/11) na 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF).
A defesa do tenente-coronel Rodrigo Bezerra De Azevedo, por exemplo, argumentou que o militar estava em outros locais durante reuniões de planejamento e de execução do monitoramento que tinha por objetivo assassinar o ministro Alexandre de Moraes, em novembro e dezembro de 2022, conforme exposto pela acusação.
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Já as defesas dos tenentes-coronéis Ronald Ferreira de Araújo Júnior e Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros ressaltaram que os militares não eram “kids pretos”, não tinham relações com as Forças Especiais e não endossaram uma carta de oficiais pressionando o comandante do Exército para aderir a um golpe.
As sustentações orais dos advogados foram feitas no julgamento do chamado “núcleo 3” da ação sobre tentativa de ruptura para manter o ex-presidente Jair Bolsonaro no poder (AP 2696). O grupo é formado por nove militares e um policial federal acusados de planejar e executar ações táticas com o objetivo de promover a ruptura institucional.
O julgamento começou na terça-feira (11/11) com a manifestação do procurador-geral da República, Paulo Gonet, e as sustentações de advogados dos outros seis réus. Gonet pediu a condenação dos dez réus, com pena menor para o tenente-coronel Ronald Ferreira de Araujo Júnior, em que o PGR pede a condenação apenas pelo crime de incitação ao crime.
O julgamento seguirá na próxima semana (18/11), com o voto do relator, ministro Alexandre de Moraes, e dos demais integrantes da turma.
De acordo com a acusação da Procuradoria-Geral da República (PGR), o grupo foi o responsável por executar o plano golpista, como sequestro e morte do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do vice Geraldo Alckmin (PSB) e do ministro Alexandre de Moraes.
Todos os réus do núcleo respondem pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
Até o momento, já foram julgados e condenados 15 réus por tentativa de golpe de Estado, entre eles, o ex-presidente Jair Bolsonaro e militares da alta cúpula, como os generais Augusto Heleno e Braga Netto.
Sustentações
Em sua manifestação na tribuna, o advogado Jeffrey Chiquini da Costa, responsável pela defesa do tenente-coronel Rodrigo Bezerra De Azevedo, disse que o militar não participou do planejamento, monitoramento ou da execução do plano, imputado pela acusação.
Azevedo é um dos militares que teriam participado das medidas voltadas à vigilância e ao assassinato do ministro Alexandre de Moraes. Para o advogado, o tenente-coronel é um preso correndo atrás de provas de inocência, sendo que a acusação não conseguiu provar a culpa.
Chiquini disse que o militar não estava em Brasília durante as ações de planejamento e de monitoramento. “É uma insanidade acusatória”, afirmou o advogado. “Como pode um tenente-coronel, que é liderança de monitoramento e neutralização, como ele não participa do planejamento?”
O advogado disse que não teve acesso ao laudo de dados extraídos do celular de Azevedo. “Isso aqui não aconteceu nem na Lava Jato”, criticou. “Não tem o laudo pericial do celular do réu. Esse processo é a pior investigação que já vi em toda minha vida, é a pior investigação do país com relação ao Rodrigo Bezerra de Azevedo”.
Ao final da sustentação de Chiquini, o ministro Flávio Dino, presidente da 1ª Turma, cobrou respeito em relação ao Supremo ou a outros órgãos do sistema de Justiça, seja na tribuna ou em “manifestações externas” ao plenário.
“Quando reivindicamos, e a palavra correta, exigimos, lealdade em relação ao tribunal, exigimos que guardemos idêntica urbanidade, lhaneza no trato e respeito, literalmente, o que está escrito no Código de Ética da advocacia entre as partes”, disse o ministro. Chiquini tem publicações em seu perfil no X (ex-Twitter) chamando o julgamento do caso de “farsa” ou “fajuto”. Na tribuna, ele reiterou as críticas, chamando a apuração de a “pior investigação” que já viu.
Pela defesa do tenente-coronel Ronald Ferreira de Araujo Júnior, o advogado João Carlos Dalmagro Junior disse que o militar não faz parte das Forças Especiais, não esteve em reuniões de planejamento e que sequer foi convidado para tais encontros.
A imputação contra Ronald na denúncia é que ele, enquanto especialista na área de comunicação, teria aderido à organização e desenvolvido ações táticas com objetivo final de pressionar o alto comando do Exército para aderir ao golpe.
Em sua sustentação oral, a PGR mudou a tipificação penal para Ronald e pediu a condenação apenas pelo crime de incitação ao crime, com penas menores. De acordo com Gonet, o militar estava presente na elaboração e divulgação da “Carta dos Oficiais Superiores da Ativa ao Comandante do Exército Brasileiro”.
“Autoria, a construção intelectual, a elaboração da ideia dessa carta que deveria ser formatada, a construção documental do próprio arquivo de Word isso já se afasta em relação ao Ronald. Mas afinal de contas, o Ronald conversa sobre a carta. Mas ele não assina, ele sabia que era um ato de indisciplina”, disse o advogado João Carlos Dalmagro.
O advogado Igor Laboissieri Vasconcelos Lima, pela defesa do tenente-coronel Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros, disse que há “incoerência” nas imputações feitas pela acusação e que o réu “não tem competência e habilidade para executar qualquer ação tática”.
“Cavaliere servia em Resende na época dos fatos. Ele estava em um setor administrativo e não tem qualquer relação com os ditos ‘kids pretos’. Percebe-se que a ocupação de Cavaliere no Exército é totalmente diversa de uma Força Especial do Exército. Totalmente diversa de qualquer ação tática”, declarou o advogado.
Vasconcelos também afirmou que Cavaliere não estava em reuniões nem teve participação na confecção da carta para pressionar o comandante da Força. O advogado defendeu ao réu o mesmo tratamento dado a Ronald, em que a PGR retirou as imputações mais graves.
Segundo a denúncia, a investigação identificou mensagens de Cavaliere com o tenente-coronel Mauro Cid tratando de supostas fraudes a urnas e a discussão sobre possíveis ações ilícitas.
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O único civil do núcleo 3 é o policial federal que participou da segurança de Lula, Wladimir Matos Soares. Segundo a acusação, ele repassou informações sensíveis sobre a proteção do presidente.
O advogado Sergio William Lima Dos Anjos disse que não existe nenhum elemento no processo que ligue o agente aos militares julgados no núcleo. Conforme o advogado, nenhum dos outros réus ou das testemunhas conhecia Soares.
Anjos rebateu a tese de que o policial teria se infiltrado na equipe de segurança de Lula. “O Wladimir foi requerido por essa missão, porque ele tinha muita experiência na segurança de autoridades. Ele já fez segurança do ex-presidente Jair Bolsonaro, do ministro Flávio Dino, da ex-presidente Dilma. Essa era uma das especialidades dele. Está comprovado que ele não se infiltrou”, disse.
Fizeram sustentações orais os advogados dos seguintes réus:
- Rodrigo Bezerra De Azevedo
Advogado: Jeffrey Chiquini Da Costa - Ronald Ferreira De Araujo Junior
Advogados: João Carlos Dalmagro Junior e Lissandro Sampaio - Sergio Ricardo Cavaliere De Medeiros
Advogado: Igor Laboissieri Vasconcelos Lima - Wladimir Matos Soares
Advogado: Sergio William Lima Dos Anjos
São réus na AP 2696:
Bernardo Romão Correa Netto (coronel do Exército);
Estevam Cals Theophilo Gaspar De Oliveira (general da reserva do Exército);
Fabrício Moreira de Bastos (coronel);
Hélio Ferreira Lima (tenente-coronel);
Márcio Nunes de Resende Júnior (coronel);
Rafael Martins de Oliveira (tenente-coronel);
Rodrigo Bezerra de Azevedo (tenente-coronel);
Ronald Ferreira de Araújo Júnior (tenente-coronel);
Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros (tenente-coronel); e
Wladimir Matos Soares (agente da Polícia Federal).