Um grupo de empresas privadas, sem respaldo legal, impõe prejuízos econômicos a quem atua dentro dos limites da lei. É isso que representa a moratória da soja, que vem penalizando produtores rurais — sobretudo pequenos e médios — ao impedir a comercialização de safras cultivadas em áreas legalmente aprovadas e ambientalmente regulares, em total observância ao Código Florestal e leis ambientais brasileiras, que, por sinal, são as mais restritivas e protetivas do mundo.
Formalizada entre grandes tradings e entidades privadas, a moratória opera como uma restrição de mercado imposta à margem da legislação brasileira. Sem ter sido debatida no Congresso Nacional ou em assembleias legislativas, passou a ditar, de forma unilateral, onde se pode ou não produzir, mesmo em propriedades plenamente regulares do ponto de vista ambiental.
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Na prática, criou-se um sistema paralelo de regulação, conduzido por grupos econômicos com alto poder de mercado, que impõem critérios próprios a milhares de produtores — sem qualquer base jurídica e sem controle institucional.
Em estados como Mato Grosso, os impactos são expressivos. Estima-se que os prejuízos diretos da moratória ultrapassem R$ 20 bilhões anuais, com efeitos indiretos que superam R$ 60 bilhões na economia local. Soma-se a isso a restrição de acesso ao crédito, ao seguro rural e à compra de insumos. Agricultores que cumprem a lei, com áreas registradas e compromissos ambientais atendidos, acabam excluídos por decisões coordenadas pelas empresas privadas, que agem como típico cartel de compras.
A assimetria se agrava entre os pequenos e médios produtores, que dispõem de menos recursos para se adaptar às exigências arbitrárias e ilegais da moratória, têm menor acesso a certificações privadas e menor poder de barganha nas negociações comerciais. O resultado é a ampliação de desigualdades sociais e a concentração de mercado.
Ao restringir quem pode produzir e vender legalmente, a moratória favorece grandes grupos econômicos e estabelece barreiras artificiais à livre concorrência. Viola, assim, um princípio basilar da Constituição: o da livre iniciativa. Trata-se de um arranjo informal, típico de um cartel de compra, que nunca passou pelo crivo da sociedade ou de instâncias públicas, mas que interfere diretamente na organização de uma das principais cadeias produtivas do país.
Esse caráter restritivo levou representantes do Senado e da Câmara e entidades como Aprosoja-MT e Confederação Nacional da Agricultura (CNA) a apresentarem representação ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que analisa se o acordo configura prática anticoncorrencial.
A representação, na essência, demonstra uma coordenação entre as tradings controladoras de mercado, que, de forma orquestrada, adotam os mesmos critérios de exclusão de fornecedores, sem fundamento legal, com impacto direto na dinâmica de mercado. Não é política pública ou de proteção ambiental: é uma decisão privada com efeitos estruturais e contrários à lei e à soberania nacional.
A contradição é evidente. Enquanto produtores em total conformidade com o Código Florestal são barrados, há registros de signatárias da moratória envolvidas em desmatamentos irregulares que não sofreram sanções equivalentes. A falta de critérios objetivos e transparentes torna o sistema incoerente — e, em muitos casos, injusto.
Outro aspecto crítico é a seletividade da medida. A moratória incide exclusivamente sobre a soja, ignorando outras culturas como milho ou algodão. Essa distorção favorece segmentos específicos e interfere nas decisões de investimento e diversificação, com consequências negativas para o planejamento agrícola nacional.
Logo, a retórica de que a moratória se preocupa com o meio ambiente cai por terra com a seletividade, pois basta o produtor, na mesma área, plantar e produzir qualquer cultura diversa da soja, que, assim, estará isento dos efeitos da moratória. Ou seja, é pura falácia que a moratória visa proteger o meio ambiente.
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Hoje, produtores que cumprem a lei veem-se obrigados a seguir exigências que não constam em nenhuma norma ambiental brasileira, mas que se tornaram, de fato, uma condição imposta para acessar os canais de comercialização dominados por conglomerados de empresas exportadoras, que controlam mais de 90% do mercado de commodities.
A gravidade institucional desse modelo é inegável. A moratória da soja criou uma instância paralela e controladora de regulação ambiental, com regras próprias, sem transparência ou controle público, mas com profundos efeitos econômicos, sociais e humanitários. O resultado é uma cadeia produtiva sufocada, com milhares de agricultores impedidos de competir em condições mínimas de igualdade.
A manutenção desse sistema compromete não apenas a competitividade da soja brasileira, mas também a segurança jurídica de todo o setor agrícola nacional, além de ferir a soberania nacional. O produtor rural que cumpre o Código Florestal e a Constituição Federal não pode ser tratado como irregular por exigências criadas por interesses privados. O Brasil não pode permitir que grupos econômicos supranacionais ditem, à margem da legislação nacional, os rumos de uma atividade essencial para o desenvolvimento do país.