Litigiosidade trabalhista em alta

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Ao ser questionado sobre o PL 6787, em março de 2017, o relator da proposta – o hoje senador Rogério Marinho (PL-RN) – afirmou que um dos principais objetivos do texto era atenuar a judicialização das relações de trabalho. Quando convertida em lei e cunhada popularmente de reforma trabalhista, havia uma percepção unânime de que os litígios na Justiça do Trabalho passariam a diminuir progressivamente.

Isso porque, a partir da promulgação da reforma, em novembro de 2017, foram incorporadas à legislação duas inovações relevantes, que prometiam contribuir para a redução substancial dos novos casos: a imposição de restrições à concessão do benefício da justiça gratuita e a implementação dos honorários advocatícios de sucumbência – verba devida ao advogado da parte vencedora – ao processo do trabalho.

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Nos anos que sucederam o advento da reforma, os dados pareciam indicar que a proposta legislativa vinha surtindo os efeitos desejados. O Relatório Geral da Justiça do Trabalho, divulgado anualmente, passou a registrar queda nos índices de litigiosidade. Em 2016, foram distribuídos 2.723.108 novos processos trabalhistas, número que atingiu o pico histórico.

Já em 2018, primeiro ano completo após a entrada em vigor da reforma, 1.730.703 novos processos foram iniciados, ou seja, uma brusca redução, superior a 45%. Essa tendência de redução se manteve nos anos seguintes, com 1.460.702 novos casos em 2020 e 1.636.707 novos casos em 2022.

Estudiosos se ocuparam de discutir, por um lado, os possíveis obstáculos de acesso ao Judiciário e, por outro, a moralização dos litígios trabalhistas, pretendida há tempos pelos empregadores, sobretudo da iniciativa privada.

No final de 2021, todavia, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar a ADI 5766, impôs o primeiro grande revés ao entendimento instituído pela reforma, declarando inconstitucional o texto legal que previa a cobrança de honorários sucumbenciais e periciais da parte perdedora quando, no curso do processo ou mesmo de outra lide, houvesse obtido créditos suficientes para arcar com tais valores.

A partir desse julgamento, multiplicaram-se decisões afastando a condenação dos trabalhadores sucumbentes ao pagamento dos honorários ao advogado da contraparte, eliminando um dos principais ônus criados pela reforma.

Mais recentemente, já em 2024, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), na mesma toada, fixou entendimento vinculante de que a simples declaração de pobreza – geralmente um documento escrito de uma página, em que a parte afirma não ter condições de arcar com os custos do processo sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família – bastaria para a concessão da justiça gratuita ao trabalhador litigante, ao menos enquanto presunção relativa de hipossuficiência.

A consequência desse movimento dos tribunais superiores foi praticamente imediata: os índices de litigiosidade voltaram a crescer de forma acentuada e atingiram o ápice em 2024, chegando a patamares muito similares aos observados antes da reforma. No último ano, foram distribuídos 2.118.515 novos processos trabalhistas, maior volume desde 2016 (último ano antes da reforma). Apenas no estado de São Paulo, foram mais de 700 mil novas ações. Em comparação com 2020, o aumento foi de expressivos 45%.

O cenário não poderia gerar outro efeito: o Relatório da Justiça do Trabalho apontou, em 2024, um aumento de 19,3% no número de processos recebidos em relação ao ano anterior. A tendência de redução da litigiosidade, que parecia consolidada após a reforma, voltou a se reverter.

O setor de serviços passou a figurar como o maior alvo das demandas trabalhistas, representando 27,9% das demandas distribuídas; um contraponto ao setor da indústria que, tradicionalmente, sempre figurou como a atividade econômica preponderante em termos de litigiosidade, mas, em 2024, contribuiu com apenas 20,6% dos processos trabalhistas.

Não por acaso, a Justiça do Trabalho atingiu recorde de arrecadação em 2024: R$ 6,6 bilhões, valor significativamente superior ao registrado em anos anteriores (R$ 5,8 bilhões em 2023; R$ 2,7 bilhões em 2018; e R$ 2,8 bilhões em 2013). Ainda mais expressivo foi o montante pago aos reclamantes: R$ 49,2 bilhões em 2024, contra R$ 41,3 bilhões em 2023, R$ 29,7 bilhões em 2018 e R$ 24,2 bilhões em 2013.

No preâmbulo do Relatório Geral da Justiça do Trabalho, o TST indica que o aumento de quantitativo de ações decorre de redução do volume de casos, “possivelmente explicado pelo período da pandemia de Covid-19” e que, os últimos três anos representam “retomada da busca por justiça social por parte dos jurisdicionados”. Não há menção ou reflexão quanto aos julgamentos das cortes superiores sobre as regras de justiça gratuita e sucumbência.

O recorte histórico da última década indica que o cenário de litigiosidade trabalhista passou por grande transformação, realmente, a partir da reforma de 2017, com algum impacto ao longo do período de pandemia. Mas a retomada dos patamares anteriores de novos casos, dada a flexibilização e maior acesso a novos processos judiciais, tende a elastecer ainda mais o número de disputas dessa natureza.

Em paralelo, aflora também o aspecto negativo do fenômeno: os casos de litigância predatória no Judiciário trabalhista têm sido cada vez mais noticiados. Os periódicos especializados dão conta de diversos casos, tais como o ajuizamento indiscriminado de ações trabalhistas contra empresas de telecomunicações[1], demandas iniciadas sem a autorização ou ciência dos trabalhadores[2] e até mesmo o ajuizamento simultâneo de inúmeras ações trabalhistas idênticas, com os mesmos pedidos e alegações, ao longo do território nacional[3], o que tem levado as autoridades, tais como a OAB e o próprio Ministério Público a investigar tais situações.

A preocupação cresceu tanto dos últimos anos que, ainda em 2023, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitiu a Diretriz Estratégica 7, com o objetivo de regulamentar e promover práticas e protocolos para o combate à litigância predatória.

Consequentemente, já no final de 2024, no mês de outubro, o CNJ emitiu a Recomendação 159[4], que recomenda medidas para identificação, tratamento e prevenção da litigância abusiva

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Na esteira da Recomendação 159 e da Diretriz Estratégica 7, foi criada a Rede de Informações sobre a Litigância Abusiva, hospedada em portal eletrônico mantido pelo CNJ que confere acesso a Banco de Decisões e Notas Técnicas emanadas por autoridades judiciárias de todo o território nacional. A despeito de sua recente instauração, o Banco de Dados indica a existência de mais de 500 documentos emanados de juízes e tribunais brasileiros em casos ou circunstâncias nos quais tenham sido identificadas práticas de litigância abusiva[5].

Os números impressionam e parecem colocar sob questionamento a visão registrada pelo Relatório Geral da Justiça do Trabalho, no sentido de que o aumento da litigiosidade se dá em razão da “retomada da busca por justiça social”.


[1] https://www.jota.info/trabalho/litigancia-predatoria-a-estranha-historia-de-uma-microempresa-que-tem-303-acoes-trabalhistas

[2] https://ww2.trt2.jus.br/noticias/noticias/noticia/justica-multa-trabalhador-e-advogados-por-litigancia-predatoria

[3] https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2025/06/24/justica-do-trabalho-de-sao-paulo-investiga-indicios-de-litigancia-predatoria-em-acoes.ghtml

[4] https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/5822

[5] https://paineisanalytics.cnj.jus.br/single/?appid=cf62393c-583b-40ee-9eab-4edbfa336b3b&sheet=1c632c02-5988-4bfa-82ee-e5d7c21a729f&theme=horizon&lang=pt-BR&opt=ctxmenu,currsel