Para qualquer atividade empresarial, a perspectiva de crise financeira é assustadora. O caminho convencional frequentemente leva a um processo de recuperação judicial complexo, custoso, público e muito penoso. Há, como benefício, a suspensão de ações, a nomeação de administrador judicial, sob a condição de submissão de todo o negócio à intensa supervisão judicial.
No entanto, a própria lei concede uma alternativa mais ágil, privada e que pode ser, a depender do caso, mais estratégica: a Recuperação Extrajudicial (REJ). Embora frequentemente desconhecida, ela fornece uma estrutura formal para a negociação direta com credores fora do âmbito jurisdicional – um caminho prático entre acordos informais e sem garantia.
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Introduzida no ordenamento jurídico pela Lei 11.101/2005, a REJ foi inicialmente desenhada de forma muito limitada. Atualmente, após algumas reformas, empresas que enfrentam desafios financeiros específicos podem utilizá-la como uma solução mais rápida e menos complexa.
A ideia aqui é apresentar as principais características da recuperação extrajudicial, demonstrando como ela se tornou uma ferramenta estratégica para empresários que visam o soerguimento da crise sem a necessidade de ingressar com uma recuperação judicial.
Sob a antiga lei de falências do Brasil (Decreto-Lei 7.661/45), o simples ato de convocar uma reunião com credores para propor um plano de reestruturação poderia ter graves consequências. Esse ato era considerado confissão de insolvência e poderia ser usado por esses mesmos credores como base legal para pedir a falência da sociedade empresária. Isso, de certo modo, criou um efeito inibidor, punindo empresários por buscarem soluções.
Sabe-se que com o advento da Lei 11.101/2005 há uma completa mudança na dinâmica de enfrentamento das crises econômico-financeiras de sociedades empresárias, o que fica evidenciado na redação do art. 167, que afirma, explicitamente, que acordos privados entre o devedor e seus credores não são considerados ato de falência.
Essa mudança crucial transformou o que antes era um erro fatal em uma opção estratégica legítima e protegida. O intuito da reforma da legislação foi deslocar o poder de decisões sobre dívidas genuinamente privadas às partes. A mudança reconhece que preservar um negócio viável é preferível à sua liquidação, fomentando um ambiente orientado para soluções.
‘Extrajudicial’ não significa ‘sem juiz envolvido’
Comumente pensa-se que a Recuperação Extrajudicial ocorre inteiramente fora do sistema legal. Embora a fase de negociação seja, de fato, privada, o processo pressupõe a fase de homologação do plano pelo Judiciário, o que o atribuirá os efeitos de um título executivo judicial.
O termo “extrajudicial” é utilizado, neste aspecto, para identificar que a negociação realizada pelos credores não ocorre durante o procedimento judicial. A composição entre os credores e o devedor é privada. Somente após os credores já terem aderido à proposta negociada é que seus termos e condições são apresentados para a homologação judicial.
O aspecto mais importante da REJ refere-se à possibilidade do plano vincular legalmente quaisquer credores dissidentes que façam parte da negociação, uma característica que acordos privados não conseguem alcançar.
A lei prevê duas modalidades distintas para a recuperação extrajudicial, sendo que uma delas possui poder excepcional. A primeira é o plano facultativo (art. 162), que é direto: o devedor apresenta um plano que foi voluntariamente aceito por todos os credores envolvidos na negociação. Esta é essencialmente uma maneira de dar a um acordo privado aceito por unanimidade a força executiva.
Porém, o verdadeiro diferencial é o plano impositivo (art. 163). Sob essa disposição, o devedor não precisa de consentimento unânime dos credores, sendo suficiente obter o acordo de credores que representem mais da metade do total da dívida dentro de uma classe ou grupo específico, hipótese em que o plano pode ser submetido à aprovação judicial.
Uma vez homologado, os termos do plano são legalmente impostos à minoria dissidente dentro dessa mesma classe. Isso impede que um pequeno número de credores resistentes impeça um plano de reestruturação viável que a maioria apoia. Esse quórum foi recentemente reduzido de uma exigência mais restritiva de três quintos (3/5), tornando essa ferramenta mais acessível para empresas em dificuldades.
Possibilidade de proteção judicial antes do apoio majoritário
Uma das vantagens estratégicas mais significativas da REJ foi introduzida com a Lei 14.112/2020. Antes da vigência da reforma, o devedor tinha que garantir o apoio da maioria antes de ir a juízo, ficando exposto a ações judiciais e execuções de ativos durante o período de negociação.
Agora, conforme o art. 163, §7º e §8º, o devedor pode obter um respiro muito mais cedo no processo. A empresa pode entrar com pedido de homologação com o apoio de apenas um terço dos credores em cada classe abrangida pelo plano. Esse pedido inicial aciona uma suspensão imediata das ações legais e execuções de todos os credores sujeitos ao plano. Isso concede ao devedor um período protegido de 90 dias para continuar as negociações e garantir o apoio majoritário necessário de mais de 50%.
Este “período de suspensão” proporciona estabilidade vital, permitindo que a empresa negocie a partir de uma posição de força e se concentre na finalização de um plano viável sem a constante ameaça de ações disruptivas dos credores.
Restrições da Recuperação Extrajudicial
Apesar de a REJ ser flexível, não é uma solução universal para todos os tipos de dívida, pois a lei exclui, explicitamente, certos créditos de serem incluídos no plano.
O art. 161 é claro ao excluir do âmbito da REJ os créditos de natureza tributária; os decorrentes da legislação do trabalho; aqueles detidos por proprietários fiduciários e os relacionados aos contratos de câmbio para exportação.
Além disso, a lei estabelece regras claras para proteger os credores que não fazem parte do plano. O art. 161 especifica que o plano não pode prever o pagamento antecipado de quaisquer dívidas, nem pode impor tratamento desfavorável a credores que não estejam sujeitos aos seus termos.
Conclusão
Ao transformar um potencial gatilho de falência em uma negociação protegida e permitir que os devedores garantam suspensão de 90 dias com apenas apoio parcial, o arcabouço da REJ oferece alternativa estratégica para sociedades empresárias que precisam reestruturar seu passivo.
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Há, de certo modo, a possibilidade de equilíbrio entre privacidade e a velocidade da negociação direta com a autoridade legal para vincular minorias dissidentes, representando um caminho possivelmente mais eficiente, direcionado para o soerguimento da atividade empresária.
Assim, ao criar caminho formal para a REJ, considera-se que as reformas da Lei 11.101/2005 ampliaram a possibilidade de utilização do instituto jurídico, o que permitiu acesso a um modelo de processo mais adaptável e menos oneroso quando comparado à recuperação judicial.