O desalinho entre Lula e agentes do mercado não dá sinais de solução no curto prazo. Nem mesmo o impacto direto na subida do dólar, a partir das falas do presidente da República, colocando em xeque a credibilidade do programa econômico, foi suficiente para o petista mudar a interpretação sobre os fatos.
A despeito de crescerem os conselhos para que tire o pé das críticas ao Banco Central e ao mercado financeiro, Lula vem mantendo a aposta no conflito, em uma reedição do “nós contra eles” no qual o algoz seria a associação entre o mercado e o presidente do BC, Roberto Campos Neto.
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Lula e parte de sua equipe contestam as inquietações da “Faria Lima” sobre o cumprimento da responsabilidade fiscal. E apontam que Campos Neto, egresso das fileiras bolsonaristas, estaria atuando deliberadamente contra a gestão petista.
Essa versão, porém, tem perdido força até mesmo dentro do governo. Alguns interlocutores vêm elevando o grau de preocupação interna com o desfecho da queda de braço na qual está empenhado o presidente da República. De acordo com essa visão, muito alinhada com o que vem se escutando de diversos agentes do mercado, quando o Executivo decidir agir, pode ser tarde demais para a reversão do cenário.
Há uma percepção de que Lula não tem ouvido as sugestões e os apelos de aliados por moderação. A leitura é que neste momento só o discurso dele seria capaz de impactar os preços. Isso porque está claro que será dele a palavra final sobre a calibragem das medidas pelo lado da despesa. Além disso, no lado monetário, o discurso presidencial também está pesando muito, já que Campos Neto só tem mais seis meses à frente da autoridade monetária e caberá a Lula a definição do sucessor e dos outros dois diretores.
Quanto mais as falas de Lula colocam dúvidas sobre a necessidade de um ajuste pelo lado do gasto e de juros elevados no combate à inflação, mais forte é a cobrança da Faria Lima pelo anúncio de medidas econômicas de corte mais ortodoxo.
A conjuntura de aproximação da eleição municipal ajuda a entender a postura do presidente. Lula cria inimigos para combater em um pleito no qual o arco da esquerda deve sair perdedor e o esforço é para minimizar a derrota. Nesse sentido, destacar os resultados econômicos e apontar uma suposta sabotagem de uma aliança anti-pobre entre Campos Neto e o mercado fazem parte do processo. O problema é que, para além da política, os analistas têm feito contas e se tornado cada vez mais céticos sobre a sustentabilidade do arcabouço fiscal a médio prazo.
Como não há sinais até aqui de que Lula estaria disposto a ir muito além de um programa de revisão de benefícios indevidos, com um impacto estimado de, no máximo, R$ 30 bilhões, em um ambiente tensionado pelos juros altos nos Estados Unidos, o clima no mercado não melhora. A fala do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na noite desta segunda só evidencia essa dificuldade de agir na despesa.
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Ele não consegue ser assertivo nos sinais de corte de gastos e tenta chamar a atenção para o lado das receitas — destacando que a arrecadação surpreendeu a Receita em junho. Haddad de certa forma admitiu sua preocupação com o quadro do mercado e disse que tem discutido a conjuntura com Lula nos últimos dias e o fará novamente na quarta-feira.
Há em setores do governo ainda apreensão com o que virá do próximo relatório bimestral. O mercado quer sinais mais fortes de cortes do que aparentemente Lula quer dar nesse momento. A sinalização de bloqueio tímido, na faixa entre R$ 5 bilhões e 10 bilhões, seria lida como um não evento e reafirmação da leitura negativa do mercado, elevando o grau de incerteza dos agentes econômicos com o compromisso do governo com a responsabilidade fiscal.
A visão do mercado — e de parte de agentes do governo — é que está na hora de medidas concretas e rápidas, que indiquem que o arcabouço fiscal será preservado no tempo. A comunicação recente de Lula sobre temas econômicos não tem ajudado nisso, ao contrário, tem contribuído no aprofundamento da incerteza na regra patrocinada pela Fazenda. Se não houver correção de rumo na forma e no conteúdo, o temor é que qualquer medida vire insuficiente para contornar o azedume, com potencial de contaminar ainda o já áspero ambiente para o Planalto também no Congresso Nacional.