Limite do uso da presunção no processo de combate a fraudes aduaneiras

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Para fins de discussão nesta breve abordagem, necessário salientar o importante papel que a fiscalização desenvolve no comércio exterior. Não são poucas as dificuldades e desafios enfrentados pelos agentes aduaneiros num país com a dimensão fronteiriça como no caso brasileiro.

O controle aduaneiro é fundamental para a sociedade brasileira, fato que reflete tanto na segurança das pessoas, como também na proteção a concorrência desleal, saúde pública, erário público, dentre outros contextos. No decorrer das atividades aduaneiras os operadores de comércio exterior se deparam naturalmente, com as fiscalizações por parte do poder público.

A fim de regulamentar este controle, exercido por meio do poder de polícia conferido aos agentes públicos, o legislador brasileiro estabeleceu através de legislação e normas infra-legais- como decretos, instruções normativas e portarias-, conceitos e parâmetros de modo a auxiliar o Poder Público na fiscalização e prevenção de prejuízos aos cofres públicos e crimes.

Frise-se que a essência do Direito Aduaneiro é regulatória. Explica-se isto na medida em que sua essência é administrativa e regulatória. E estas relações de comércio internacional que afetam a Aduana, faz com que os órgãos intervenientes atuem somente quando provocados.

O problema ocorre quando se deparam com suspeitas de infrações aduaneiras. Mas o que se deve entender como sendo infração aduaneira? O Decreto-Lei 37/1966 estabelece um conceito a respeito no artigo 94. Eis sua redação: “Art.94 – Constitui infração toda ação ou omissão, voluntária ou involuntária, que importe inobservância, por parte da pessoa natural ou jurídica, de norma estabelecida neste Decreto-Lei, no seu regulamento ou em ato administrativo de caráter normativo destinado a completá-los”.

Ao se observar o artigo 673 do Regulamento Aduaneiro – Decreto 6759/2009 – tem-se que o legislador adotou o conceito anteriormente mencionado e o transpôs na sua integralidade.

Portanto, tem-se que qualquer ato ou omissão que contrarie as normas deste decreto ou regulamento serão entendidos como infrações aduaneiras. Não bastasse tratar-se de um termo genérico, vale lembrar a título exemplificativo, que o Decreto Lei 1455/1976, bem como a Instrução Normativas 1986/2020, em caso de suspeitas de infração vinculada ao destinatário final, valor, origem, capacidade e disponibilidade financeira, há permissão para fins de apreensão da mercadoria por até 180 de uma mercadoria e procedimentos direcionados a perdimentos.

O fato é que a essência, não só das relações aduaneiras mas também das infrações aduaneiras é o caráter administrativo/regulatório. A infração aduaneira decorre do não atendimento de uma obrigação. Por isso não se entende pela pertinência de se falar em obrigação principal e acessória no campo do direito aduaneiro. Uma vez descumprida, o poder de polícia agirá, posto que a violação estará caracterizada.

A Convenção de Quioto, não ratificada pelo Brasil, estabelece alguns parâmetros em seu anexo H.2 no sentido de caracterizar infrações aduaneiras. Não por menos prevê neste cenário quaisquer oposições, obstruções à aduana, falsidade de documentos, enfim, formas de violação aduaneiras.

O Código Tributário Nacional (CTN) – Lei 5172/1966 – é aplicado à realidade aduaneira de forma complementar e subsidiária, motivo pelo qual se torna imprescindível esclarecer a infração tributária. Mas não há que se confundir. A propósito: “Não há que se confundir o Direito Aduaneiro com o Direito Tributário, na sua porção disciplinadora dos tributos sobre o comércio exterior, uma vez que as relações jurídicas compreendidas no primeiro são de natureza necessariamente administrativa, ainda que, por vezes, voltadas à realização de fins tributários. O caráter regulatório, típico do Direito Aduaneiro, faz exsurgir o ponto de toque entre essa disciplina e o Direito Tributário: a extrafiscalidade[1]” (COSTA, 2004, p. 36).

A questão proposta neste breve estudo reside no limite da utilização da presunção em processos fiscalizatórios de natureza eminentemente aduaneira.

A presunção quanto a suspeita de fraude vinculada à origem do capital ou produto envolvido na operação de comex, assim como na identificação do verdadeiro importador ou exportador, deve ser analisada com limitações. Por presunção, entende-se que se trata do exercício de se extrair, de uma lógica ou fatos corriqueiros na realidade aduaneira, uma verdade. Legalmente, não é proibida sua utilização, inclusive por parte do Fisco, motivo pelo qual a legislação prevê a presunção absoluta – iuris et de juris – e relativa – iuris tantum. Trabalha-se em algo inexistente, supondo sê-lo existente, diante de outros fatos conhecidos[2].

Tarefa árdua esta de se presumir uma simulação, fraude, indícios de quaisquer irregularidades e, sem o devido processo legal, contraditório e ampla defesa, submeter uma empresa aos procedimentos especiais que poderão, inclusive, resultar em perda de CNPJ, perdimento da mercadoria, representação fiscal para apuração de sonegação e representação ao Ministério Público Federal para averiguação de práticas criminosas.

De um lado o agente da fiscalização intui a ocorrência de algo irregular, diante de outros fatos conhecidos, motivo pelo qual se instaura os procedimentos especiais a que as Instruções Normativas disciplinam. Inexiste ilegalidade nesta conduta.

Todavia, é preciso parcimônia nesta tarefa. Não por outro motivo que o Fisco, na busca incessante por sonegações fiscais ou práticas que atentem contra a legislação nacional, jamais poderá presumir uma irregularidade com base em meros indícios e afrontar princípios do devido processo legal e contraditório, legalidade, tipicidade fechada, de forma a suprimir um dos pilares de equilíbrio social que é a segurança jurídica.

“A partir do momento, porém, em que as conjecturas da autoridade administrativa começam a materializar-se em atos concretos contra o contribuinte, é mister venham observados alguns pressupostos e requisitos, de modo a não lhe violentar direitos subjetivos fundamentais. Noutros falares, o Estado deve comprovar a culpabilidade do contribuinte, que é constitucionalmente presumido inocente. Esta é uma presunção iuris tantum, que só pode ceder passo com mínimo de provas produzidas, já na órbita administrativa, por meio do devido processo legal e com a garantia da ampla defesa. A pretexto de combater a fraude ou agilizar a arrecadação, à Fazenda Pública não é dado presumir fatos para compelir os contribuintes a pagar tributos ou a suportar multas fiscais”[3].

Partindo da premissa de que o indício não leva à certeza, embora, pelo menos em tese, a aproxime de forma substancial, uma determinação administrativa pautada apenas em indícios sempre deixará aberta a porta da incerteza. É preciso evitar violações constitucionais que vão além do direito de propriedade e passa, inclusive, pelo próprio direito de exercer a atividade econômica. Por fim, vale lembrar que atuando dentro dos limites legais, a fiscalização não só garante a proteção do Controle Aduaneiro, como também, faz valer os objetivos da Carta Constitucional de 1988 presentes no art. 3, II e III, qual seja, desenvolvimento econômico e erradicação da pobreza por meio da geração de empregos, tributos e renda para a sociedade.

Diante disto, é de fundamental importância identificar e comprovar corretamente quais as atitudes configuradoras da fraude e simulação aduaneira, de forma não incorrer no grave erro de enquadramento ilegal ou com capitulação equivocada de Autos de Infrações, especialmente nos casos de canal cinza, seja na interposição presumida, comprovada ou mesmo nas questões envolvendo a interposição em camadas ou em segundo nível, sob pena de resultar em nulidade de todo o trabalho fiscalizatório, sem prejuízo das discussões de reparação de prejuízos na área cível.

[1] COSTA, Regina Helena. Notas sobre a Existência de um Direito Aduaneiro. In: FREITAS, Vladimir P. Importação e exportação no direito brasileiro. São Paulo. RT, 2004.

[2] VIDE valiosíssimos comentários de CARRAZA, ROQUE ANTÔNIO. CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO. 28ª ed. São Paulo: Ed. MALHEIROS, 2012, p. 525.

[3] CARRAZA, ROQUE ANTÔNIO. CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO. 28ª ed. São Paulo: Ed. MALHEIROS, 2012, p. 527-528.

CARRAZA, Roque Antônio. CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO. 28ª ed. São Paulo: Ed. MALHEIROS, 2012.

COSTA, Regina Helena. Notas sobre a Existência de um Direito Aduaneiro. In: FREITAS, Vladimir P. Importação e exportação no direito brasileiro. São Paulo. RT, 2004.