Lucro presumido: o duplo mortal do IR mínimo e do PLP da redução de benefícios

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A proposta de redução do benefício do lucro presumido contida no PLP 128/2025 parte de um equívoco conceitual e matemático relevante, que acabou produzindo efeitos muito mais severos do que aqueles anunciados em seu discurso oficial.

O projeto afirma pretender reduzir em 10% os diversos benefícios fiscais extensivos ao lucro presumido. Para alcançar esse objetivo, optou-se por elevar em 10% as margens legais de presunção utilizadas no cálculo do IRPJ e da CSLL. No caso das empresas prestadoras de serviços, a base de apuração foi majorada de 32% para 35,2% do faturamento.

O erro está na premissa adotada. O raciocínio do projeto parece supor que a elevação de 10% na base de cálculo equivaleria a uma redução de 10% da economia proporcionada pelo lucro presumido. Essa equivalência, contudo, não existe. A economia do lucro presumido não é a própria carga nele incidente, mas sim a diferença entre o imposto apurado nesse regime e aquele que seria devido no lucro real.

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Ao confundir essas duas grandezas, o PLP 128 acabou produzindo uma distorção expressiva, que pode ser demonstrada com um exemplo simples e objetivo. Considere-se uma empresa prestadora de serviços com faturamento de 100 e lucro real de 40. No lucro real, a tributação de IRPJ e CSLL corresponderia a 34% do lucro, ou seja, 13,6. No regime tradicional do lucro presumido, antes do PLP 128, a carga era de 10,88 (32% × 34%). A economia nominal do lucro presumido, nesse cenário, era, portanto, de 2,72.

Com a elevação da margem presumida para 35,2%, a carga do lucro presumido sobe para 11,97. A economia em relação ao lucro real deixa de ser 2,72 e passa a ser apenas 1,63. Em termos absolutos, a economia foi reduzida em 1,09. Em termos relativos, isso significa que 40% do benefício do lucro presumido foi eliminado, embora o discurso normativo fale em uma redução de apenas 10%. Apenas as raríssimas prestadoras de serviços com lucro acima de 64% do faturamento teriam redução efetiva de 10%.

Esse dado é central. O aumento da base presumida não retirou “10% da economia”; retirou quase metade dela. O erro decorre de tratar como equivalentes duas grandezas distintas: o custo tributário do regime e a economia que ele gera em relação ao lucro real.

Esse erro matemático já seria suficiente para justificar a revisão da medida. O problema se agrava quando se observa que, paralelamente, foi instituído o imposto de renda mínimo, cuja justificativa revela uma coincidência quase perfeita de diagnóstico e finalidade. Ambos os instrumentos partem da mesma premissa: a de que o lucro presumido gera uma tributação inferior àquela considerada adequada quando comparada ao lucro real. Aplicados simultaneamente ao lucro presumido, deixam de ser complementares e passam a ser cumulativos, incidindo duas vezes sobre o mesmo diferencial econômico. É essa combinação que caracteriza o verdadeiro “duplo mortal”: um erro matemático relevante somado a uma duplicidade de instrumentos voltados ao mesmo objetivo de redução do benefício.

O paradoxo se completa quando se observa o público efetivamente atingido. O lucro presumido não é o regime típico do 0,2% mais rico da população, frequentemente mencionado nas justificativas do imposto de renda mínimo. Trata-se, em regra, da opção do empresário de classe média e média alta. Assim, uma política apresentada como mecanismo de compensação social acaba recaindo, com intensidade redobrada, sobre um segmento diverso daquele que se afirmou pretender alcançar.

Diante desse quadro, a solução institucional é clara e urgente. Ao sancionar a lei, cabe ao Presidente da República vetar a aplicação do PLP 128/2025 ao regime do lucro presumido. Não há como corrigir, por via interpretativa, a fórmula legal adotada. O veto é o único instrumento capaz de afastar o erro matemático e, ao mesmo tempo, eliminar a duplicidade de redução do benefício, preservando o imposto de renda mínimo como único mecanismo de ajuste.

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