Com o intuito de valorizar os métodos alternativos de resolução de controvérsias, a figura do negócio jurídico processual (NJP) foi expressamente tratada pelo Código de Processo Civil de 2015, através de cláusula geral que autorizou as partes a estipular mudanças nos procedimentos para ajustá-los às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo (art. 190).
No âmbito da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), a consolidação do instituto se deu a partir da edição da Portaria PGFN 742, de 21 de dezembro de 2018, que disciplina a celebração de NJP, para fins de equacionamento de débitos inscritos em dívida ativa da União e do FGTS.
A referida Portaria prevê que o devedor pode negociar, diretamente com a PGFN, as formas disponíveis para quitação de seus débitos inscritos em dívida ativa da União ou do FGTS, podendo abranger: a calendarização da execução fiscal; a criação de um plano de amortização do débito fiscal; a aceitação, avaliação, substituição e liberação de garantias e o modo de constrição ou alienação de bens.
Especialmente para o presente artigo, nos interessa o plano de amortização de débito fiscais, que possibilita o estabelecimento de condições diferenciadas para quitação do crédito tributário, tais como: pagamento periódico mediante constrição de parcela do faturamento ou recebíveis; a utilização de depósitos judiciais; negociação de garantias, dentre outros.
Isso porque, em razão da Emenda Constitucional 103, de 12 de dezembro de 2019, que alterou o §11 do artigo 195 da Constituição, passou a ser vedada a moratória e o parcelamento de débitos de contribuição previdenciária incidente sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho em prazo superior a 60 meses.
A despeito da alteração constitucional ser louvável, por estimular a arrecadação das contribuições previdenciárias de forma pontual e não delongada, fato é que para alguns contribuintes torna-se inviável a liquidação dos seus débitos previdenciários no prazo de 60 meses.
Para esses contribuintes que não possuem referidas condições, o NJP se revela uma alternativa interessante, pois apesar de não haver previsão de descontos na sua celebração, existe a possibilidade de diferimento do pagamento do crédito tributário pelo prazo de 120 meses ou prazo superior, caso haja autorização da Coordenação-Geral de Estratégias de Recuperação de Créditos.
Além do NPJ permitir o diferimento da liquidação do débito, é possível também estabelecer um plano de amortização mediante constrição de parcela do faturamento mensal de forma escalonada, como por exemplo, percentuais crescentes de amortização e/ou constrição de recebíveis futuros, o que permite preservar o fluxo de caixa necessário para o contribuinte gerir o seu negócio.
Insta ressaltar que a celebração de NJP para liquidação de débitos de contribuição previdenciária com plano de amortização em prazo superior a 60 meses não viola o disposto no §11 do artigo 195 da Constituição, porquanto o NJP não constitui nem moratória nem parcelamento.
Conforme Luís Eduardo Schoueri, a moratória consiste na “prorrogação ou a concessão de novo prazo para o cumprimento da obrigação tributária”1, conceito no qual o NJP não se enquadra, pois na sua celebração o vencimento da obrigação tributária se mantém inalterado com manutenção de todos os consectários de juros e multa.
Outrossim, o parcelamento constitui uma modalidade de moratória, que de acordo com o artigo 155-A do CTN é concedido na forma e condição estabelecidas em lei específica. Nesse sentido, o NJP também não se amolda ao conceito de parcelamento, porquanto a sua forma e condição não se encontram estabelecidas em lei, mas sim em acordo individual celebrado entre a Fazenda Nacional e o contribuinte.
Justamente por não se enquadrar nos conceitos de moratória e parcelamento, a celebração de NJP que estabeleça plano de amortização não suspende, de imediato, a exigibilidade do crédito tributário. Por essa razão, para que o contribuinte obtenha a suspensão dos atos de cobrança é necessário que tal condição reste expressamente estabelecida no âmbito do próprio NJP, para que a Fazenda Nacional formalize tal requerimento em juízo.
Portanto, apesar de a arrecadação das contribuições previdenciárias de forma não delongada ser importante para higidez do financiamento da seguridade social, nos casos em que o contribuinte não possui condições de celebrar parcelamento ou transação para liquidar o débito em até 60 meses, a celebração do NJP, a fim de ajustar a solução para a especificidade da causa, pode significar uma alternativa de cooperação que, ao fim e ao cabo, garante a arrecadação do crédito tributário em benefício da sociedade.
[1] SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 655.