Nos últimos dias, acompanhamos, novamente, o envolvimento de influenciadores digitais em campanhas publicitárias de empresas acusadas de estelionato e prática de fraudes. Dessa vez, os influenciadores recebiam patrocínios para divulgarem jogos de azar desenvolvidos por uma plataforma de apostas, atividade considerada ilegal no Brasil pelo Decreto-Lei 9.215 de 1946.
É nesse contexto que volta à tona o debate de uma importante questão: é necessário regulamentar o marketing promovido por influenciadores digitais?
Em 2023, a França se tornou o primeiro país europeu a possuir legislação específica para regular conteúdos publicados por pessoas que realizam as atividades de influência comercial por meios eletrônicos. A Loi nº 2023-45[1] define como influenciadores as pessoas que, mediante pagamento, mobilizam a sua notoriedade junto a seu público para comunicar, digitalmente, conteúdos destinados a promover, direta ou indiretamente, bens, serviços e quaisquer outras atividades de influência comercial (artigo 1º).
Em seus posts e stories, os influenciadores digitais franceses devem indicar de forma clara, legível e identificável, a menção “publicidade” ou “colaboração comercial” durante toda a promoção, sob pena de configuração de prática comercial enganosa por omissão, suscetível a multa no valor de 300 mil euros e até dois anos de prisão.
Pela legislação francesa, os influenciadores estão proibidos de promover qualquer atividade, bem ou serviço relacionados, entre outros, a: (i) casa de apostas; (ii) tabaco ou qualquer item que contenha nicotina; (iii) procedimentos estéticos cuja prescrição seja exclusiva de profissionais da área da saúde e (iv) investimentos em criptomoedas ou outros ativos de risco (artigo 7º).
A Loi nº 2023-45 também determina que os contratos celebrados por pessoas que exerçam atividade de influência comercial digital sejam lavrados por escrito e contenham, obrigatoriamente, cláusulas com informações relativas à identidade das partes, a natureza dos serviços contratados, a remuneração recebida como contrapartida, direitos e obrigações e a submissão da relação contratual à legislação francesa, sob pena de nulidade (artigo 8º).
Um dos mais interessantes aspectos do regramento francês é a expressa responsabilidade civil solidária do influenciador digital e, até mesmo, de seus agentes, por danos causados a terceiros na execução do contrato de influência comercial (artigo 8º, inciso III).
Constata-se que o objetivo principal do legislador francês é disciplinar a atividade dos influenciadores digitais tanto para resguardá-los juridicamente, quanto para melhorar os aspectos de segurança e confiança dos consumidores. Para isso, a lei francesa atribui até mesmo aos serviços de hospedagem a obrigação de implementar mecanismos de notificação para denúncia e remoção de conteúdos ilícitos.
Apesar do CONAR já ter elaborado guia de publicidade por influenciadores digitais, obrigando que os anúncios fossem sinalizados com menção a termos como “publicidade” ou “conteúdo pago”[2], não há no Brasil regramento legal específico para a responsabilização civil dos influenciadores digitais.
A solução encontrada pelo judiciário tem sido a aplicação extensiva do conceito de relação de consumo e a consequente aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Por serem pessoas com público fiel e confiança de seus seguidores, os influenciadores digitais têm sido considerados como fornecedores equiparados, atuando como intermediários da relação principal e, como consequência, devendo responder solidariamente aos demais envolvidos na veiculação da oferta (art. 7º, § único do CDC).
É nesse exato sentido que tem se firmado o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, por entender que a responsabilidade acerca de uma publicidade se estende àqueles que a veiculam e dela se aproveitam, com base nos artigos 30, 35 e 37 do Código de Defesa do Consumidor.
A aplicação pura e simples da legislação consumerista, sem regramento específico para os influenciadores digitais, acaba prejudicando esse mercado, que tem se mostrado importantíssimo para as relações de consumo atualmente[3]. A falta de regramento específico acaba por diminuir a segurança jurídica de ambos os lados, visto que a responsabilização acaba por depender de interpretações e aplicações extensivas de conceitos que não se amoldam às relações vividas dentro da internet.
Afinal de contas, é deveras forçoso e frágil atribuir a responsabilidade civil consumerista aos influenciadores, que apenas atuam na divulgação, por eventuais falhas na prestação do serviço ou na qualidade dos produtos. Para que exista essa responsabilidade, exige-se que determinado agente faça parte da cadeia de produção/consumo, o que atualmente ocorre por equiparação.
E mais, no caso de divulgação, assim como ocorre com veículos tradicionais de publicidade, como jornais, revistas e propagandas na televisão, o próprio Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 36, determina que o ônus da veracidade das comunicações publicitárias pertence a quem as patrocina, afastando, portanto, que um veículo de comunicação seja responsabilizado por campanhas publicitárias que não são de sua autoria.
Nesse sentido, cabe ao legislador observar e aprender com os regulamentos e legislações que vêm sendo criados por outros países , não só para proporcionar segurança jurídica aos influenciadores digitais, com regras claras de seus deveres, obrigações e penalidades, mas também – e principalmente – aos seus seguidores, que terão mais informação e mecanismos não só para distinguir uma indicação gratuita de um conteúdo pago, mas também para buscar, junto ao judiciário, reparação civil pelos danos eventualmente sofridos.
Para o sociólogo Zygmunt Bauman, a característica mais proeminente e singular da sociedade pós-moderna, ainda que disfarçada, é a transformação dos consumidores em mercadorias[4], ou seja, ninguém compra nada sem antes ser um produto. Assim, enquanto não houver regras claras que disciplinem, minimamente, esse pujante mercado, continuaremos a vivenciar episódios de banalização da responsabilidade, ainda que moral, de influenciadores junto a seus seguidores.
[1] Disponível em: https://www.legifrance.gouv.fr/jorf/id/JORFTEXT000047663185 Acesso em 19.12.2023.
[2] CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária). Guia de publicidade por influenciadores digitais. 2021. Disponível em: http://conar.org.br/index.php?codigo&pg=influenciadores Acesso em 19.12.2023
[3] O mercado global de marketing de influência deve crescer 16,9% este ano, após crescer outros 21,5% em 2022. Disponível em: https://www.ecommercebrasil.com.br/noticias/marketing-de-influencia-estudo-traz-projecoes-positivas-para-2023-e-diversos-insights Acesso em 19.12.2023.
[4] BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2008.