O Ministério Público Federal (MPF) elaborou um parecer favorável à autorização judicial para o plantio, cultivo, extração, beneficiamento e distribuição do óleo de cannabis sativa L para fins terapêuticos. O posicionamento do órgão faz parte de uma ação movida pela Associação Canábica em Defesa da Vida (Maleli).
De acordo com o MPF, é irrazoável obrigar o paciente e seus familiares a importarem, a altíssimos custos, um produto de baixa tecnologia que pode ser produzido no Brasil. Para o Ministério Público, entraves ideológicos em torno do estigma envolvendo o uso da planta devem ser superados. ”A cannabis é um vegetal com propriedades medicinais e deve ser assim tratado”, afirma.
No parecer do procurador regional da República Marlon Alberto Weichert, ele cita que a maioria dos pacientes só consegue acesso aos produtos da cannabis através de doações ou importações emergenciais. Segundo ele, algumas pessoas às vezes também buscam socorro na ilegalidade, correndo o risco de serem denunciadas ou de interromperem o tratamento.
O parecer elaborado pelo MPF destaca que a Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), ao mesmo tempo em que proíbe o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, prevê que o Ministério da Saúde pode autorizar o plantio, a cultura e a colheita desses vegetais mediante fiscalização.
”De sua parte, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou duas resoluções: a 3, de 2015, pela qual o CBD passou a constar da Lista C1 (Lista de Outras Substâncias Sujeitas a Controle Especial), não sendo mais elencada como substância proscrita; e a 66, de 2016, que permitiu, às pessoas físicas, a importação de produtos que contenham as substâncias canabidiol e/ou tetrahidrocannabinol (THC), em caráter de excepcionalidade, para tratamento de saúde”, ressalta o órgão.
Dificuldades de acesso e benefícios da cannabis aos pacientes
Apesar das resoluções da Anvisa, o MPF cita no parecer as dificuldades relatadas pelos pacientes para obtenção dos medicamentos por meio de importação devido ao ”caro e burocrático processo ao qual precisam se submeter”.
”O paciente tem de remeter à Anvisa vasto rol de documentos e aguardar a análise do pedido. Obtida a autorização, precisa realizar a compra do produto por meio de sítios eletrônicos estrangeiros, cujos valores geralmente são muito elevados e sem qualquer garantia de qualidade. Por fim, após esperar por semanas pela chegada do produto, ainda é necessário aguardar o desembaraço aduaneiro”, menciona.
O MPF também ressalta que não somente o CBD tem efeitos medicinais, mas também os outros mais de 500 compostos químicos presentes na planta, entre terpenos, fenóis e inclusive o THC, e que a atuação conjunta dos seus efeitos no organismo é que vai determinar a linha terapêutica a ser apontada pelo médico, a depender da enfermidade. ”E para isso, plantio, cultivo, extração e beneficiamento da planta são os mais indicados”, destaca.
O órgão ainda menciona a nota técnica “Estado atual das evidências sobre usos terapêuticos da cannabis e derivados e a demanda por avanços regulatórios no Brasil”, publicada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em abril deste ano. Na nota técnica, a Fiocruz firma que as pesquisas com maior nível de evidência são conclusivas ou substanciais quanto à segurança e eficácia na redução de sintomas e melhora do quadro de saúde nos casos de dor crônica, epilepsia refratária, espasticidade, náusea, vômitos, perda do apetite e transtornos neuropsiquiátricos.
Condicionantes do pedido
O Ministério Público, ao fim do parecer, sugere algumas condicionantes que podem ser fixadas pela Justiça ao conceder a autorização para o plantio e extração do óleo da cannabis pela Associação.
Dentre elas, está a fixação da obrigatoriedade de assunção de responsabilidade técnica por farmacêutico responsável, tal como ocorre com qualquer outra atividade de produção e dispensação de medicamentos. Além disso, o MPF sugere que deve ser fixada a obrigação de definição precisa do local de plantio da cannabis e do laboratório de destilação dos óleos essenciais.
Também foi sugerido pelo MPF que a Maleli mantenha controle formal sobre o plantio, a produção e a destinação dos produtos, inclusive de eventuais excedentes para fins de controle de seu uso exclusivamente na finalidade terapêutica. O órgão ainda propõe que a Maleli também não pode funcionar como mera dispensadora de produtos, mas sim como entidade de acolhimento do paciente, sob coordenação de um profissional de saúde de nível superior, preferencialmente um enfermeiro ou um biomédico.
Por fim, sugeriu que a Associação mantenha controle periódico de qualidade da produção – genética, estabilidade e análise microbiológica – com laboratório autônomo, preferencialmente com uma universidade pública.
Entenda a ação movida pela Maleli
Na Ação Civil Pública 5000610-23.2021.4.03.6111, a Maleli fez um pedido de tutela de urgência em caráter antecedente contra a União e a Anvisa com o propósito de assegurar à Associação o direito de plantar, cultivar e processar, nos limites de sua sede, o vegetal Cannabis, para fins de extração de mistura de princípios ativos necessários e cientificamente reconhecidos como sendo de alta eficácia para a prevenção e tratamento de graves e/ou incapacitantes enfermidades; bem como
No processo, a Maleli sustenta que atualmente possui mais de 300 associados, todos devidamente cadastrados para fins associativos e que a maioria dos pacientes canábicos somente consegue acesso aos produtos derivados da cannabis por meio de doações, importações emergenciais, com a ajuda de outros pacientes, ou, quando muito, socorrendo-se da ilegalidade.
Aduz, ainda, que o gasto mensal com o óleo medicinal de cannabis importado resulta em custo médio elevado e que os medicamentos brasileiros comercializados têm valor elevado. Na ação, a Maleli também pede que a Anvisa seja compelida a exercer controle sanitário para o desenvolvimento de boas-práticas de plantio, cultivo e extração do vegetal referido, para o propósito de garantir sua qualidade aos destinatários.
No mérito, a Anvisa disse que há norma específica que estabelece critérios e os procedimentos para acesso de produto derivado de cannabis, com as restrições e cautelas esperadas para disciplina de um produto ainda não profundamente conhecido. Ressalta também que o acesso legal e regular permitido pressupõe que o produto derivado de Cannabis esteja na forma terminada e não natural.
Em contestação, a União citou a regulamentação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), de modo que ”não existe comércio autorizado de sementes de maconha para que o mesmo realize o plantio”.
No parecer, o MPF se manifestou a favor da suspensão da ação da Maleli até o julgamento definitivo da ação do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Porém, o procurador Marlon Weichert já antecipou seu parecer, opinando que, assim que o STJ encerre a suspensão dos processos, o recurso da Maleli seja aceito e o julgamento do mérito da ação, retomado. Além disso, o MPF quer que, ao fim do julgamento, a Maleli seja autorizada a plantar, cultivar, extrair, beneficiar e distribuir o óleo de cannabis sativa L para atendimento dos seus associados.