Mendes pede destaque e leva julgamento sobre aterros ao plenário físico do STF

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Na madrugada desta sexta-feira (2/2), o ministro Gilmar Mendes pediu destaque, e o julgamento em que se discute a instalação de aterros sanitários em áreas de preservação permanente (APPs) foi novamente interrompido. O tema será discutido em plenário físico — como algumas associações de gestão de resíduos sólidos pleiteavam.

No julgamento presencial, as associações tentarão reverter a maioria já formada pela proibição dos aterros em APP ou, pelo menos, conseguir um prazo maior para a desativação. A conjuntura atual formada entre os ministros traz dois prazos principais: três anos, conforme prevê o voto do relator, ministro Luiz Fux; ou 10 anos, de acordo com a posição de Alexandre de Moraes, que recebeu o apoio de Luís Roberto Barroso nesta sexta-feira.

O tema é objeto de embargos de declaração na ADC 42 e nas ADIs 4.901, 4.902, 4.903 e 4.937.

Nos recursos, entre outros pontos, questiona-se a decisão do STF, de 2018, de limitar quando é possível intervir em áreas de proteção ambiental. Naquele julgamento, os ministros concluíram que a gestão de resíduos não se enquadra como utilidade pública, de modo a proibir empreendimentos em APPs.

O PP e a Advocacia-Geral da União (AGU) contestaram essa interpretação. Disseram que o Supremo partiu de uma premissa equivocada de equiparar a gestão de resíduos aos lixões. Segundo eles, a primeira consiste em uma série de ações ambientalmente apropriadas, sendo os aterros sanitários um importante instrumento da política ambiental.

Quando Gilmar Mendes pediu destaque, já havia maioria formada, e o ministro estava isolado na divergência. Acolheu os argumentos do PP e da AGU e votou de modo a permitir a gestão de resíduos nas regiões protegidas e proibir apenas a implantação de lixões.

O ministro ponderou não haver uma contradição entre a gestão de resíduos e a proteção ambiental. “Haverá situações em que a execução de obra de gestão de resíduos sólidos será melhor alocada em área de proteção ambiental, sem que com isso haja decréscimo da proteção ambiental”, afirmou no voto.

Mendes também afirmou ser “inequívoco que a corrente formada pela maioria dos ministros [no julgamento de 2018] considerou a expressão ‘gestão de resíduos’ sinônimo de lixão, a significar o descarte incorreto de resíduos sólidos. Mas, ao reputá-la inconstitucional, bloqueou iniciativas ambientalmente corretas”.

O posicionamento se contrapôs aos dos demais ministros que tinham votado até o pedido de destaque — Luiz Fux (relator), Rosa Weber (aposentada), Cármen Lúcia, Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. Estes consideraram que a restrição também se estende aos aterros.

Fux reforçou que o gerenciamento dos materiais envolve manipulação de resíduos perigosos, risco de contaminação do solo, da água e do ar, descarte de substâncias orgânicas e não orgânicas, muitas delas não recicláveis, e a operação de vazadouros, lixões, aterros controlados e aterros sanitários. “A gestão de resíduos sólidos jamais terá impacto ambiental zero”, resumiu.

O relator disse que, no julgamento da matéria, a Corte considerou a existência dos riscos ambientais e decidiu expressamente incluir os aterros sanitários e as modalidades mais sustentáveis de manejo de resíduos no rol de atividades proibidas.

Até a paralisação pelo pedido de destaque, contudo, não havia um consenso em relação a quanto tempo o Supremo deveria estipular para a desativação progressiva dos aterros atualmente situados em APPs.

Com o destaque, a votação será reiniciada em plenário físico. Ainda não há data para tanto.

A espera de solução

Enquanto o STF posterga a decisão, 10 das 27 capitais brasileiras estão com aterros em áreas de APP, de acordo com dados da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema). Ainda segundo a associação, da forma como está o voto do relator, o custo para implementação de novos aterros e para o transporte para áreas mais afastadas será de, pelo menos, R$ 52 milhões nos primeiros anos de operação.

A Abrema defende que prevaleça o voto de Gilmar Mendes, que proíbe os lixões, mas permite os aterros sanitários por entender que eles tratam o lixo e, assim, são de utilidade pública. Para a Abrema, cabe às secretarias estaduais de Meio Ambiente conceder as devidas licenças, pois elas têm expertise no assunto. “A gente tem a preocupação ambiental e econômica. Não faz sentido tirar de um local em que o aterro já está funcionando, onde as entidades de meio ambiente já deram a licença”, justifica Pedro Maranhão, presidente da Abrema.

“A decisão do jeito que está vai criar um imbróglio. A região metropolitana de Belo Horizonte, por exemplo, vai virar um caos. Imagina você arrumar um espaço em Minas Gerais que não seja uma APP, não tem planície, só tem morro”, exemplifica Maranhão.

O presidente da Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (Abren), Yuri Schmitke, defende que o Supremo mantenha a proibição de aterros em APP. Schmitke diz que a existência de lixões no Brasil não ocorre por falta de áreas para a construção de aterros sanitários, mas, sim, pela falta de estruturação financeira em contratos de concessão, mediante processos de regionalização para incluir municípios menores, seja em consórcios municipais ou blocos regionais.

“O correto é que os aterros sanitários sejam desativados, mantenha o lixo lá e se faça medidas de mitigação, de drenagem, etc. Ou seja, após a decisão, deve-se manter o lixo enterrado, converter em perdas e danos, multar as empresas pelo ato ilegal [de construir aterro em área de APP] e determinar que os aterros encontrem outras áreas e processos, e aumente a reciclagem e o tratamento biológico e térmico para desviar os resíduos de aterros e prolongar a vida útil dos mesmos”, defende. Para ele, a modulação mais realista será de cinco anos para a desativação.