Foi lançado no último dia 15 de maio, o ebook “Se joga! Um guia prático para o cientista político se inserir no mercado de trabalho” pela Quarter Editorial em formato digital e gratuito. Como o título já revela, a ideia foi reunir várias dicas práticas de profissionais do mercado para os cientistas políticos, aí incluindo onde e como procurar vagas, como organizar seu currículo, como se preparar para a entrevista de emprego e outras questões similares. Para além da ausência de materiais similares, um dos motes do livro é a mudança do mercado para cientistas políticos nos últimos anos.
Em um passado não tão distante, era normal os estudantes de Ciências Sociais, no geral, e de Ciência Política, em específico, sentirem-se sem perspectivas de empregabilidade, pois não viam utilidade prática em seu aprendizado e o mercado igualmente não parecia valorizar esse conhecimento. O meio acadêmico, geralmente, era visto como a única saída possível.
Todavia, as coisas mudaram. Significativamente. Vivemos e sobrevivemos a uma pandemia mundial de um vírus mortal. Fomos obrigados a viver em um mundo de trabalho remoto e ensino virtual. Acima de tudo, vemos que a disponibilidade de dados em redes sociais, políticas públicas e em outras atividades desse nosso capitalismo de plataforma. A sociedade mudou significativamente desde 2020, e isso inclui o mercado de trabalho.
Entre as principais transformações encontradas, acreditamos que é importante enfatizar quatro, as quais têm uma relação direta com a habilidade de inclusão adicional da Ciência Política no mundo do trabalho:
o mercado passou a ser mais baseado em competências (skills);
o mercado passou a demandar mais habilidades de pesquisa (lidar com dados);
o mercado passou a lidar melhor com home office;
o mercado passou a valorizar questões relacionadas ao meio ambiente, à sociedade e à governança (environmental, social and governance ou ainda ESG).
Então, em primeiro lugar, o mercado passa a ser cada vez mais baseado em competências ou habilidades. O que isso significa exatamente? Entre outras coisas, que a graduação, em si, se tornará menos significativa para as contratações. Ou melhor, o mais importante será aquilo que o estudante aprendeu durante esse período. Em caso de uma boa formação, o estudante de Ciência Política terá competências em leitura, avaliação crítica, teoria política, teoria democrática, métodos quantitativos (incluindo noções de R), métodos qualitativos e análise de conjuntura política.
Esta capacidade de alinhar teorias, métodos e capacidade crítica está no centro das principais demandas do mercado. Empresas, organizações governamentais e não governamentais buscam profissionais que não apenas compreendam as estruturas político-sociais, mas que também possam aplicar esse conhecimento de maneira estratégica para o desenvolvimento de soluções, a tomada de decisões estratégicas e a gestão de crises.
Em segundo lugar, há tantos dados disponíveis em todos os lugares, o tempo todo que o mercado passou a requerer especialistas em dados, também chamados de “cientistas de dados”. Esta nova profissão, conforme o estudo ”Panorama das carreiras 2030: o que esperar das profissões até o fim da década”, será a mais importante para o mercado de trabalho brasileiro até 2030, conforme avaliação de 33% dos 477 profissionais entrevistados no estudo.
Apesar de já existirem formações de ciência de dados, elas não são pré-requisito para a maior parte das vagas. Portanto, elas demandam, na prática, conhecimentos sobre raspagem, coleta, tratamento e análise de dados, assim como capacidades em visualização e storytelling de dados. A tendência, conforme o estudo acima, é que essa demanda só cresça. Uma formação em Ciência Política certamente terá dado várias noções sobre como lidar com dados e como fazer pesquisas com alto rigor científico, geralmente superior inclusive às demandas do mercado.
Em terceiro lugar, por influência direta da pandemia, diversos escritórios físicos foram desmantelados e os funcionários passaram a atuar em home office. Após o fim da pandemia, tal uso teve uma queda natural, mas deve então se manter, com base nas sondagens empresariais e do consumidor do FGV Ibre.
Diversas organizações perceberam uma redução significativa de custos (especialmente de aluguel) e viram vantagens na possibilidade de contratar indivíduos que não estivessem apenas na cidade sede da empresa. Segundo a pesquisa, as empresas com funcionários em trabalho remoto reportam aumento médio de 23% na produtividade, enquanto 41% dos trabalhadores se consideram mais produtivos em home office.
Isso, entre tantas outras consequências, significou uma diversificação muito maior na oferta de vagas e a abertura de mercados consideravelmente maiores, como Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, não limitando mais os estudantes às suas regiões. Isso quando não há oportunidades fora do país.
Em quarto lugar, o mercado passou a valorizar ESG, ou ainda, environment, social, governance, vulgo, meio ambiente, social e governança. A pesquisa “Global Green Skills Report 2023” realizada pelo LinkedIn mostrou que faltam profissionais qualificados em ESG, enquanto o percentual para vagas na área aumentou 12,3% entre 2022 e 2023, assim como a oferta de vagas que exigem alguma competência verde (22,4%). Todas as grandes empresas têm políticas e ações de ESG e obviamente precisarão de profissionais qualificados para gerenciar, administrar e avaliar tais projetos. E é difícil imaginar uma demanda que esteja mais relacionada à Ciência Política, que aqui é positivamente influenciada pelas Ciências Sociais.
Finalmente, para além dessas quatro mudanças do mercado, podemos destacar a consolidação e expansão do mercado de Relações Institucionais e Governamentais, algo também acelerado pela pandemia de Covid-19. Aqui, estamos falando tanto de empresas nacionais e multinacionais que expandiram seus setores de RIG quanto de associações, ONGs, think tanks e empresas que foram criadas nos últimos anos com esse perfil. E a inserção de cientistas políticos também se consolida neste mercado. A survey presente na pesquisa “O Perfil dos Profissionais de Relações Governamentais” de 2023 evidencia que 25% dos profissionais atuantes na área tem graduação em Ciência Política. E por sua vez, a pesquisa da 5ª edição do Anuário Origem Latam 2023 já indica um aumento de mais de 11% de cientistas políticos nessa atuação.
Logo, se houve, de fato, alguma resistência à formação no passado, certamente isso mudou. O mercado já parece ter entendido que o cientista político geralmente tem boa formação metodológica e é capaz de lidar bem com diversos tipos de dados, oferecendo ainda capacidade crítica para tais análises e para questões que vão além disso, como o cenário político. Tudo isso em um só profissional. Ainda que o setor científico recupere os investimentos a patamares anteriores, não é viável e nem saudável que toda essa mão de obra qualificada seja absorvida unicamente pela pesquisa acadêmica.