Meu Caminho de Santiago de Compostela: um convite à reflexão sobre vida e carreira

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Agosto de 2023: havia tomado uma grande decisão profissional ao deixar uma multinacional belga do setor de bebidas para um novo desafio como chefe da área de Compliance de uma outra empresa de grande porte e mesma nacionalidade, mas de distribuição de produtos químicos. No mesmo mês, também decidi testar meus limites em uma caminhada de 115 quilômetros em quatro dias.

O Caminho de Santiago de Compostela é uma experiência milenar, onde nossos limites físicos e emocionais são testados. Ele pode ser feito por percursos variados, mas escolhi fazê-lo em um trajeto que liga as cidades de Sarria a Santiago de Compostela na Espanha.

O mundo tem mudado, e muito! Quando falamos em carreira, estamos presenciando o quiet quitting[1] e job hopping[2]. Enquanto o primeiro é o fenômeno da demissão silenciosa, onde o indivíduo somente faz o básico e faz o mínimo necessário para evitar o burnout, o segundo trata do tempo médio de permanência nas organizações. Para mim, é assombroso constatar que jovens de 18 a 24 anos têm uma média de apenas 9 meses em uma empresa.

Há inúmeros aspectos que levam a permanecer por um período tão curto em uma organização ou fazer somente o necessário para se manter nela. Desde o excesso de cobrança e novas possibilidades que o mundo moderno oferece, passando pela baixa valorização e a própria ansiedade que não acompanha as possibilidades reais de evolução profissional. Ou até mesmo o nítido fracasso das empresas – nos seus mais variados tamanhos – em desenvolver o senso de pertencimento e propósito para reter talentos. Sinceramente, não sei o que é preponderante e já aviso este artigo não tem o condão de elucidar a questão.

Aqui, faço uma reflexão sobre o que pode ajudar a lidar melhor com os problemas que levam aos fenômenos citados. Não faço isso com a intenção de “lecionar” sobre o assunto, mas apenas compartilhar minhas experiências.

Quando decidi percorrer o Caminho, havia acabado de encerrar um capítulo importante na minha vida profissional. Foram quase dezessete anos no Jurídico de uma empresa de bebidas. Foi meu primeiro emprego e comecei logo após me formar em Direito na Universidade Federal de Juiz de Fora, minha cidade natal.

Nesse ciclo, tive a oportunidade de morar em quatro capitais e conhecer boa parte do Brasil. Em 2015, quando tive a oportunidade de cursar o mestrado em Berkeley, nos Estados Unidos, fui convidado para uma função global de Compliance na sede desta empresa, na Bélgica. Foram várias as dificuldades de adaptação, como o idioma, a cultura e a própria definição do que significa gerenciar risco jurídico em escala global. Confesso que, em alguns momentos, pensei que aquilo não era para mim e que não teria sucesso em uma carreira internacional.

Na caminhada na Espanha também foi assim: no primeiro dia andei 23 km de Sarria a Portomarín. Cheguei no fim da manhã cheio de dores e resolvi descansar durante o dia. Achei que não conseguiria completar os 115 km em quatro dias pois ainda faltava muito e eu já estava com os pés bem doloridos. Precisamos ficar atentos com a autossabotagem pois ela pode nos levar a perder oportunidades incríveis – minha carreira teria sido muito diferente se tivesse desistido da minha carreira internacional pelas dificuldades que encontrei no início.

No segundo dia andei 39 km de Portomarín a Melide. Cheguei no fim do dia e meus pés doíam muito – mesmo tendo parado algumas vezes no caminho. Ali, comecei a entender que poderia mudar a forma de caminhar e intercalar com corrida para poder aliviar as dores e render mais.

Ainda faltavam 53 km a serem percorridos em dois dias e agora parecia relativamente fácil, já que havia andado 39 km no segundo dia. Durante o caminho, porém, decidi que travaria uma batalha comigo mesmo para completar o trajeto até Santiago em um dia. Foi muito difícil. Andei de 6:00 até 20:30 e parei várias vezes para descansar e aliviar as dores. Cheguei a andar alguns quilômetros de chinelo e também corri para mudar a posição da pisada!

Pensar nos meios com o fim em mente é extremamente importante para chegarmos aos nossos objetivos. Às vezes perdemos muito tempo nas coisas que parecem ser urgentes mas não são importantes para atingir o que queremos. Muitos profissionais fazem a ‘virada de chave’ quando finalmente conseguem jogar o xadrez da estratégia de negócios, ao deixar de mirar em metas de curto prazo de forma isolada e, passando a unir todas elas em todo de um grande objetivo maior. Independentemente do seu nível profissional, qual é a sua estratégia de carreira? E de vida? Como está amarrando seus objetivos profissionais e pessoais?

Correlacionar pensamento estratégico com pensamento crítico, responder de forma assertiva aos feedbacks recebidos, ter escuta ativa e curiosidade – e humildade – para continuar aprendendo são boas ideias para começar. Mas isso tudo só faz sentido quando sabemos quem somos e o que queremos. Precisamos de tempo para refletir sobre o que nos faz bem para tentar colocar mais disso nas nossas rotinas.

A minha pequena jornada na Espanha também foi muito boa para refletir mais sobre a vida e a carreira. Pensei muito nos momentos bons e ruins que tive e conclui que, assim como no esporte, na carreira e na vida superamos obstáculos quando temos princípios fortes e atuamos proativamente naquilo que controlamos.

Podemos nos preocupar com diversas coisas, como o fato de não dominarmos um tema ou idioma específico ou termos que convencer pessoas que não conhecemos de que nossa opinião acerca de um assunto é a correta. Mas o mais importante é pensar em como responder proativamente a essas dificuldades e não somente reagir a elas. Ao sermos reativos, deixamos fatores externos nos controlarem. Se meus pés doem, eu paro de andar. Se meu chefe não gosta de mim, não vou conseguir evoluir na carreira. Todos nós estamos sujeitos a estímulos bons e ruins. O que diferencia as pessoas é como elas respondem (ou reagem) a eles.

Por acreditar que nos moldamos de acordo com nossas experiências,  agradeci por todos os estímulos – bons e ruins – que tive na vida e na carreira pois eles me fizeram chegar até aqui. Pode parecer clichê, mas acho que os ruins foram e são os mais importantes. Minhas maiores vitórias se deram quando decidi responder a situações adversas com algo que controlava como dedicação e disciplina (até andar de chinelo em uma trilha de pedra!). Por outro lado, me senti vulnerável e infeliz quando culpei fatos ou terceiros pelos meus infortúnios.

Voltando à caminhada e ao fechamento deste texto… Apesar de ter pensado em desistir várias vezes no terceiro dia, consegui completar o trajeto de 53 km e tive mais uma prova de que somos capazes de nos superar. Mas isso só acontece quando atuamos com integridade em busca dos nossos objetivos e nos dedicamos a responder, não reagir aos estímulos – sejam eles bons ou ruins. Quando focamos em superar ao invés de desistir!

Apesar de achar que o Caminho foi um acontecimento importante, estou certo de que não devemos esperar eventos como esse para refletir sobre nossos princípios e objetivos de vida e de carreira. E precisamos tê-los claros para que possamos olhar para trás, em cinco ou dez anos, e ver que valeu a pena ter investido tempo onde o fizemos.

[1] Veja sobre a demissão silenciosa na Forbes Brasil. Disponível em <https://forbes.com.br/carreira/2022/08/quiet-quitting-entenda-a-nova-tendencia-do-mundo-corporativo/>. Acesso em 11/11/2023.

[2] Descubra mais sobre a diminuição do ciclo de permanência em uma ocupação na Você RH. Disponível em <https://vocerh.abril.com.br/futurodotrabalho/job-hopping-tempo-medio-de-permanencia-no-emprego-diminui>. Acesso em 11/11/2023.