Manifestações mudam cenário político e mostram abertura a pautas de esquerda

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Nas últimas semanas a sociedade brasileira e o governo Lula contabilizaram uma série de vitórias graças à mobilização popular nas ruas e redes digitais que levou à aprovação, por unanimidade, mas com resistências à direita, da isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000 com a compensação a ser realizada por meio do aumento da taxação sobre os mais ricos.

Incluem-se também entre as vitórias a retirada das áreas da saúde e educação do arcabouço fiscal, que impede o crescimento dos investimentos públicos, o arquivamento da PEC da Blindagem no Senado e a desidratação do PL da Anistia para golpistas.

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O governo já vinha acumulando vitórias devido ao tarifaço do presidente americano, Donald Trump, que jogou no seu colo o discurso de patriotismo e soberania, retirando-o da extrema direita, que está abraçada à bandeira dos Estados Unidos. Antes disso, com a derrubada pelo Congresso do decreto presidencial que aumentava as alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), já havia se iniciado uma disputa, com seus avanços e recuos, entre o Executivo e o Legislativo, o que deu origem à hashtag #congressoinimigodopovo nas redes.

O balanço destes eventos recentes permite concluir que eles renderam efeitos positivos para o governo e setores progressistas da sociedade. Entre eles está a retomada do discurso anticorrupção pela esquerda e a superação do “trauma de 2013” por parte da esquerda liberal petista, que desde as Jornadas de Junho daquele ano temem e desconfiam de qualquer insurreição popular com o receio de que sejam “cooptadas” pela direita.

O mais importante fato que pode ser retirado dos eventos, porém, é que, havendo pressão popular, é possível aprovar políticas sociais para a maioria da população e barrar projetos legislativos mesmo sem maioria no Congresso. Isso desmente a desculpa histórica dos governos petistas de que não é possível aprovar políticas públicas de esquerda sem maioria nas Casas Legislativas.

Na verdade, o Brasil nunca possuiu maioria de esquerda no Congresso em nenhum dos seus períodos democráticos, fato devido principalmente à influência exacerbada do poder econômico sobre as eleições. No entanto, isso não quer dizer que ao longo da história democrática do país políticas de bem-estar social e que favorecem o povo não foram aprovadas.

Isso se explica por meio da Ciência Política com a utilização de algumas teorias, como a do eleitor mediano, que afirma que nas eleições os candidatos próximos ao eleitor médio tendem a ser eleitos. Como no Brasil, país extremamente desigual, o eleitor médio é de baixa renda, isso leva a que tanto a esquerda quanto a direita queiram agradar esse eleitorado. Por sua vez, esta situação acaba levando à adoção e defesa de políticas sociais mesmo por parte de políticos de direita, que precisam dos votos desses eleitores.

Em seu artigo “Democracia e redução da desigualdade econômica no Brasil: a inclusão dos outsiders”, a cientista política Marta Arretche afirma que “a competição política por essa categoria de eleitores favoreceu a expansão das políticas de inclusão dos outsiders (excluídos). A convergência partidária em torno das preferências desses eleitores explica por que a redução das desigualdades teve até aqui um caráter incremental e não possa ser tributada exclusivamente aos governos de esquerda”.

O caso brasileiro, portanto, mostra a importância da defesa de pautas redistributivas em países desiguais e como governos de esquerda podem aproveitar essa conjuntura a seu favor, algo que os governos petistas, entretanto, não têm buscado fazer em seus diferentes mandatos.

O momento histórico brasileiro pede o aumento da pressão por parte da população e do governo sobre o Congresso para a aprovação de pautas populares que melhorem a vida da maioria da população. Nesse sentido, a esquerda nacional pode aprender com os métodos utilizados pela extrema direita mundial, como aqueles usados por Trump.

Até este momento, Trump emitiu 209 decretos, determinações emitidas unilateralmente pelo presidente com força de lei que dispensam aprovação pelo Legislativo, sendo 46 deles apenas no seu primeiro dia de mandato. Para se ter uma ideia da grandeza deste número, em todo o seu primeiro mandato, Trump emitiu 220 decretos. Neste segundo mandato a quantidade de ordens executivas emitidas pelo presidente americano já representa o maior número de decretos assinados no primeiro ano de mandato de um ocupante da Casa Branca desde Franklin D. Roosevelt, que emitiu 568 ordens executivas em 1933.

O republicano se utiliza desse recurso para tomar as principais medidas de seu novo governo e é nesta forma disruptiva e rápida de ação que a esquerda brasileira deveria se inspirar. Ela é uma espécie de “Firehosing” aplicada ao Legislativo, uma técnica muito usada pela extrema direita na propagação de mentiras em larga escala e em um fluxo constante, com o objetivo de afogar a opinião pública com mensagens e conseguir o monopólio da primeira impressão sobre determinados assuntos.

Essa tática usada por Trump mostra a força que o Poder Executivo tem em países presidencialistas. No Brasil, é possível conseguir eleger um presidente de esquerda, mas é quase impossível eleger um parlamento de maioria esquerdista devido à influência do poder econômico, que é desproporcional especialmente em um país brutalmente desigual como o Brasil.

Por isso, de tempos em tempos e especialmente quando o presidente do país possui um perfil mais à esquerda – o que ocorreu apenas três vezes na história do país, com João Goulart, Lula e Dilma Rousseff –, retorna à pauta do Congresso a discussão sobre parlamentarismo e semipresidencialismo, cujo objetivo é retirar poderes do Executivo, como feito com Jango em 1961. Quando aprovado, este sistema dá ao Congresso, dominado por parlamentares eleitos pela força do poder econômico do status quo, poderes para legislar e governar em causa própria e segundo os interesses daqueles que financiaram suas campanhas.

Essas tentativas de bloqueio das ações do Executivo ficam mais evidentes atualmente com o sequestro de R$ 50 bilhões do Orçamento pelas emendas parlamentares e se percebemos que destes três presidentes de esquerda ou centro-esquerda, dois sofreram golpes de Estado e um foi preso sob acusações que depois foram anuladas.

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Diante destes fatos, se a esquerda pretende radicalizar o processo de transformação social é preciso utilizar das prerrogativas da Presidência da República e “bombardear” o Congresso com projetos de lei e medidas provisórias, instrumento legislativo de iniciativa do Executivo dotado de eficácia imediata, similar aos decretos americanos, para pautar o que deverá ser discutido pela sociedade nos meses vindouros. Igualmente importante é a necessidade da aliança constante entre governo e povo para que este pressione incessantemente o Legislativo para a aprovação de pautas de interesse popular.

A solução para falta de democracia é mais democracia, algo que os liberais sempre temeram na história do Brasil e do mundo. É preciso que a esquerda, dentro ou fora do governo, entenda o seu papel e se aproveite dos mecanismos institucionais para promover o máximo de inclusão social possível, aliando táticas que atuem por dentro das instituições com estratégias de mobilização popular que agem por fora delas.