Ministra Rosa Weber: marcas e vazios

  • Categoria do post:JOTA

A ministra Rosa Weber se aposenta do Supremo Tribunal Federal, mas nela deixa suas marcas. E também quatro vazios.

Começamos pelos vazios para encerrar com suas marcas. Assim podemos saber exatamente o que perdemos, mas também o que ficou.

O primeiro vazio é evidente. O vazio de gênero. O STF hoje é um tribunal mais desigual do que ontem e volta a ser extremamente desigual. Afinal, como bem apontou o professor Thomaz Pereira, o STF hoje tem mais ministros chamados Luiz do que ministras mulheres em toda a sua história (foram apenas três: Ellen Gracie, Cármen Lúcia e Rosa Weber).

O segundo vazio é o da discrição. A ministra Rosa Weber sempre adotou postura discreta, reservada e escorreita em toda a sua passagem pelo STF (em verdade, durante toda a sua judicatura). Sempre falou nos autos e por suas decisões. Manteve, assim, a irretocável postura que se espera de juízes: discrição e reserva. Reverenciou a institucionalidade e a ética não por suas falas, mas pela sua conduta pessoal e pelo exemplo de seus atos. O ministro Edson Fachin segue essa toada. E, por isso, esse vazio é também um legado.

Há ainda o vazio da coerência decisória. A ministra Rosa sempre buscou ser consistente na construção de seus argumentos jurídicos em seus votos. E nunca sucumbiu a pressões de ocasião. Como exemplo ilustrativo dessa coerência, especialmente em tempos difíceis e tormentosos, sem realizar qualquer juízo de valor sobre o teor das decisões tomadas, destacamos seus reiterados votos a favor dos direitos fundamentais sociais trabalhistas.

A reforma trabalhista empreendida pelo governo Temer foi feita durante uma conjuntura muito específica e particular – de crise, pós-impeachment e de realinhamento de forças econômicas que se valeram da peculiaridade do momento político para emplacar algo que dificilmente seria aprovado caso submetido a escrutínio ou voto popular. E o Supremo tem construído uma jurisprudência de chancela a esse movimento reformista, salvo pontuais exceções.

A ministra Rosa Weber, todavia, mostrou em seus votos como a carreira anterior na Justiça do Trabalho lhe talhou para bem compreender a regulação do capital e a garantia de direitos trabalhistas. E se opôs de forma coerente e firme a diversos dispositivos da reforma trabalhista. Assim como na discrição, também aqui foi ladeada pelo ministro Fachin. Mais um vazio que se sente, mas que ainda tem um dique a ser observado nisso que o professor Cristiano Paixão (UnB) tem chamado de prática desconstituinte de direitos[1].

O último vazio que se pode sentir é o de aglutinamento dos ministros em prol do colegiado do STF. Foi a ministra Rosa Weber quem conseguiu emendar o Regimento Interno do STF e aprovar a Emenda Regimental 58, em 19 dezembro de 2022, no apagar das luzes do ano judiciário. Poderia ser uma reforma administrativa desimportante no último dia antes do recesso. Não foi. Essa Emenda Regimental estabeleceu prazo para devolução dos pedidos de vista, com liberação automática para continuidade do julgamento caso o ministro vistor não devolva o caso antes do vencimento do prazo. Além disso, previu a obrigatoriedade de submissão imediata a referendo do plenário de medida cautelar concedida por ministro monocraticamente. Uma emenda que, promovendo autocontenção, exaltou a colegialidade do Supremo Tribunal Federal, buscando depositar na atuação colegiada e coesa a força de atuação da cúpula do Poder Judiciário.

Por fim, as marcas que ficam da ministra Rosa Weber. A reação aos ataques violentos e autoritários de 8 de janeiro de 2023 às sedes e funcionamento dos Três Poderes, a atuação em favor de minorias invisibilizadas e sua posição inarredável pela igualdade de gênero.

Em relação aos ataques de 8 de janeiro, a ministra Rosa novamente se manifestou de forma contundente e através de ações concretas. Convocou sessão extraordinária permanente no plenário virtual até o fim do recesso e se uniu aos demais Poderes para reagir institucionalmente às agressões. Reconstruiu o plenário destruído do STF para iniciar o ano judiciário com normalidade, tendo o inaugurado com posição firme em defesa da democracia. Ou seja, apesar da gravidade e violência, nem ela e nem o Supremo Tribunal Federal pararam.

Buscando atribuir voz a grupos invisibilizados, lançou a Constituição Federal em Nheengatu e a Convenção 169 em Kaiapó no contexto da Década Internacional das Línguas Indígenas das Nações Unidas. Pautou e concluiu o julgamento do RE 1.017.365 que discutia a conformação da posse tradicional indígena, tendo sido afastada a incidência de um marco temporal.

Também em sua judicatura no STF, a defesa de igualdade das mulheres. A ministra Rosa pautou e votou a ADPF 779, em que declarada à unanimidade a inconstitucionalidade da tese da legítima defesa da honra. Pautou a ADPF 442, votando pela descriminalização do aborto até 12 semanas. Um voto longo, sensível, bem fundamentado em que, independentemente da discussão que se possa fazer sobre o mérito, deixa nítido que ninguém é a favor do aborto, mas que outras respostas estatais, sobretudo jurídicas, podem e devem ser buscadas.

Ainda, em sua última semana de trabalho junto ao Conselho Nacional de Justiça, aprovou resolução que passou a exigir a consideração obrigatória de uma lista de juízas mulheres na promoção por merecimento para os tribunais. Afinal, no Brasil, juízas mulheres, apesar de comporem de modo quantitativo e significativo os quadros da magistratura, são pouquíssimas quando observada a composição dos tribunais. A ministra Rosa pavimentou um grande passo para corrigir essa desigualdade estrutural.

A ministra Rosa Weber se vai e deixa vazios e marcas. A metade vazia deste copo nos mostra que as faltas podem e devem ser preenchidas e superadas. A metade cheia nos ensina que há caminhos possíveis e promissores a serem trilhados. Ela nos mostrou e legou isso.

Um viva à ministra Rosa Weber, suas marcas e que seus vazios e legado apontem caminhos para novos começos pelo Poder Judiciário e pelo Supremo Tribunal Federal.

[1] Vide um conjunto de obras do professor Cristiano Paixão nesse sentido: PAIXÃO, Cristiano. Entre nostalgia e memoricídio: o Judiciário e a violação a Direitos Humanos no Brasil Contemporâneo. In.: RAMINA, Larrisa (Org.). Lawfare e América Latina: a guerra jurídica no contexto da guerra híbrida. Curitiba: Íthala, 2022. PAIXÃO, Cristiano. A democracia em ruínas e o futuro da Constituição. In.: Jornal GGN, 29 de setembro de 2022.