Mercado de carbono no Brasil: regime jurídico e aspectos tributários

  • Categoria do post:JOTA

A humanidade, principal emissora de gases de efeito estufa, incentivou líderes globais a adotarem medidas sustentáveis, exemplificadas pela Conferência de Quioto (1997) e o Acordo de Paris (2015). O Brasil, ao ratificar o Acordo, comprometeu-se a reduzir emissões até 2025 e, na COP 26, distribui a meta de reduzir GEE em 50% até 2030. Este artigo analisa o mercado de carbono brasileiro, abordando leis, natureza jurídica, tributação e lacunas, revisões compreendendo o estágio atual e sugestões de melhorias.

Diante das lacunas no Acordo de Paris, como a falta de regulamentação direta para o mercado de carbono, o artigo questiona sobre a necessidade de cumprir metas para a venda de créditos e a tributação dessas transações. Além disso, explora a transição dos créditos do Protocolo de Quioto para o Acordo de Paris, destacando a responsabilidade da COP 26 teve em restabelecer regras para o mercado de carbono entre os países, conforme anunciado por Ovais Sarmad, vice-chefe de Mudanças Climáticas da ONU.

A COP-26, que ocorreu do dia 31 de outubro a 12 de novembro de 2021, findou essas questões que pairavam sobre o mercado de carbono global. Os países chegaram a um acordo sobre as normas fundamentais relacionadas ao artigo 6, com o intuito de tornar operacionalizável o Acordo de Paris. Pontos que geram insegurança sobre o investimento nesse mercado e criavam barreiras para a comercialização dos créditos de carbono foram resolvidos, a partir da criação do que foi chamado Livro de Regras Gerais para o artigo 6 do Acordo, quais sejam. 

O Brasil atualizou suas metas climáticas, comprometendo-se a reduzir emissões em 50% até 2030 e alcançar a neutralidade climática até 2050, com a meta de eliminar o desmatamento ilegal até 2028. Na COP-27, o foco foi o relatório do IPCC sobre os impactos das mudanças climáticas. As negociações sobre emissões de carbono limitaram-se, destacando questões específicas do Acordo de Paris, como confidencialidade nas transações e procedimentos para evitar dupla suspensão, o que impulsionou o mercado voluntário.

Regulação e aspectos jurídicos dos créditos de carbono no Brasil 

Em vigor desde 2009, a legislação que instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima diz que cabe ao governo editar norma com os procedimentos para os planos setoriais “visando a consolidação de uma economia de baixo consumo de carbono” para atender metas gradativas de redução de emissões de gases do efeito estufa em decorrência da atividade humana.

Somente em maio de 2022, o Brasil deu um primeiro passo na direção da regulamentação de um mercado doméstico de créditos de carbono, ao editar o Decreto Federal 11.075/2022. O decreto veio regulamentar a Política Nacional de Mudanças Climáticas (Lei Federal n. 12.187/2009), lei que elenca um conjunto de setores que deverão reduzir emissões de gases de efeito estufa (GEE). No entanto, o decreto foi alvo de muitas críticas e, com a mudança de governo, restou revogado.

O que se demonstra é que pouco se tem debatido sobre a divisão de “ônus” que a descarbonização irá gerar, sobre qual setor irá recair a descarbonização da economia, se essa meta será repartida entre as empresas, os Entes Federados? Conforme a nota técnica do Observatório de Bioeconomia da FGV, na transição econômica, questões como essas têm peso relevante e podem definir, em um mercado, “quem sai na frente e tem mais condições de ser competitivo e sobreviver no tempo, e quem deve arcar com custos da transição, por isso mesmo, deverá transformar seu modelo produtivo rapidamente, sob o risco de ter de fechar as portas em um futuro próximo.”

Outra grande questão sobre o mercado é a incerteza quanto a natureza jurídica dos créditos de carbono, a Lei 12.187/2009, que instituiu a Política Nacional Sobre Mudanças do Clima (PNMC).

O artigo 9º considera crédito de carbono como títulos mobiliários, e conflita com a Resolução CVM 120/22, que recentemente aprovou, no âmbito do mercado de capitais, o Pronunciamento Contábil Técnico CPC 39/IAS 32, conforme o conceito utilizado na Resolução, depreende-se que para o crédito de carbono ser considerado um ativo financeiro, as entidades responsáveis pelos projetos de redução de GEE, que originam os créditos certificados de redução de emissões (CCRE), deveriam continuar vinculadas aos referidos créditos, que lhes seriam oponíveis, o que não acontece na prática.

A correta classificação da natureza jurídica dos créditos de carbono é fundamental, pois consoante a natureza jurídica, difere a incidência tributária sobre a operacionalização do crédito. 

Se os créditos de carbono são classificados como ativo financeiro, logo, considera-se que a sobre sua comercialização ter-se-ia a incidência do IOF, uma vez que este tributo incide sobre as “operações de crédito, câmbio, seguro, e relativas a títulos ou valores mobiliários.”

O Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) é previsto na Constituição da República, no art. 153, V, regulamentado pelo Decreto n. 6.306/2007, o qual determina, sua hipótese de incidência, sujeito passivo e sobre quais operações este irá incidir.

É um imposto de competência federal, cabendo à União fazer sua arrecadação, tem como característica principal a extrafiscalidade, ou seja, é um instrumento regulador de mercado, não possui um cunho exclusivamente arrecadatório, tendo como objetivo primordial o estímulo ou desestímulo de determinados comportamentos por parte do setor econômico. 

Por ser um ativo financeiro não incide Imposto de Importação, uma vez que segundo o artigo 153, inciso I, da Constituição Republicana de 1988, compete à União instituir impostos sobre importação de produtos estrangeiros, sendo produto, aquilo que tenha sido alvo de fabrico, que tenha sido fabricado ou produzido, que tenha natureza física.

Desse conjunto não fazem parte os bens de natureza incorpórea ou intangível. Dessa forma, em suma, não há como haver ocorrência do fato gerador do imposto de importação (a entrada de produtos estrangeiros no território nacional) na emissão de crédito de carbono. Segue-se o mesmo raciocínio em relação ao Imposto de Importação, pois segundo o artigo 153, inciso II, da Constituição Republicana de 1988, compete à União instituir impostos sobre a exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados e os créditos de carbono não podem ser classificado como tal. Não sendo mercadoria, também não haverá incidência do ICMS e nem IPI.

Para o IRPJ e CSLL, a Receita estabelece uma presunção de 32% na apuração do lucro presumido, enquanto PIS e Cofins são isentos para receitas de cessão ao exterior, conforme Solução de Consulta n. 192 – SRRF06/Disit. O entendimento é respaldado pelo art. 17 da Lei 14.119/2021, que isenta valores recebidos por serviços ambientais, incluindo possivelmente o crédito de carbono, de tributação, abrangendo IR, CSLL, PIS/Pasep e Cofins. Quanto ao ISSQN, dúvidas persistem devido à ausência de “cessão de serviço” nas operações de comercialização de créditos de carbono, excluindo a incidência do tributo municipal.

Plano de Transição Ecológica: aspectos tributários  

Diante da recente mudança de governo, teve-se uma grande mudança sobre a importância da pauta ambiental, que estava estacionada no comando do governo anterior, e passou a ser prioridade, dando início ao Plano de Transição Ecológica (PTE). 

Em paralelo ao PTE tramitam diversos projetos de lei que tratam do estabelecimento de mercado de carbono no Brasil para tratar da criação do sistema de comércio de carbono. Estando em discussão o substitutivo do PL 412/2022.

O substitutivo propõe o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) para regulamentares o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), com ênfase em aspectos tributários. A tributação dos ganhos com créditos de carbono varia para pessoas físicas e jurídicas, permitindo deduções específicas. O cancelamento voluntário de créditos oferece benefícios na apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL. O substitutivo do PL 412, de 2022, busca uma estrutura tributária que incentive a participação das empresas no mercado de carbono, promovendo o desenvolvimento sustentável e a redução de emissões no Brasil.

Conclusão

Em suma, a instabilidade do mercado de carbono, seja no âmbito regulado ou voluntário, é reflexo de lacunas legislativas existentes e das divergências políticas que acabam impedindo aprovação de uma lei que regulamente o mercado. A recente regulamentação do artigo 6 do Acordo de Paris na COP-26 trouxe certa estabilidade no âmbito internacional, mas desafios persistem, especialmente no Brasil. 

A falta de um marco regulatório claro e a indefinição quanto à natureza jurídica dos créditos de carbono geram insegurança jurídica e dificultam o cumprimento das metas de neutralidade climática, bem como geram insegurança jurídica em relação à política tributária diante da falta de clareza sobre qual tributo deve incidir sobre esses créditos, ou se devem incidir, uma vez que estamos diante de uma externalidade positiva. A aprovação de uma lei que oferece previsibilidade e diretrizes claras é crucial para incentivos a investimentos de longo prazo e promover a descarbonização, evitando prejuízos para entidades federativas e para os contribuintes.