Outro dia me deparei com um artigo da Harvard Business Review sobre desenvolvimento de liderança. O mote do artigo era a mudança de comportamento para liderar mudanças no ambiente organizacional. Segundo a autora, mudar comportamentos é difícil, mas crucial para líderes que querem prosperar num mundo em constante evolução, com reflexos imediatos sobre as organizações, independentemente de tamanho e relevância.
Já antecipando algumas de suas conclusões, líderes podem aumentar as chances de que as mudanças implementadas tenham sucesso ao investir em autoconhecimento. Comprometer-se com a mudança, superar crenças limitantes, além de praticar os novos comportamentos de forma contínua e consistente.
A autora traz algumas situações baseadas em sua experiência como consultora e dá sugestões práticas de como pequenas mas importantes mudanças em alguns comportamentos podem influenciar positivamente o resultado que se busca.
Os exemplos do artigo me remeteram imediatamente ao curso de liderança que fiz há poucos anos atrás na Emeritus, plataforma de conhecimento formada, à época, por três grandes universidades americanas: MIT, Columbia, Dartmouth. Conheci a plataforma por amigos, que fizeram cursos em transformação digital e finanças. Como nos dois anos anteriores havia terminado meu LLM em Direito Societário e feito cursos de direito internacional e finanças corporativas, eu já estava no limite de cursos técnicos. Estava assumindo a minha atual posição como diretora tributária de uma multinacional francesa, com um escopo maior, planejando mudanças estruturais significativas e pensei que um curso de liderança faria sentido naquele momento.
O curso, chamado Postgraduate Diploma in Leadership, é online com encontros síncronos semanais com colegas de várias partes do mundo e possui duração de 6 meses. Era composto por aulas gravadas, aulas ao vivo, trabalhos em grupo, e muita, muita leitura. Estávamos em plena pandemia — o ano era 2020. O modelo veio bem a calhar, no auge de webinars, encontros virtuais, home office.
Dividido em três grandes blocos, o primeiro deles falava de identidade. Como assim pensei. Obviamente, liderar envolve influenciar, inspirar, motivar, delegar, ouvir. Mas como fazer tudo isso se você não se conhecer? Se você não identificar dentro das suas atividades diárias, o que te estimula, o que te sacrifica, o que faz você sobreviver e o que faz você ter sucesso?
Para chegar lá, uma das primeiras tarefas foi aplicar um questionário (360 assessment) sobre como você se vê e como os outros te veem, respondido por pelo menos 6 pessoas com quem você convive. De acordo com a chamada do curso, “a avaliação 360 é uma ferramenta utilizada para coletar feedback sobre si mesmo e tomar ações apropriadas para o autodesenvolvimento, pois pessoas que têm uma maior consciência de seu próprio comportamento e como eles são percebidos pelos outros são mais eficazes em liderar e gerenciar os outros. Você é visto como um líder melhor, melhor colega e tem melhor desempenho quando entende como os outros o veem”. Já super animada, enviei para meu antigo gestor, alguns pares e membros das minhas antigas equipes e minhas irmãs, esperando uma bela e positiva confirmação de tudo que eu achava que era.
As respostas foram inesperadas, e muito bem-vindas. Sem entrar em detalhes, mas no processo, a forma como eu me via era um tanto diferente de como eu era percebida. Dos 9 tópicos do teste, os outros me viam de maneira mais positiva que eu em 7.
Esse descolamento de percepção foi muito importante. Refleti e agradeci por esses 7 e foquei nos 2 em que eu me achava superior e discordavam da minha avaliação. Desde então, muitas das minhas iniciativas de aprendizado tem como foco essas duas áreas: comunicação e persuasão, e negociação e resolução de conflitos. O aperfeiçoamento é constante, e sigo investindo em cursos e leituras para aprimorar essas habilidades.
Numa outra atividade, tivemos que construir um mojo scorecard. Mojo, na tradução para o português — encanto, tem como objetivo encontrar o encanto pessoal e profissional em 10 atividades diárias escolhidas por mim, atribuindo notas de 1 a 10 ao que me trazia motivação, conhecimento, habilidade, confiança, autenticidade, felicidade, reconhecimento, sentido (ou propósito), aprendizado e gratidão. Em seguida, classificar cada uma delas em estimulante, sacrificante, sobrevivência, sucesso, numa matriz com os eixos propósito e felicidade.
Essa atividade foi um passo importante para me conhecer melhor, tomando tarefas que recheavam o meu dia como base pontos concretos. Algumas atividades me estimulavam por completo, outras, só de pensar em fazer, me davam arrepios, e acabavam ficando por último. E a própria postergação exacerbava sentimentos não tão legais não só sobre a tarefa, mas sobre o que aquele atraso poderia significar para as minhas entregas, decisões corporativas, avaliações de performance. Colocar no papel, ter um olhar qualitativo com mais repertório e significado, me fez enxergar não só o que eu posso levar para toda atividade realizada, mas também o que cada atividade me traz. Dar um outro sentido às tarefas menos interessantes traduziu-se como uma ação eficaz para fazer o que tinha que ser feito, e ponto.
As reflexões sobre identidade deram lugar à uma tarefa divertida sobre identidade criada. Partindo de quem você é e quem você quer ser. O que você espera que as pessoas falem sobre você no futuro? O que você se motiva para oferecer ao mundo? O que você quer ver no mundo e como você pode contribuir para que isso aconteça?
Três anos depois, relendo os papers que eu entreguei no curso, constato que o que eu escolhi ser tem sido colocado em prática. Não é fácil, requer esforço, prática, tentativa e erro, e constante lembrança dos compromissos assumidos comigo mesma.
E o que isso tem a ver com liderança? Um dos ensinamentos dados pelo professor do MIT que liderou o último bloco do curso é simples e direto: liderar é fazer acontecer. Daí eu volto ao artigo da HBR que me inspirou a escrever aqui e às sugestões para liderar melhor, liderar para mudar, liderar para fazer acontecer. Mudar para mudar.
Para aumentar o autoconhecimento, uma das sugestões é feedback. Buscar constantes feedbacks de como você e suas ações são percebidas, diminuir o descolamento entre o que você imagina ser e o que suas ações dizem que você é. Eleger os comportamentos que impactam as áreas em que você quer melhorar, focar suas ações de desenvolvimento neles. Ter a humildade de reconhecer que somos um trabalho em progresso.
Fazer compromissos e permitir-se ser lembrado deles é outro. Poder se livrar do microgerenciamento. Confiar e delegar mais e dar espaço para que o time dê sua opinião, criando um ambiente de segurança psicológica para que as pessoas se sintam parte da solução. Além disso, fomentar uma cultura de autonomia com responsabilidade e praticar a escuta ativa. Convidar outras pessoas a desafiar suas suposições e adicionar as suas. Aqui, o importante é fazer um plano, segui-lo e não se incomodar de ser relembrado pelo time do que foi combinado. Pensar, ouvir, se relacionar e colaborar melhor são lições extraídas do livro de Edward Hess, “Humility is the New Smart”.
Outra sugestão é superar crenças limitantes. Dar um tempo entre pensamentos que funcionam como gatilhos, e respostas improdutivas que dificultam o diálogo, a convergência, a troca de ideias e o progresso. Refletir com curiosidade sobre o que pensamos, e quanto do que pensamos está de acordo com a realidade, é um exercício de maturidade emocional. Não controlamos o que nos acontece, mas controlamos como nos sentimos e o que fazemos sobre isso. Temos a liberdade de escolher como respondemos ao que nos acontece. Lições importantes e sempre atuais de Victor Frankl, em sua obra “Em Busca de Propósito”.
Praticar é a ultima das sugestões. Comece com pequenos passos. Pequenas e consistentes mudanças, sem cair na tentação de mudanças profundas e repentinas que não se sustentam. O caminho não será linear, sem sobressaltos ou desvios de rota. Adotar a mentalidade de tentativa e erro ajuda, e muito, pois requerem prática constante até que as ações virem hábitos. Sobre os hábitos, os ensinamentos dos livros “O Poder do Hábito” e “Hábitos Atômicos” são recursos aos quais recorro todos os dias.
Voltando ao ponto inicial, mudar comportamentos é difícil. Envolve autoconhecimento, compromisso e prática. Ter a consciência de que é possível é um bom ponto de partida. Como ensina Frankl, quando já não conseguimos mudar a situação, somos desafiados a mudar nós mesmos.