MP 1202: judicialização do limite à compensação pode esbarrar em precedentes

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A limitação à compensação de créditos tributários decorrentes de decisões transitadas em julgado tem preocupado empresas, que já buscam escritórios de advocacia para saber o impacto da mudança nos valores que têm a compensar. A judicialização da MP 1202/23, neste ponto, é dada como certa. O principal questionamento diz respeito à possibilidade de aplicação da restrição às compensações relacionadas a processos que transitaram em julgado antes da edição da medida, em dezembro de 2023.

É preciso saber, porém, como se comportará o Judiciário ao analisar o tema. Tributaristas se dividem ao apontar o impacto de uma decisão tomada em recurso repetitivo pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 2010, por meio da qual a corte decidiu que, nos casos de compensação, devem ser seguidas as regras vigentes no momento do “acerto de contas” entre fisco e contribuinte. Apesar de o precedente ter sido firmado em um contexto favorável às companhias, o repetitivo poderia embasar o argumento a favor da limitação das compensações relacionadas a processos judiciais sem trânsito em julgado antes da MP 1202.

Editada em 29 de dezembro, a MP 1202 limita as compensações, reonera gradualmente a folha de salários e extingue os benefícios fiscais do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse). Em relação às compensações, serão limitados os valores superiores a R$ 10 milhões. Nestes casos, de acordo com a Portaria Normativa MF 14/24, o contribuinte terá entre 12 e 60 meses para realizar a compensação, a depender do valor devido.

A medida tem um evidente viés de proteção aos cofres públicos, principalmente em resposta ao impacto que a tese do século (exclusão do ICMS da base do PIS/Cofins) acarretou. A ideia da Fazenda é diluir as compensações ao longo do tempo, evitando grandes dispêndios e trazendo previsibilidade às contas públicas.

Essa, entretanto, não é a primeira vez que esse tipo de solução é utilizada na seara tributária. A mesma ideia motivou a imposição de uma trava anual de 30% para aproveitamento de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa de CSLL pelos contribuintes.

No caso da trava de 30%, o objetivo era evitar que, após um período de resultados negativos, os contribuintes não ficassem um longo período sem recolher o IRPJ e a CSLL. Assim, foi fixado um limite anual de utilização do prejuízo fiscal e da base negativa de CSLL.

A trava já foi considerada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que chancelou tanto a sua existência (RE 591340) quanto a sua aplicação no caso de extinção da empresa (RE 1357308). Foram afastadas as alegações de que a limitação corresponderia a empréstimo compulsório não autorizado pela Constituição ou que ela restringisse o direito de utilização dos prejuízos pelos contribuintes.

O advogado Thales Stucky, do Trench, Rossi e Watanabe Advogados, porém, destaca que há algumas diferenças entre o debate sobre a trava de 30% e a limitação trazida pela MP 1202. “[Em relação à trava de 30%] estávamos tratando de uma violação ao conceito de renda para fins de apuração do Imposto de Renda. [Na MP 1202] temos uma discussão um pouquinho diferente, que é a limitação do contribuinte de usar um crédito tributário já reconhecido judicialmente para pagar débitos líquidos e certos”, diz.

Judicialização

Em relação à restrição trazida pela MP 1202, um dos elementos que pode vir a ser judicializado é a possibilidade de aplicação da mudança a compensações referentes a processos anteriores a dezembro de 2023, quando a medida foi editada. Dito de outra forma, há quem defenda que a alteração só valeria nos casos em que o direito à compensação, ou seja, o trânsito em julgado do processo tributário, ocorreu após a vigência da MP 1202.

“Não há, a priori, inconstitucionalidade em se restringir compensações, mas não pode haver restrição a um direito de compensar se [o contribuinte] já conseguiu o reconhecimento desse direito no Poder Judiciário”, defende o advogado André Mendes Moreira, do Sacha Calmon Misabel Derzi Consultores e Advogados.

Tributaristas consultados pelo JOTA narram que têm sido procurados por empresas interessadas em buscar a Justiça. Há, ainda, um sentimento de injustiça pela mudança promovida pela Medida Provisória.

“O contribuinte foi prejudicado por anos a fio pagando um tributo que não era devido. Ele consegue a confirmação disso na Suprema Corte, mas não pode compensar ou restituir?”, questiona a advogada Camila Tapias, do Utumi Advogados.

Em caso de judicialização sob esse aspecto, um precedente que deverá ser levado em consideração é o REsp 1164452, analisado sob o rito dos repetitivos no Tema 345. Na ocasião, por unanimidade os ministros consideraram que “a lei que regula a compensação tributária é a vigente à data do encontro de contas entre os recíprocos débito e crédito da Fazenda e do contribuinte”.

Em outras palavras, foi entendido que, no caso de compensação, devem valer as normas vigentes na data em que o contribuinte efetivamente compensar os valores.

Segundo Thales Stucky, a jurisprudência foi formada em favor dos contribuintes. O tema chegou ao Judiciário após empresas alegarem que teriam direito a realizar compensações com quaisquer tributos administrados pela Receita Federal, nos moldes da Lei 10.637/02, mesmo nos casos em que a MP que deu origem à norma (66/02) fosse posterior ao processo judicial relacionado ao crédito. Antes dessa lei, os contribuintes só podiam compensar tributos com outros da mesma espécie. Por exemplo, Cofins só poderia ser compensado com Cofins etc.

Para André Mendes Moreira, porém, o precedente não deve ser aplicado à restrição trazida pela MP 1202. “Aplica-se a legislação vigente na data da compensação desde que essa legislação não tenha sido editada posteriormente ao trânsito em julgado para restringir o direito já reconhecido pelo Judiciário”, defende.