Mercado de litigância e financiamento de litígios internacionais

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Recentes notícias de periódicos brasileiros retratam um interessante caso de escritório inglês que vem se notabilizando por forte exploração da litigância internacional para litígios ambientais ocorridos no Brasil e em outros países em desenvolvimento. As notícias na mídia dão conta de que tal escritório inglês foi denunciado na OAB por grandes bancas brasileiras, a despeito de uma narrativa sedutora de reparação internacional.

Aproveita-se da onda ESG (agenda do novo capitalismo internacional patrocinado pelo Fórum Econômico Mundial comprometido com questões sociais e ambientais) para construir uma história de responsabilização de empresas poluidoras e exploradoras perante cortes sérias, rápidas e imparciais (especialmente as inglesas).

Por limitação de escopo, a discussão sobre ESG pretendo tratar em outra coluna. Agora foco-me no mercado da litigância internacional ambiental, a partir das lentes da Análise Econômica do Direito, cujo aspecto mais interessante é o financiamento desse mercado de litigância, afinal, como dizia Friedman, “não há almoço de graça”.

Nessa toada, há notícias de que tal firma é financiada por fundos internacionais de litigância, o que poderia abrir um novo capítulo sobre a litigância financiada por terceiros e mesmo sobre litigância predatória contra empresas brasileiras, tendo em vista que empresas brasileiras precisam responder para a Justiça de outros países por atividades empresariais no Brasil e, sobretudo, danos ocorridos aqui.

Lembrou-me de quando estudei na Inglaterra. Havia uma teoria do forum shopping. Uma ideia de exportação da Justiça inglesa e, sobretudo, dos serviços jurídicos de escritórios ingleses. Na ocasião (e hoje não é diferente) não há mais uma indústria fabril pujante naquele país, então sobraram os serviços financeiros, securitários e jurídicos a serem ofertados no comércio internacional. 

Genial! Hoje, isso é importante componente do PIB inglês e de sua balança comercial. Escritórios ingleses faturam bilhões, muito mais que uma fábrica de automóvel, por exemplo.

É verdade que à época também havia uma teoria do forum non conveniens que servia, de alguma maneira, para contrabalançar a escolha de foro por razões puramente econômicas ou estratégicas para o autor – não para o réu. Ela parece agora inconveniente para a salvação internacional!

Mais uma vez, análise econômica pode esclarecer o tema e nos permitir compreender o fenômeno para além da aparente narrativa ESG (ou greenwashing?) de que escritórios estrangeiros e cortes inglesas cuidarão melhor do interesse dos brasileiros do que nossas cortes e advogados. 

Em primeiro lugar, não há qualquer evidência empírica de que nossas cortes sejam corruptas ou ineficientes de um ponto de vista comparativo internacional. Elas são compatíveis com nosso estágio de desenvolvimento econômico e social, sendo parte integrante de nossas instituições republicanas e democráticas.

Feita essa ressalva, como funciona esse mercado de litigância internacional? Como se financiam esses litígios? Quem está por trás desse movimento a fim de buscar lucro? A notícia que circula é que seriam fundos especializados. Não é novidade. Existem fundos que financiam a litigância contra companhias aéreas, a compra de precatórios, disputas trabalhistas e mesmo casos de arbitragem.

Vamos querer regular isso? Como sempre, a transparência costuma ser o melhor caminho. A Câmara de Mediação e Arbitragem da Câmara de Comércio Brasil-Canadá baixou uma resolução exigindo que o financiamento de um caso seja revelado para as partes e para os árbitros.

Ora, com muito mais razão, o financiamento de litígios ambientais, especialmente ocorridos contra empresas brasileiras no exterior, devem também ser revelados e tornados transparentes. A publicidade permitirá examinar o resultado desse movimento, havendo consideráveis estudos empíricos de que as class actions não resultaram em aumento de bem-estar dos consumidores (mais sim das firmas de advocacia que patrocinam essas causas).

Do ponto de vista econômico-regulatório, temos também que discutir paridade de armas. Como firmas brasileiras que têm forte regulação da OAB e absoluta proibição de organização em forma societária comercial poderão competir com firmas inglesas que permitem formatações mais dinâmicas e empresariais com injeção de capital financeiro?

Quando se permite o financiamento de litígios, as cortes brasileiras funcionam muito bem, tanto que o Poder Judiciário brasileiro é normalmente a opção para fundos internacionais no mercado de litigância na aviação e trabalhista. Em temas ambientais, a própria rigidez do Direito Ambiental brasileiro – que trabalha com regras de responsabilização objetiva e uma principiologia muito mais dura com empresas que no direito comparado – poderia funcionar muito bem para reparação se o financiamento fosse permitido. Mas há que se ter transparência a respeito.

Fico também pensando se autores neomarxistas não têm alguma razão em criticar esse expansionismo das cortes inglesas, que estão agora com uma pretensão de salvar o planeta. Parece até um processo de neocolonização. Fazer negócios agora significará usar seguro inglês, auditoria inglesa e direito inglês? Será que seremos regulados por reguladores ingleses também? Me agrada, mas isso precisa ser debatido.

Claro que para além do aspecto econômico, no campo político, o movimento antes descrito de litigância ambiental internacional implica uma perda de soberania. Afinal, se acidentes ambientais não puderem ser discutidos no Brasil, por cortes brasileiras aplicando o direito ambiental brasileiro, o que nos sobrará? Cortes inglesas definirão como devemos explorar nossos recursos naturais, sabidamente, a grande riqueza do país?

O governo brasileiro que se cuide. Apostaria que a Petrobras seria, novamente, a próxima vítima dessa litigância, caso haja problemas na exploração de petróleo na margem equatorial (aliás, alguém tem notícia de quanto o processo internacional contra a empresa melhorou o bem-estar dos brasileiros?). 

O passo seguinte seria o nosso agronegócio. Não tardará para que nossas empresas do agro sejam processadas pelo uso de defensivos agrícolas, por não seguirem padrões europeus etc.

Por essa lógica, será que não devíamos processar também governos e empresas estrangeiras no Brasil por toda a devastação ambiental que causaram em seus países no passado, sendo o nosso país muito mais vítima do que agente causador desse processo?

Será que tal escritório inglês não está disposto a defender os gaúchos contra empresas internacionais na Inglaterra, pelo recente desastre ambiental ocorrido no estado? Ele não vai processar também empresas russas e chinesas ou apenas faz isso contra países que não sabem cuidar de seus interesses?