Desde o final de abril, o Rio Grande do Sul enfrenta gigantescos desafios decorrentes da denominada “maior catástrofe climática” da história do estado. As enchentes que devastaram diversas partes do estado trouxeram não apenas destruição física, mas também enormes desafios econômicos e sociais.
No início dos acontecimentos, o Ministério Público do Trabalho (MPT) emitiu recomendações (não vinculantes) de medidas trabalhistas alternativas para garantir a manutenção da renda e do salário dos trabalhadores, como a implementação do teletrabalho, a antecipação de férias individuais, a concessão de férias coletivas, o aproveitamento e antecipação de feriados, e a adoção de banco de horas, dentre outras. O documento recomenda, ainda, que seja privilegiado o diálogo social prévio na implementação de medidas de impacto aos trabalhadores, para viabilizar a adequação aos diversos setores de atividade econômica, localidades e peculiaridades regionais.
As medidas recomendadas pelo MPT são muito semelhantes àquelas surgidas no contexto da pandemia da Covid-19 através das Medidas Provisórias 927 e 936 de 2020, esta última convertida na Lei 14.020/2020. No entanto, por se tratar de mera recomendação, sem força legal ou normativa, a implementação dessas medidas dependeria, em muitos casos, de negociação coletiva.
O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) implementou ações significativas para auxiliar a população e os trabalhadores no enfrentamento das consequências sociais e econômicas que atingem o Rio Grande do Sul.
Inicialmente, foi autorizada a realização de novos saques do FGTS em prazo inferior a 12 meses (Portaria MTE 659/2024, DOU de 09.05.24) e a prorrogação da concessão do seguro-desemprego por dois meses para os trabalhadores residentes nos municípios atingidos que já estavam recebendo ou habilitados a receber o benefício até 09.05.24 (Resolução CODEFAT 1.001/2024, DOU de 09.05.24). Foi também autorizada a antecipação do pagamento do abono salarial para os trabalhadores inscritos no PIS e no PASEP (com mês de nascimento entre julho e dezembro), cujo estabelecimento do empregador seja no RS (Resolução CODEFAT 1.002/2024, DOU de 09.05.24).
Sem dúvida, são medidas importantes para amenizar, em algum grau, os efeitos da calamidade sobre a população e trabalhadores no estado. No entanto, essas medidas trabalhistas não afetam os empregadores (seja positivamente, seja negativamente), por configurarem benefícios concedidos diretamente pelo Estado aos trabalhadores, sem qualquer impacto nos contratos de trabalho propriamente ditos.
Posteriormente, foram editadas três portarias (uma da Receita Federal e duas do MTE) tendo como beneficiários os empregadores, a fim de atenuar o impacto da calamidade pública sobre a atividade econômica. Foram prorrogados os pagamentos dos tributos federais com vencimento em abril, maio e junho de 2024 para julho, agosto e setembro, respectivamente, através da publicação da Portaria RFB 415/2024.
Também foi permitido que os empregadores de municípios afetados adiassem os depósitos do FGTS referentes aos meses de abril a julho, parcelando-os a partir de outubro (Portaria MTE 783/2024, DOU de 21.05.24). Por fim, a Portaria MTE 838/24 suspendeu, por 90 dias, diversas exigências administrativas, como revisões de avaliação de riscos, exames médicos periódicos e demissionais, elaboração de relatórios analíticos do PCMSO, treinamentos de segurança no trabalho e eleições das CIPAs.
Embora seja inegável a relevância das medidas já implementadas, a realidade é que elas parecem não ter gerado um efeito significativo nas folhas de pagamento dos empregadores. Não obstante os empregadores tenham tido suas atividades econômicas gravemente impactadas na região, as obrigações trabalhistas perante os empregados se mantêm e, nesse aspecto, as medidas já implementadas pelas autoridades não permitem a flexibilização de direitos trabalhistas.
Nesse contexto, a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), a Fenacon e a Fecomércio-RS apresentaram ao Ministro do Trabalho e Emprego um pedido para a implementação de medidas adicionais, principalmente para que seja regulamentada a possibilidade de implementação das disposições da Lei 14.437/2022 e do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, visando mitigar os efeitos adversos da calamidade pública sobre o mercado de trabalho no estado.
O ofício enviado pelas entidades empresariais sugere medidas como a redução da jornada de trabalho com proporcional redução salarial ou a suspensão temporária dos contratos de trabalho, de modo a permitir que as empresas, especialmente nos setores de comércio, serviços e turismo, possam sobreviver economicamente sem sacrificar empregos.
O que as entidades pretendem é aplicar aos empregadores do Rio Grande do Sul as medidas trabalhistas semelhantes àquelas implementadas durante a pandemia da covid-19 através das já mencionadas Medidas Provisórias 927 e 936 de 2020, esta última convertida na Lei 14.020/2020.
As Leis 14.020/2020 e 14.437/2022, promulgadas durante a pandemia de covid-19, estabeleceram precedentes importantes ao criar mecanismos de flexibilização que ajudaram a preservar empregos em momentos de crise.
Em resposta aos requerimentos das empresas, foi publicada no último dia 20 a Portaria 991/2024 do MTE, que regulamenta o programa emergencial de Apoio Financeiro para trabalhadores e trabalhadoras do estado, implementado pela Medida Provisória n. 1230, de 7 de junho de 2024. O Apoio Financeiro será recebido pelos empregados das empresas que aderirem ao programa entre os dias 20 e 26 de junho, consistindo no pagamento de duas parcelas no valor de R$ 1.412 cada, durante os meses de julho e agosto. Em contrapartida, as empresas deverão manter os empregados com vínculos ativos por, pelo menos, quatro meses (os dois meses da fruição do benefício e os dois meses subsequentes).
Em entrevista no mesmo dia 20, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, informou que, por ora, não serão adotadas novas medidas trabalhistas para empresas atingidas pela enchente no Rio Grande do Sul.
Na ausência de uma lei ou regulamentação específica para a situação atual no Rio Grande do Sul, a aplicação de medidas trabalhistas alternativas (como redução de jornadas e salários, suspensão de contratos, antecipação de férias e feriados etc.) ficam sujeitas ao procedimento das negociações coletivas intermediadas pelos sindicatos e com exigência das formalidades legais, o que pode ser um entrave significativo diante da urgência da situação.
Da mesma forma que o Brasil todo se solidarizou e voltou seus olhos para a enorme dificuldade enfrentada pelo Rio Grande do Sul, essa atenção não pode cessar. A solidariedade nacional deve continuar presente, traduzindo-se em ações concretas e apoio contínuo. Somente assim será possível garantir a preservação dos empregos, a continuidade das atividades empresariais e, consequentemente, a recuperação econômica do estado.
O Rio Grande do Sul enfrenta um momento excepcionalmente desafiador, e a resposta eficaz a essa calamidade dependerá do comprometimento de todos – governo, empresas e sociedade civil – em proporcionar o suporte necessário para que o estado se recupere e volte a prosperar.
Ministério Público do Trabalho. “MPT expede recomendação a empregadores para adoção de medidas trabalhistas alternativas”
Portaria MTE 659/2024, DOU de 09.05.24
Resolução Codefat 1.001/2024, DOU de 09.05.24