Marcas de posição no INPI: como tem sido o exame dos pedidos de registro?

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O direito marcário brasileiro, ao final de 2021, introduziu uma nova forma de diferenciar bens ou serviços, ao disciplinar o procedimento para registro das chamadas “marcas de posição”.

Essa nova forma de apresentação de marcas está inserida no grupo das marcas chamadas de “não tradicionais”, que, em decorrência do avassalador avanço tecnológico e das novas tendências e experiências de mercado, vem ganhando cada vez mais destaque nos diversos sistemas de propriedade intelectual ao redor do mundo.

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A marca de posição engloba um sinal distintivo localizado em um ponto específico do suporte, que seja suficiente para diferenciar o produto ou serviço de outros. Em outras palavras, o sinal passível de registro como “marca de posição” deve ser aquele que possui a capacidade de identificar a origem do produto ou serviço pela utilização maciça e exclusiva de determinado sinal aposto em uma posição peculiar e específica de um suporte, por exemplo, de um produto da marca.

Em setembro de 2021, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), objetivando garantir a proteção a esse tipo de marca, publicou a Portaria/INPI/PR 37/021. Com a publicação, reconheceu-se oficialmente ser passível de registro como marca de posição “o conjunto distintivo capaz de identificar produtos ou serviços e distingui-los de outros idênticos, semelhantes ou afins, desde que: I – seja formado pela aplicação de um sinal em uma posição singular e específica de uma determinado suporte; e II – a aplicação do sinal na referida posição do suporte possa ser dissociada de efeito técnico ou funcional”.

No mesmo período, o INPI emitiu também a Nota Técnica INPI/CPAPD nº 02/2021 já incorporada ao Manual de Marcas da autarquia federal, que aborda os procedimentos de exame de pedidos de registro de marcas de posição, a definição dessa nova forma de apresentação e os seus limites de proteção, estabelecendo, ainda, o modo como deverá ser realizada sua representação gráfica e descrição, bem como os parâmetros de análise de especificação, distintividade e disponibilidade a serem considerados.

Devido à ausência de regulamentação dessa forma de apresentação de marcas, nos últimos anos, diversos depositantes de pedidos de registros de marcas, que na prática enquadravam-se como “marcas de posição”, optaram por depositá-las sob formas de apresentação distintas.

Desta forma, com o surgimento da regulamentação, teve-se a solução para esses diversos registros e pedidos de registro de marca. Esse foi o caso, por exemplo, de pedido depositado pela Osklen, empresa varejista de artigos de vestuário e acessórios, criada em 1989, que foi a primeira a obter um registro de marca de posição no INPI.

O registro obtido pela empresa protege os três ilhoses localizados na parte frontal de vários modelos de tênis, os quais foram reconhecidos pelo INPI como capazes de configurar elementos distintivos dos respectivos calçados. Confira-se imagem abaixo com a identificação da marca de posição deferida pelo INPI:

Figura extraída do site do INPI. Processo n. 830621660.

Ao analisar o referido pedido de registro, o examinador do INPI entendeu que “embora a presença de ilhoses (aros de metal que delimitam orifícios para a circulação de ar) seja comum na superfície do produto tênis, as pesquisas não trouxeram evidências de que outros fabricantes de calçados se utilizam de uma sequência de três ilhoses na forma proposta pela requerente”, de forma que compreendeu, portanto, que o sinal em questão, “em seu arranjo tríptico”, possui cunho distintivo para funcionar como marca.

Destaca-se que a Osklen, em 2010, já havia tentado obter o reconhecimento de exclusividade no Brasil, dos três ilhoses, por meio de um pedido de registro de marca depositado na forma “tridimensional”. Tendo em vista a conclusão das recentes adaptações nos sistemas do INPI para processamento dos pedidos de marca de posição, a empresa, em 2022, adaptou o seu pedido de registro e alterou a sua modalidade para “marca de posição”, tendo sido, então, concedido pelo INPI em maio de 2023.

Ao conceder o registro, o INPI consolidou a singularidade dos três ilhoses, caracterizando-os como elemento exclusivo e conferindo à Osklen, consequentemente, o direito de impedir que terceiros utilizem signo similar em seus produtos.

A concessão desse primeiro registro de marca de posição caracteriza um importante marco de modernização no sistema marcário brasileiro, uma vez que evidencia uma tendência do sistema jurídico do país em recepcionar as chamadas “marcas não tradicionais”, além de garantir, paralelamente, maior segurança jurídica aos detentores desse grupo de marcas.

Contudo, não se pode deixar de citar que, apesar de existir tal tendência, o referido registro configura, atualmente, o único em vigor no Brasil. Há, atualmente, cerca de 270 pedidos de registro de marcas de posição depositados perante o INPI, e aproximadamente 50 deles foram indeferidos, sendo que alguns estão em fase de recurso administrativo.

Entre os pedidos indeferidos, estão os depositados pelas marcas Christian Louboutin, Valentino e Alpargatas, por exemplo.

Essas três empresas configuram exemplos de empresas que, devido à falta de regulamentação das marcas de posição, enfrentaram grande dificuldade de obter proteção a marcas que, em tese, seriam “de posição. De forma que optaram por depositá-las inicialmente, isto é, antes de requererem a republicação de seus pedidos de registro, sob formas de apresentação diversas. No caso das três grifes ora comentadas, sob a forma “figurativa”.

No caso da primeira, Christian Louboutin, pleiteou-se a proteção do famoso solado vermelho de sapatos (processo n° 901514225). Confira a imagem extraída do site do INPI, em que é possível visualizar o objeto do pedido de registro:

ÓBIC Figura extraída do site do INPI (processo n. 830621660)

O INPI indeferiu tal pedido de registro por entender que encontraria ele óbice nos artigos 122 e 124, inciso VIII, da Lei da Propriedade Industrial e parágrafo único do artigo 84 da Portaria INPI/PR nº 8/2022. O examinador, na decisão de indeferimento, entendeu que o sinal constituído unicamente pela cor vermelha, aplicado a uma sandália de salto alto, não cumpriria o requisito da distintividade necessário para a concessão da marca de posição.

A Clermon et Associes, atual registrante e licenciante de todo o portfólio de propriedade intelectual da Christian Louboutin em todo o mundo, ajuizou ação de nulidade contra o ato do INPI, que indeferiu o pedido de registro de marca de posição. Em suma, a empresa autora aponta a falta de fundamentação na decisão de indeferimento. De acordo com a autora, o INPI não se aprofundou ao explicar como a aplicação do sinal se daria no caso em questão. Ainda, alega que o solado vermelho já se teria tornado característico, tendo em vista o seu sucesso e uso efetivo, prolongado e consistente.

A juíza Márcia Maria Nunes de Barros, da 13ª Vara Federal do Rio de Janeiro, deferiu o pedido liminar pleiteado para determinar a suspensão do ato administrativo de indeferimento até a decisão final no processo, que ainda está em curso na primeira instância.

A Valentino, por sua vez, teve o seu pedido de registro de marca n. 918336511 indeferido com base nos artigos 122 da Lei da Propriedade Industrial e 84, parágrafo único, da Portaria INPI/PR nº 8/2022. A grife italiana pleiteou a proteção dos rebites, mais conhecidos como rockstuds, posicionados nas tiras do sapato, na forma identificada na imagem abaixo:

Figura extraída do site do INPI (processo n. 918336511)

Ao indeferir a concessão do registro em questão, o examinador do INPI expressamente dispôs que o conjunto em exame não seria passível de registro como marca de posição por ser composto por “sinal que possui em sua composição um aspecto evidentemente ornamental, desprovido de distintividade”.

A Alpargatas, por sua vez, buscou a proteção dos desenhos estilizados em zigue-zague em relevo aplicado nas tiras do chinelo de dedo, conforme a imagem abaixo:

Figura extraída do site do INPI (processo n. 906025214)

De forma semelhante ao que ocorreu com o pedido de registro da Valentino, a Alpargatas também teve o seu pedido indeferido com base nos mesmos artigos.

O examinador afirmou que pesquisas realizadas na Internet mostrariam que a posição na qual o sinal em questão se aplica ao calçado seria comumente utilizada por concorrentes, não estando preenchido o requisito da distintividade no caso em questão.

Portanto, o que se nota com os exemplos citados é que, apesar de ter havido uma modernização no sistema marcário brasileiro em decorrência da regulamentação sobre marcas de posição – uma vez que, a partir de então, possibilitou-se aos titulares de marcas posicionais protegerem tal propriedade intelectual no país, ainda temos um cenário em que foram examinados poucos pedidos, e apenas um foi deferido até o momento.

A interpretação dada pelo INPI com relação ao assunto em questão ainda é pouco volumosa, e por ora é difícil de traçar um perfil de opiniões que traga mais segurança sobre a probabilidade de deferimento de um novo pedido de marca de posição no Brasil.