Lula perde chance de criar marca na segurança pública após Dino sair da Justiça

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A porta giratória funcionou mais uma vez. Ricardo Lewandowski, que se aposentou como ministro do Supremo Tribunal Federal em 2023, será o novo Ministro da Justiça e Segurança Pública do terceiro governo Lula. O atual titular da pasta, Flávio Dino (PSB), fora indicado ao STF no fim do ano passado. Muito já foi escrito em pouco mais de 24 horas depois dessa dança das cadeiras ter sido confirmada.

De fato, a nomeação de Lewandowski é um prato cheio para o bolsonarismo criticar a atual administração federal, haja vista que o atual presidente foi beneficiado por decisões tomadas pelo ex-ministro do STF e futuro titular da Justiça.

O principal flanco aberto por Lula com a nomeação, porém, refere-se à área da segurança pública. O policiamento ostensivo e investigativo são atribuições dos estados e do Distrito Federal. No entanto, para sinalizar a articulação federal de combate ao crime organizado e à violência em geral, Lula poderia ter aproveitado a saída de Dino para desmembrar a Justiça e a Segurança Pública em dois ministérios.

Assim, teria posto Lewandowski no governo sem dispensar Ricardo Capelli, secretário-executivo da pasta e cuja ação na reação ao golpe de 8 de janeiro demonstrou uma capacidade de liderança e ponderação da qual nenhum governo comprometido com a democracia poderia prescindir. Dino e a bancada do PSB na Câmara dos Deputados apoiavam a promoção de Capelli. Talvez o fato de ele ser formado em jornalismo — não em direito — tenha afastado suas chances de virar ministro.

À esquerda, o PSB parece ser o partido que melhor deixou marcas no campo. Por exemplo, em Pernambuco, o Pacto pela Vida teve resultados positivos durante os governos de Eduardo Campos (2007-2014). Ao deixar o governo do estado no começo de 2023, porém, o partido e o governador Paulo Câmara legaram à sucessora Raquel Lyra (PSDB) uma das maiores taxas de homicídio do país. No geral, ainda assim é uma experiência melhor que a do PT na Bahia.

Diferentemente do PSB em Pernambuco, o PT reteve o poder nas últimas eleições apesar de já ter completado quatro mandatos sucessivos no governo baiano com alta nos índices de criminalidade e letalidade policial — esta última a maior do país. Os governadores do período, Jaques Wagner (2007-2014), hoje senador, e Rui Costa (2015-2022), hoje ministro da Casa Civil, são eminências pardas do partido de Lula.

Levar a sério as legítimas preocupações do eleitor médio com a falta de segurança — em particular nas grandes cidades — é crucial não apenas para reter o poder, mas também tende a impactar as chances de continuidade do regime democrático no médio e longo prazo. Vejam o que se passa no Equador desde esta semana: o domínio da criminalidade chegou a um ponto que a concentração de poderes no Executivo e a declaração na prática de uma guerra civil foi a alternativa que restou ao presidente Daniel Noboa para combater o tráfico internacional que opera no país.

Considerando o posicionamento de setores da direita na questão de segurança pública no Brasil e seu desprezo pela configuração institucional do país, não é exagero antever que, caso voltem ao poder federal nas eleições de 2026, ficarão bastante lisonjeados se tiverem a oportunidade de emular o vizinho sul-americano e, por tabela, terem instrumentos para perseguir opositores e enfiar sua agenda goela abaixo da sociedade.

No Brasil, as recentes ações das polícias estaduais sob governadores bolsonaristas dão indícios do futuro que nos espera caso a direita retorne ao poder com uma agenda de lei e ordem a qualquer custo. O relato de que, na última quinta-feira (11), manifestantes contra o aumento da passagem dos transportes urbanos sob jurisdição do governo paulista foram presos por tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito e a oposição sistemática ao uso de câmeras por policiais indicam a disposição a lidar com o crime fora dos limites legais.

Na falta de alternativas à esquerda para combater o crime, não surpreende que o eleitor fique seduzido por murros na mesa que têm como efeito colateral a erosão paulatina de garantias constitucionais e da própria democracia. A narrativa de que a esquerda é leniente com o crime e a desordem nunca encontrou terreno tão fértil. Seu adubo não apenas alimenta a direita, mas também torna mais fortes os mais diversos ramos da árvore do autoritarismo.