Língua não é ponte automática

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Voltei a Timor-Leste após cinco meses, e a sensação que me acompanhou durante minha estada anterior em 2024 — quando vivi nove meses no país — se confirma: a comunicação entre brasileiros e timorenses, especialmente nos contextos institucional e educacional, está longe de ser simples.

Estive em contato com funcionários de diversos órgãos públicos e, nas escolas que visitei em Maliana, Baucau, Ermera, Suai, Liquiça e Díli, conheci professores e diretores. Também convivi com estrangeiros de diferentes nacionalidades que atuam no país. Em praticamente todas as conversas, surgiu o mesmo ponto crítico: a língua.

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Do lado dos estrangeiros, o relato é o das dificuldades de trabalho com os timorenses. Do lado timorense, a língua portuguesa aparece como barreira constante. Curiosamente — e de forma bastante reveladora — muitos jovens se sentem mais à vontade falando inglês do que português.

No Brasil, ainda persiste a ideia de que a comunicação com os timorenses deveria ser fácil porque o tétum, uma das línguas oficiais do país, contém muitas palavras do português. Essa premissa, comum entre profissionais da cooperação internacional, é uma falácia.

Apesar de o tétum conter vocábulos de origem portuguesa, trata-se de uma língua com estrutura própria. A mera presença de palavras reconhecíveis não garante compreensão mútua. Acreditar no contrário leva a mal-entendidos e frustrações de ambos os lados.

O português, em Timor-Leste, é uma língua de valor simbólico: representa resistência, independência e identidade nacional. Mas sua presença nas escolas e instituições não garante fluência generalizada. O ensino do português ainda enfrenta carências de materiais, formação docente e políticas públicas eficazes.

Muitos jovens timorenses aprendem inglês por conta própria, com o apoio da internet, da música, dos filmes e da expectativa de inserção no mundo global. Esse movimento, coexistente com o projeto lusófono, não pode ser ignorado.

Para que a cooperação entre brasileiros e timorenses seja mais eficaz, é necessário abandonar pressupostos e romantismos. Não basta dizer que “deveria ser fácil se comunicar” — é preciso reconhecer que, na prática, não é.

A humildade na escuta, o esforço em compreender a realidade local e o respeito à complexidade linguística de Timor-Leste são atitudes essenciais. A atuação estrangeira no país — inclusive a brasileira — precisa se apoiar menos em discursos prontos e mais em diálogo real.

Timor-Leste é um país jovem, plural e resiliente. A língua, aqui, não é apenas meio de comunicação: é expressão de história, identidade e escolha. Respeitar essa realidade é o primeiro passo para qualquer cooperação que se pretenda significativa.