Etapa marcada por preconceitos, inúmeros sintomas e tabus na vida das mulheres, a menopausa carrega também outros desafios como a escassez de opções de medicamentos, fragilidades no Sistema Único de Saúde (SUS) e até protocolos médicos desatualizados para tratar os sintomas da fase de baixa hormonal.
O assunto se faz importante com a crescente população feminina entrando nessa fase nos próximos anos em razão do avanço da longevidade populacional. Estima-se que 1,2 bilhão de mulheres estejam na menopausa ou pós-menopausa até 2030[1], segundo estudo do Departamento de Dinâmica Populacional, da Universidade Johns Hopkins.
“A mulher passa hoje 40% da sua vida em regime de pós menopausa”, informa o médico Nilson Roberto de Melo, presidente da Associação Brasileira de Climatério (Sobrac) ao considerar a expectativa de vida de 80 anos das mulheres no Brasil.
Apesar do envelhecimento, essa parcela da população permanece em pleno vigor profissional e pessoal, mas enfrenta um sistema que ainda negligencia essa fase. O SUS segue “sem medicamentos na ponta”, critica Melo ao destacar a crescente urgência de repensar as políticas públicas de saúde para além da reprodução.
Estudo da farmacêutica Astellas revelou que o desconhecimento em torno da menopausa pode ser crucial para compreender as lacunas no atendimento às mulheres. De acordo com o levantamento Menopause Experience & Attitudes[2], realizado em seis países com a participação de 13.800 entrevistados, sendo 2.300 brasileiros, somente 30% das pessoas acreditam ter alto conhecimento sobre os sintomas, enquanto 17% têm pouco ou nenhum conhecimento.
Esse percentual é maior – embora ainda relativamente baixo – entre quem já vivenciou a menopausa: apenas 42% afirmam conhecer bem os sintomas. O índice é ainda menor globalmente, onde apenas 26% das mulheres na menopausa dizem ter muito conhecimento.
A menopausa é carregada de estigmas e preconceitos, que precisam ser quebrados para que as mulheres sejam melhor assistidas nas diferentes esferas da vida, tanto no ambiente de trabalho como na vida pessoal. “A palavra menopausa é ainda deletéria. As pessoas comentam que alguém está na menopausa como uma forma de chacota. Isso é no mundo inteiro, não só no Brasil”, criticou o médico.
Terapias ainda são limitadas
O período representa o fim da produção hormonal pelos ovários e marca o encerramento da vida reprodutiva da mulher. É a etapa final de um processo de transição hormonal chamado climatério, composto pela perimenopausa (quando os hormônios começam a oscilar), menopausa e pós-menopausa. Com variações, ocorre geralmente entre os 45 e 55 anos, sendo caracterizada pela ausência de menstruação por 12 meses consecutivos.
O climatério pode se manifestar com uma ampla variedade de sinais. Entre eles estão as ondas de calor e suores noturnos (ou fogachos), distúrbios do sono, alterações de humor, secura vaginal, dores articulares, fadiga constante, dificuldade de concentração e diminuição da libido.
Há ainda perda de massa óssea e o chamado brain fog, também conhecido como “névoa mental” ou “cérebro nublado” – sintomas que afetam pensamentos, memória e concentração, tornando desafiadora a execução de tarefas rotineiras. “Isso implica a diminuição do desempenho no trabalho. Esse aspecto é importante nessa faixa etária, pois junto dos sintomas vem o medo da perda do emprego”, ressalta Melo.
Para lidar com esses desconfortos, a terapia de reposição hormonal (TRH) continua sendo uma das abordagens mais adotadas, ajudando a equilibrar os níveis hormonais e reduzir sintomas nessa fase.
Há também um crescente interesse e real necessidade por tratamentos não hormonais. No entanto, no Brasil, esses medicamentos ainda aguardam autorização regulatória e não estão disponíveis para venda. Inclusive, segundo os médicos ouvidos pelo JOTA, no Brasil também não existe nenhum medicamento que seja fornecido pelo SUS para tratar os efeitos da menopausa. “O sistema público está um zero à esquerda com relação ao climatério”, diz Melo.
O fármaco não hormonal é, na visão de Maria Celeste Osório Wender, ginecologista e presidente da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) “uma das maiores novidades” científicas quando o assunto é menopausa. “Estamos mais próximos dos mecanismos e das áreas responsáveis por produzirem os fogachos. Em breve, provavelmente poderemos contar com uma opção segura e eficaz para tratar os fogachos naquelas mulheres que não podem ou não desejam usar a terapia hormonal.”
Além dos tratamentos medicamentosos, Melo destaca a mudança de hábitos como medida essencial. “É muito importante alterar hábitos ruins. Atividade física, dieta alimentar, uma vida bem balanceada”, recomenda.
Na mesma linha, a ginecologista Maria Celeste acredita que o estilo de vida saudável auxilia em todas as fases da vida, mesmo assim, os sintomas da menopausa costumam ocorrer em qualquer situação, diz ela. “Ter um peso adequado, praticar exercícios físicos com regularidade, ter uma dieta equilibrada, não fumar e nem ingerir bebida alcoólica em excesso, aliada a relacionamentos bons se associam à saúde. Sabemos que a mulher obesa costuma ter mais fogachos, mas os demais itens não interferem muito na chance de ter mais ou menos sintomas.”
Política pública em construção
Desde 2004, o Brasil conta com a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Mulheres (PNAISM)[3], que contempla o climatério, mas não menciona a menopausa diretamente. Em 2008, o Manual de Atenção à Mulher no Climatério[4] reforçou a importância do acolhimento e da abordagem ética, mas ainda há uma distância entre teoria e prática.
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O Projeto de Lei 4504/24 visa criar a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde e Qualidade de Vida de Mulheres na Menopausa. A iniciativa busca desenvolver ações coordenadas que promovam atenção física, emocional e social, além de expandir a oferta de exames, medicamentos e apoio psicológico no SUS.
A proposta está em tramitação conclusiva e passará pelas comissões de Defesa dos Direitos da Mulher, Saúde, Finanças e Tributação, bem como Constituição e Justiça e de Cidadania. Para que seja transformada em lei, é necessário que seja aprovada tanto pela Câmara dos Deputados quanto pelo Senado Federal.
Mesmo com protocolos do Ministério da Saúde e iniciativas legislativas, o atendimento à mulher segue precário no SUS e em clínicas particulares, devido à escassez de médicos com formação especializada, segundo Maria Celeste. “Em geral, centros dedicados à menopausa estão apenas em hospitais universitários. Na saúde suplementar, o atendimento é feito pelo ginecologista. Se ele tiver boa formação e se mantiver atualizado, essa mulher será bem atendida.”
Ela ressalta que ainda existem lacunas grandes no atendimento ginecológico em relação ao manejo dos efeitos da menopausa. “O problema é que há muitos profissionais fazendo o atendimento ao climatério sem uma sólida formação e eles utilizam algumas opções de tratamento sem evidências científicas adequadas.”
Referências
[1]The demography of menopause
https://www.maturitas.org/article/0378-5122(95)00968-X/pdf
[2] https://www.astellas.com/br/pt-br/news/11596
[3]https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/s/saude-da-mulher/pnaism
[4]https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_atencao_mulher_climaterio.pdf
MAT-BR-NON-2025-00171 Agosto/2025