Uma das bandas mais populares da década de 1980, que deixou como legado muitos clássicos do rock brasileiro, teve seus integrantes envolvidos em uma disputa judicial pelo uso da marca composta pelo seu nome: RPM.
Nesta última desavença, o ex-vocalista da banda, Paulo Ricardo, moveu uma ação judicial contra Fernando Deluqui, ex-parceiro de banda, e os atuais integrantes de sua banda cover, buscando a proibição do uso da marca RPM pelo grupo. Deluqui era o guitarrista original da banda nos anos 80 e estaria se apresentando com uma banda cover sob o nome RPM nos últimos anos.
Em uma breve consulta à base de dados do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), autarquia federal responsável pelos registros de marcas, verifica-se que a marca nominativa RPM, de número 825408091, está registrada na classe 41, para os serviços de “shows, eventos e espetáculos musicais, artísticos, culturais e de entretenimentos” em regime de cotitularidade, ou seja, é de posse de mais de uma pessoa. Nesse caso, está sob a titularidade de Paulo Antonio Figueiredo Pagni, Fernando Deluqui Vasques, Paulo Ricardo Oliveira Nery de Medeiros e Luiz Antonio Schiavon Pereira, os quatro membros originais da banda.
No Brasil, o registro de marca confere ao seu titular exclusividade sobre o signo protegido em todo o território nacional, garantindo ao seu detentor a possibilidade de se insurgir contra quaisquer utilizações não autorizadas de sinais idênticos ou semelhantes para produtos ou serviços idênticos, semelhantes ou afins. Na medida em que a marca RPM possui quatro titulares devidamente consignados no banco de dados do INPI, cabe a eles conjuntamente a propriedade sobre o registro e, consequentemente, a exclusividade em relação ao seu uso.
O regime de cotitularidade de marcas, vigente no Brasil desde setembro de 2020, conta com algumas regras específicas estabelecidas pelo próprio INPI. Dentre elas, com a exceção de determinadas situações expressamente previstas, está a obrigatoriedade de que os titulares exerçam em conjunto os atos perante a autarquia. As disposições sobre o regime estão inseridas no Manual de Marcas do INPI, que estabelece as diretrizes e procedimentos de análises de marcas.
Segundo Paulo Ricardo, a utilização irregular da marca RPM pela banda de Deluqui, um dos titulares do registro, estaria fazendo com que os fãs e consumidores fossem enganados ao consumir os produtos e adquirir os ingressos da banda cover acreditando serem da banda RPM original.
Em defesa, os réus afirmaram que um acordo firmado em 2011 entre os integrantes originais da banda, Paulo Ricardo, Fernando Deluqui, Luiz Schiavon e Paulo Pagni, estabeleceu que a marca só poderia ser utilizada em conjunto pelos quatro integrantes e cotitulares da marca, exceto em caso de saída voluntária ou quebra de contrato por um deles, caso em que os membros remanescentes poderiam continuar efetuando uso da marca.
Nesse sentido, alegaram que, em 2017, ajuizaram uma ação que culminou com a expulsão de Paulo Ricardo da banda, que até então havia voltado a se apresentar em sua formação original, por descumprimento desse acordo. Com isso, houve a substituição dele por um novo integrante, o qual faz parte da atual banda cover de Deluqui.
Posteriormente, com o falecimento dos integrantes Paulo Pagni e Luiz Schiavon, houve a substituição deles por dois novos integrantes. Desse modo, os réus alegaram que a utilização da expressão RPM para identificar a banda não ocasionaria confusão perante o público, já que o uso estaria sendo feito sempre em associação a fotos dos integrantes atuais do grupo, seja em publicidade ou nas apresentações, o que seria suficiente para deixar claro aos fãs que não se trata da banda RPM em sua formação original.
Não obstante, em sua sentença datada de 24 de maio de 2024[1], a juíza Luciana Novakoski Ferreira Alves de Oliveira entendeu que, pela perspectiva da preservação da marca RPM, Paulo Ricardo teria razão em pleitear a proibição do uso do nome RPM pelos réus, tendo em vista que a utilização da expressão pela banda em sua configuração atual implicaria na desvalorização da marca.
A magistrada destacou que a exclusão judicial do autor Paulo Ricardo e o falecimento dos membros Luiz Schiavon e Paulo Pagni implicaram na dissolução da banda, que não poderia continuar com apenas um membro. Ela afirmou que Fernando Deluqui, isoladamente, não representa a banda ou o legado do grupo RPM. Além disso, embora seja cotitular do registro da marca, Fernando Deluqui não pode utilizá-la de maneira exclusiva e sem a anuência dos demais cotitulares ou seus sucessores, nem pode, sob pretexto de preservar a banda, juntar-se a terceiros, alterando totalmente a identidade da banda original.
Logo, nota-se que, tal como estabelecido na esfera administrativa, é necessário haver coordenação e comunicação eficaz entre os cotitulares para assegurar que todos os interesses estejam alinhados e que decisões sejam tomadas de forma conjunta, a fim de promover a integridade e o valor da marca. Foi exatamente nesse ponto que não obtiveram êxito os cotitulares da marca RPM.
A decisão da magistrada confirma uma interpretação precisa das regras vigentes, já que levou em consideração que a utilização da marca RPM nesse contexto estava em desacordo com o objetivo de preservação do sinal e não havia o consentimento dos demais cotitulares ou de seus descendentes.
Além disso, a decisão também levou em consideração o acordo previamente estabelecido entre as partes e a intenção dos signatários quando de sua celebração, assegurando que os termos pactuados fossem respeitados e que a segurança jurídica fosse mantida.
Esse ponto pode servir de alerta para que, nos casos de cotitularidade, sejam formalizados acordos detalhando (i) os direitos e as responsabilidades de cada titular, (ii) procedimentos a serem seguidos no caso de disputas e (iv) diretrizes para o uso. É importante que o acordo também leve em conta a inclusão de cláusulas que protejam contra o abuso por parte de um dos cotitulares e estipulações para o caso de venda ou cessão da marca.
Embora a decisão seja recorrível, seus efeitos causam um impacto significativo para os corréus e integrantes da banda cover, que ficarão obrigados a absterem-se de utilizar a marca, sendo forçados a adotar uma nova identidade, encerrando totalmente suas atividades sob o nome RPM.
Impossibilitado de aproveitar a fama e a reputação adquirida pela marca ao longo dos anos, o grupo precisará realizar investimentos de rebranding para lançar uma nova marca, reposicionar-se no mercado e continuar suas operações, o que poderá causar um impacto relevante em sua lucratividade.
A referida decisão já serve como um precedente importante, na medida em que houve afirmação sobre as regras estabelecidas na esfera administrativa sobre o tema e o respeito aos acordos pré-existentes entre as partes e a sua exegese, o que contribui para uma aplicação mais uniforme e previsível da legislação, servindo como uma referência para decisões futuras.
[1] A sentença foi proferida na ação de obrigação de não fazer de 1091589-47.2023.8.26.0100, na 22ª Vara Cível do Tribunal de São Paulo.