Em texto anterior, foi abordada a nova causa de indeferimento da inicial da execução fiscal prevista no artigo 6º, § 3º do PL 2488/2022. O dispositivo impõe às Fazendas Públicas a utilização de métodos de autocomposição e consensualidade antes do ajuizamento da execução fiscal, sob pena de grave consequência, qual seja, o indeferimento da inicial.
A medida, como já observado anteriormente, tem o mérito de afirmar a via executiva jurisdicional como residual, mas impõe uma importante sanção processual sem delinear, suficientemente, os termos do novo requisito para a persecução fiscal em juízo.
Além da problemática acerca da comprovação de utilização, ou disponibilização, dos chamados “métodos autocompositivos e consensuais previstos em Lei”, há dúvidas sobre quais são precisamente tais métodos.
Métodos autocompositivos e consensuais são meios alternativos (à jurisdição) de resolução de conflitos que, especialmente desde 2015, vêm ganhando relevo no ordenamento jurídico brasileiro. Se quando da entrada em vigor do Código de Processo Civil sua utilização era almejada, hoje o emprego de tais métodos é uma realidade pujante, e o projeto de lei em questão acertadamente os elege como instrumentos prioritários na recuperação fiscal.
Considerando que meios autocompositivos são aqueles que afastam o poder jurisdicional, ou quaisquer outros terceiros da solução do conflito, podemos considerar o protesto, a inscrição no Cadin, a transação tributária e o negócio jurídico processual como instrumentos aptos a cumprir esse papel.
Por sua vez, tanto a transação tributária como o negócio jurídico processual são meios consensuais utilizáveis na solução dos conflitos existentes entre a Fazenda Pública e os contribuintes. Vale dizer que o negócio jurídico processual, embora consensual, não tem o poder de, por si só, afastar a presença do Poder Judiciário, mas, ao contrário, configura seu pressuposto.
Os métodos referidos acima não geram dúvidas quanto à sua natureza e alcance, mas e a averbação da certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos? Seria este também um método autocompositivo, mas não consensual, que atende à previsão da lei?
O §3º do artigo 6º, embora tenha o mérito de priorizar soluções não jurisdicionais para a resolução dos conflitos fiscais, apresenta questões que demandam complementação. Para além disso, a leitura do §3º do artigo 6º em conjunto com os dispositivos que tratam da cobrança dos débitos inscritos em dívida ativa e do protesto, previstos, respectivamente, nos artigos 12 e 17, por exemplo, conduz à conclusão de que o Projeto de Lei nº 2488/2022 acaba por burocratizar medidas que deveriam prezar pela simplificação.
Isso porque o artigo 12 prevê que após a inscrição dos débitos em dívida ativa, e antes do ajuizamento da respectiva execução fiscal, a Fazenda Pública deverá notificar o contribuinte para efetuar o pagamento do débito, parcelar, negociar ou transacionar o valor do crédito tributário no prazo de dez dias, ou ainda, no prazo de 20 dias, ofertar garantia antecipada ou apresentar pedido de revisão de dívida inscrita.
Para tanto, deverá o inadimplente ser notificado por via eletrônica ou postal, iniciando-se os prazos previstos no dispositivo no dia seguinte àquele da abertura da intimação eletrônica ou do aviso de recebimento. Caso frustrada a notificação postal, iniciar-se-á um novo prazo para que a Fazenda Pública publique edital de notificação, e caso se trate de notificação eletrônica, esta somente será presumida se transcorridos 15 dias contados a partir do recebimento na caixa postal do devedor.
Apenas após cumprido todo esse procedimento e esgotados os prazos previstos no citado dispositivo, estarão as Fazendas Públicas autorizadas a efetuar o protesto e adotar outras medidas destinadas à cobrança extrajudicial da dívida ativa, conforme dispõe o artigo 17 do projeto de lei.
Ou seja, os referidos artigos 12 e 17 impõem ao credor fiscal um procedimento para cobrança extrajudicial da dívida inscrita muito mais burocrático, custoso e demorado do que aquele atualmente observado. A previsão legislativa, ao buscar inovar, acaba retrocedendo em questões hoje rotineiras e bem estabelecidas, sobretudo em procuradorias que já adotam mecanismos de desjudicialização da cobrança.
O protesto de certidões de dívida ativa de débitos de menor valor é responsável por 28% da arrecadação no primeiro ano da cobrança no estado de São Paulo, não representando qualquer afronta aos direitos do contribuinte, que é notificado anteriormente ao efetivo protesto da CDA.
A exigência do previsto procedimento de notificação, comprovação e publicação de edital antes mesmo da cobrança extrajudicial transferirá uma complexidade procedimental, presente no âmbito da execução judicial, para a esfera da cobrança administrativa, importando em maior custo pré-processual e no retardamento de eventual ajuizamento do título executivo fiscal. Tal procedimento, ademais, contribui para o envelhecimento do débito, reduzindo as chances de arrecadação. Trata-se de desnecessária burocratização de um procedimento já realizado de forma segura e efetiva.
Passado esse longo e moroso procedimento, caso ainda se exija a utilização de métodos autocompositivos e consensuais anteriores à propositura da execução fiscal, conforme propõe o artigo 6º, § 3º, a execução fiscal acabará se tornando realmente uma via executiva residual. Porém, isso não se dará em razão de uma subsidiariedade pautada pela eficiência da recuperação do crédito tributário, mas em decorrência do esvaziamento da jurisdição executiva por agravada inocuidade.
De outro lado, a previsão de métodos consensuais, como são a transação tributária e o negócio jurídico processual, antecedentes ao ajuizamento de execução fiscal, visando à indução da sua utilização, acaba por atrair uma obrigatoriedade antagônica à essência dos institutos, caracterizados pelo acordo de vontades dirigido à solução do conflito.
Além disso, transação tributária e negócio jurídico processual, instrumentos atualmente intercorrentes ao processo judicial, não podem ser transformados em premissas para o ajuizamento da respectiva ação fiscal, como condição de aptidão da inicial.
O reconhecimento do protesto como mecanismo de cobrança extrajudicial e meio prioritário ao ajuizamento da execução fiscal, ratificando normativamente o que os Tribunais já validaram há muito tempo, é medida salutar. Do mesmo modo que se dá com o CADIN, previsto em lei desde há muito, o protesto ganha status legal no ciclo de cobrança fiscal.
Contudo, a estrita regulamentação do protesto e a previsão dos meios consensuais e autocompositivos como premissas para o ajuizamento de execuções fiscais, como visto, burocratizam e impõem obrigações aos credores fiscais que não consideram as particularidades de cada entidade federativa e que carregam preocupante potencial de fragilização desses institutos.
Dessa forma, embora o projeto seja pontuado por um ideal de inovação que dialoga com a consensualidade e a residualidade da jurisdição executiva, a materialização desses objetivos depende de importantes ajustes no texto normativo, sob pena, inclusive, de indesejados retrocessos na via da cobrança extrajudicial.