Este artigo marca meu retorno ao JOTA após um hiato motivado pelo nascimento do meu segundo filho. Como tantas mulheres que equilibram carreira e maternidade, vivo o desafio da retomada — um processo repleto de mudanças, ajustes e aprendizados. Não há uma experiência única. A transição é moldada por subjetividades, pelo ambiente profissional, pelas estruturas econômicas e sociais e pelas pessoas com quem compartilhamos essa jornada.
A maternidade é uma experiência que impacta profundamente a trajetória profissional, mas está longe de ser a única. Apaixonar-se, escrever uma tese, mudar de país, cuidar de um familiar, enfrentar um câncer, lidar com a depressão — há inúmeras circunstâncias que exigem adaptações. Algumas são escolhas conscientes, fruto de planejamento. Outras são imprevistos da vida. Todas implicam renúncias. Todas, de alguma forma, também nos humanizam.
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Ao lidar com as consequências das minhas próprias escolhas, aprendi que a palavra escolha vem do latim ex-coligere. O termo remete mais ao que se deixa de colher do que ao que se seleciona. Para escolher algo, abre-se mão de muitas outras possibilidades. Escolher é, necessariamente, renunciar.
Esse aspecto, no entanto, é frequentemente ignorado nos discursos de que “lugar de mulher é onde ela quiser” ou “mulheres podem ser tudo o que quiserem”. Sim, podem e devem ser. Mas esses bordões encorajadores, repetidos a cada 8 de março, trazem uma armadilha sutil: a ideia de que é possível exercer com perfeição todos os papéis, ao mesmo tempo, sem perdas.
Isso não é verdade. A premissa de que mulheres podem ocupar, sem impacto, todos os espaços profissionais e pessoais cria uma pressão adicional sobre elas — e deposita nas organizações, públicas ou privadas, a expectativa de que ofereçam soluções que simplesmente não existem.
Isso não significa que nada possa ser feito para tornar menos onerosa a escolha de ter filhos e seguir trabalhando. Há escolhas, inclusive para as organizações. Escritórios de advocacia, assim como empresas, podem adotar boas práticas para mitigar impactos e tornar as transições mais equilibradas.
A chegada de um filho na trajetória profissional ainda recai de forma muito desigual sobre homens e mulheres. Há quem aposte que para sempre será assim. Embora ambos passem pela transformação, as experiências não são de fato equivalentes. Para dizer o mínimo, a gestação, o puerpério e a amamentação impõem mudanças físicas e emocionais intransferíveis. Ainda assim, cientes dessas diferenças, os escritórios têm um papel relevante a desempenhar.
No nosso escritório, temos atuado de maneira estruturada para fortalecer a presença feminina e garantir que a equidade seja uma realidade em todas as etapas da gestão. Criamos o Comitê Manesco Mulher em 2016 e, desde então, implementamos ações como mentorias internas e programas para impulsionar carreiras femininas na advocacia. Também adotamos medidas concretas para tornar as transições profissionais mais justas, como licenças estendidas para pais e mães, horários flexíveis para homens e mulheres e garantia de manutenção proporcional de bônus.
Além disso, nossas estratégias de avaliação de desempenho levam em conta os períodos de ausência. Somos signatários dos Princípios de Empoderamento das Mulheres (WEPs) do Pacto Global da ONU e implementamos iniciativas voltadas à inclusão e diversidade. Entre elas, políticas de compras com foco em equidade e rodas de conversa que criam um espaço contínuo de diagnóstico e aprimoramento do ambiente de trabalho.
Não somos os únicos nem os primeiros. Muitos outros escritórios têm iniciativas igualmente relevantes. Essas ações, quando estruturadas e comprometidas com mudanças reais, ajudam a construir um ambiente mais acolhedor para as novas vidas — não apenas a do bebê que nasce, mas também a dos pais e mães que se transformam com a chegada de um filho.
Independentemente do caminho escolhido, toda decisão implica renúncias, e nenhuma estrutura pública ou privada pode eliminá-las. Seguimos batalhando para aprimorar essas redes de apoio, mas é essencial não ignorar que, inerente a toda escolha, há uma renúncia; que não há emplastro mágico para desafios que fazem parte da vida — ou de uma nova vida.
Seja ao optar por ter filhos ou não, devemos nos apropriar de nossas escolhas e lidar com suas consequências de forma consciente, sem esperar que políticas ou programas possam neutralizar totalmente seus impactos. Isso não significa deixar de cobrar e construir condições mais justas para seguir suas trajetórias profissionais.
Com tudo isso em mente, desejo às mulheres coragem e lucidez para fazer suas escolhas, com ou sem novas vidas pelo caminho. Não há receita única para a felicidade. Lembremos: há mil caminhos que nos levam a Roma.